Veja a íntegra da fala do presidente Lula na Cúpula Empresarial da ASEAN, em Kuala Lumpur
Brasil foi convidado a ASEAN pela Malásia
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(Brasília-DF, 26/10/2025) O Palácio do Planalto divulgou a íntegra do pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Cúpula Empresarial da ASEAN, em Kuala Lumpur (Malásia), em 26 de outubro de 2025. Lula é o primeiro chefe de Estado do Brasil a participar da cúpula da ASEAN, que realiza sua 47ª edição. Lula foi convidado pela Malásia.
A Malásia é um dos principais parceiros do Brasil na Ásia, com intercâmbio crescente em áreas de tecnologia e energia. O comércio bilateral somou US$ 487,2 milhões em setembro de 2025, sendo US$ 346,4 milhões em exportações brasileiras e US$ 140,9 milhões em importações. Em 2024, o fluxo total chegou a US$ 5,8 bilhões, com aumento de 5,9% em relação ao ano anterior e superávit brasileiro de US$ 2,7 bilhões. Os principais produtos exportados foram minério de ferro (37%) e óleos brutos de petróleo (28%), volume superior ao das exportações brasileiras para países europeus como França, Itália, Portugal e Reino Unido.
Confira a íntegra do pronunciamento do presidente Lula na cúpula do Sudeste Asiático( ASEAN)
Confira:
Pergunta 1 – Geoeconomia e Cooperação Sul-Sul
Presidente Lula: Eu gostaria primeiro de agradecer aos empresários da ASEAN, dos 11 países que acompanham a ASEAN, por me permitirem ter a oportunidade de conversar um pouco com vocês sobre o que o Brasil pensa do mundo.
Há quem questione o conceito de Sul Global, dizendo que os países que o compõem são diversos demais entre si.
Mas existem muito mais interesses que nos unem do que diferenças que nos separam.
O mundo atravessa, hoje, profundas transformações.
Temos que trabalhar juntos para evitar que essas mudanças ampliem as assimetrias que existem entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Se não nos unirmos, falharemos com as 673 milhões de pessoas que ainda sofrem com a fome no mundo.
Seremos os mais afetados pela mudança do clima, mesmo que não tenhamos sido, historicamente, os maiores responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa.
Nos tornaremos alvo de uma nova corrida predatória por recursos naturais, incluindo minerais críticos, sem a oportunidade de agregar valor à nossa produção.
Seguiremos sem acesso a medicamentos, repetindo o “apartheid de vacinas” que vimos na pandemia de COVID-19.
Viveremos o impacto da inteligência artificial sobre nossos empregos, sem participar do seu desenvolvimento ou decidir sobre sua regulação.
Sofreremos com o protecionismo de países ricos ao mesmo tempo em que somos pressionados a abrir mercados.
Um mundo multipolar regido por regras multilaterais é o melhor caminho para a paz e a prosperidade.
O Brasil e a ASEAN têm tudo para se tornarem polos de uma ordem internacional mais justa e equilibrada.
O Brasil e vários países do Sudeste Asiático estão reunidos no BRICS. A Indonésia é país-membro e Malásia, Tailândia e Vietnã são países parceiros.
Enquanto outros apostam na rivalidade e na competição, nós escolhemos a parceria e a cooperação.
Com um PIB combinado de 3,8 trilhões de dólares e crescimento médio anual de 4% na última década, a ASEAN forma a quinta maior economia do mundo.
O Brasil continua a ocupar seu lugar entre as dez maiores economias mundiais.
Crescemos 3,4% em 2024 e o FMI acaba de ampliar a projeção de aumento do PIB brasileiro para 2,4% em 2025, apesar da desacelaração da economia global.
Duas transições globais irreversíveis estão em andamento: a digital e a energética.
A primeira está acontecendo com a participação ativa da ASEAN. A segunda deve muito à contribuição do Brasil.
Juntos, podemos garantir que essas transições sejam feitas de forma inclusiva e sustentável e beneficiem nossos povos.
O que é extremamente importante é que a gente consiga fazer, nessa segunda metade do século XXI, tudo aquilo que nós não conseguimos fazer na primeira metade.
O mundo está precisando de transformações que tenham sentido humanitários e transformações que levem em conta que nós temos uma luta em comum, que é a luta contra a desigualdade no planeta Terra.
Pergunta 2 – Sustentabilidade e Parcerias Verdes
Presidente Lula: O Brasil é o terceiro país com maior capacidade instalada de produção de energia renovável do mundo, segundo a Agência Internacional de Energia Renovável – a IRENA.
Nossa matriz elétrica é uma das mais limpas do planeta, com quase 90% da eletricidade proveniente de fontes renováveis.
Em agosto, a geração de energia eólica e solar bateu recordes, respondendo por 34% da eletricidade produzida.
Somos pioneiros e líderes em bioenergia há quase cinquenta anos.
Os biocombustíveis são uma opção barata e rápida para a descarbonização de vários setores, desde veículos leves até a aviação e o transporte marítimo.
O potencial de sua expansão no Sudeste Asiático é imenso.
Juntos, podemos criar mercados globais de bioenergia baseados em parâmetros de sustentabilidade concebidos pelo Sul Global, em vez de padrões impostos por países ricos.
Dentro de poucos dias, o Brasil sediará a COP30.
Tenho dito que será a COP da verdade, na qual os líderes mundiais terão de enfrentar os fatos.
A verdade é que o planeta caminha para um aquecimento maior do que dois graus mesmo com os novos compromissos de redução de emissões apresentados até agora.
A comunidade internacional não pode chegar à COP30 para decretar a morte do Acordo de Paris. Ele continua sendo nossa maior bússola.
Não vamos resolver o problema da mudança do clima em uma única conferência.
Mas tenho certeza de que podemos sair da COP30 com novas ideias para responder a esse desafio de forma mais efetiva do que temos feito.
Nosso objetivo é adotar declarações com propostas práticas, um mapa do caminho sobre como ampliar o financiamento climático para 1,3 trilhão de dólares e um chamado à ação.
A primeira declaração é a que lançará o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, um mecanismo inovador que vai remunerar investidores e garantir financiamento estável para países em desenvolvimento que preservam suas florestas.
Outra será a Declaração com medidas para quadruplicar a produção de combustíveis sustentáveis até 2035, meta que contribuirá para a transição para longe dos combustíveis fósseis, como nos comprometemos em Dubai.
Também adotaremos a Declaração sobre Fome, Pobreza e Ação Climática, que pretende aumentar a resiliência das pessoas mais vulneráveis ao aquecimento global, por meio de políticas sociais e da promoção de meios de vida sustentáveis.
O Mapa do Caminho Baku-Belém para o 1,3 trilhão de dólares vai reunir sugestões para arrecadar recursos suficientes para financiar uma transição justa em países em desenvolvimento.
Vamos precisar de ousadia, e aqui eu queria fazer um à parte e dizer aos nossos amigos da ASEAN que o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre é uma inovação, porque não será um fundo de doação, será um fundo de investimento. E os países que investirem nesse fundo de florestas tropicais, uma parte do rendimento será destinada a financiar a manutenção das florestas em pé nos países que ainda têm florestas.
No caso, a própria ASEAN tem muitos países com floresta em pé, a América do Sul tem oito países com a maior floresta tropical do mundo, a Indonésia tem e o Congo tem muita floresta. Então o que nós precisamos é lembrar que embaixo dessas florestas moram pessoas que precisam viver dignamente e que é preciso financiamento. Desde a COP de Copenhague em 2009, que o mundo rico prometeu 100 bilhões de dólares por ano para resolver o problema dos países pobres.
E até hoje esse dinheiro não apareceu. Então nós inovamos com a proposta de financiamento. No dia em que eu anunciei a proposta, o Brasil anunciou investimento de um bilhão de dólares nesse fundo para contribuir.
E eu espero que todos os países da ASEAN possam contribuir com esse fundo, lembrando que não é doação, é investimento.
E ao mesmo tempo convidar todos os países da ASEAN para participar da COP30 no Brasil, que será um momento definidor do que os líderes mundiais pensam sobre a questão do clima e a questão do risco que o planeta Terra corre. É isso que nós precisamos de vocês.
E eu queria aproveitar e convidar todos os países da ASEAN a comparecer ao Brasil. No dia, nós vamos ter dois momentos. Vai ser a primeira COP que vai ter uma separação entre a cúpula das autoridades, que será dia 6 e 7 de novembro.
E dia 10 começa a COP da sociedade civil. Portanto, eu acho que é muito importante que os dirigentes da ASEAN compareçam nessa COP.
Pergunta 3 – Transformação Digital e Inovação
Presidente Lula: Meus amigos e minhas amigas, o Brasil se inspira muito no Sudeste Asiático para promover sua transformação digital.
Vemos a inovação como uma hélice que tem quatro pás: o governo, a academia, o setor privado e a sociedade civil. Para que ela gire, é preciso que todos trabalhem juntos. Na cooperação internacional, precisamos colocar todos esses atores em diálogo.
Parcerias entre países do Sul Global na área de ciência, tecnologia e inovação tendem a ser mais colaborativas e horizontais. Por isso, têm um grande potencial ganha-ganha.
Na última Cúpula dos BRICS, adotamos uma declaração em defesa da regulação da inteligência artificial. Isso é fundamental para garantir que o Sul Global possa ter acesso a essa tecnologia e tenha voz sobre seus impactos.
O Brasil tem como meta digitalizar 50% da indústria nacional até 2033 e triplicar a participação da produção nacional no segmento de novas tecnologias.
Desde 2023, oferecemos cerca de dez bilhões de dólares em crédito para mais de 35 mil projetos de transformação digital.
Queremos fortalecer nossa soberania digital por meio do desenvolvimento de soluções locais de computação em nuvem e da instalação de centros de dados em território nacional.
Na área de semicondutores, há boas perspectivas de colaboração com países do Sudeste Asiático, especialmente a Malásia.
O Brasil acaba de lançar um novo programa de semicondutores, que vai estimular o setor por meio de financiamento e incentivos tributários.
Pesquisadores brasileiros e malásios vão colaborar no desenvolvimento de novos materiais para a fabricação de chips.
Empresas brasileiras e malásias vão trabalhar juntas na implantação de fábricas de semicondutores no sul do Brasil.
Parcerias entre o Brasil e a ASEAN mostram ao mundo que tecnologias de ponta não devem ser privilégio de um pequeno grupo de países.
Aqui há um dado extremamente importante para todos nós que sonhamos em criar um novo mundo. É importante que a gente faça com que todos os avanços no mundo digital e todos os avanços tecnológicos possam fazer com que o povo de cada país possa ser beneficiado imediatamente.
É por isso que nós trabalhamos na questão do Sul Global com o compartilhamento dessas conquistas para a sociedade. Nós não queremos repetir neste mundo digital o que aconteceu. Que você tem uma parcela da população tão empobrecida que ela não pode participar de nada, de nenhuma evolução.
Ainda tem muita gente analfabeta no mundo. Ainda tem muita gente sem comer no mundo. Ainda tem muita gente sem trabalhar no mundo. Ainda tem muita gente em campos de refugiados no mundo.
E nós precisamos ter consciência que somos nós, líderes que governamos os nossos países neste momento, que temos que estender a mão para tentar fazer com que essas pessoas participem e essas pessoas também possam ganhar alguma coisa neste chamado mundo novo digitalizado. É isso que nós pretendemos discutir, inclusive agora no G20 na África do Sul.
Pergunta 4 - Senhor presidente, eu acredito que amanhã é aniversário do senhor. O que o senhor vai fazer para festejar o aniversário amanhã? E o senhor tem algum conselho para a geração mais nova para, obviamente, estarem tão bem quanto o senhor? O senhor está planejando concorrer para um quarto mandato? Ou seja, para que eles possam se entusiasmar e pensar no futuro?
Presidente Lula: Olha, eu penso que quando um ser humano consegue completar 80 anos de idade com saúde, o máximo que eu posso fazer amanhã é agradecer a Deus por ter me colocado no mundo e, ao mesmo tempo, ter me dado saúde para completar 80 anos de idade.
Eu tenho um compromisso com Deus que eu peço para viver até 120 anos de idade.
Parece muito, mas não é muito no mundo de hoje, porque a ciência explica que já nasceu a pessoa que vai viver 120 anos. Então, eu me pergunto por que não eu viver esses 120 anos?
Mas o mais importante é que nós temos que aproveitar a nossa experiência de vida para a gente tentar passar algumas ideias para a juventude, nesse momento histórico da humanidade em que um menino de 10 anos sabe mais do que o avô dele de 80 anos.
Em que um jovem adolescente consegue saber muito mais do que seus pais pela possibilidade e facilidade que o mundo digital colocou na mão desses meninos para aprender.
Uma coisa que eu acho extremamente importante a gente dizer sempre é que é importante que a humanidade tenha clareza da sua necessidade de participar da política do seu país.
Não é possível neutralidade em política. Não é possível que as pessoas não saibam para quem que elas têm que governar quando elas ganham uma eleição.
E nós temos que ter em conta que o Estado precisa servir às pessoas mais vulneráveis, aquelas que mais precisam.
E é por isso que eu faço um chamamento à juventude. Primeiro tem que estudar muito, estudar o máximo que puder estudar, aprender o máximo que puder aprender.
A segunda coisa é não perder o interesse de continuar sonhando todo santo dia. Um jovem não tem o direito de ser pessimista. Ele tem a vida inteira pela frente.
Ele tem que estar sempre otimista e quando ele estiver desanimado, quando ele não acreditar mais em ninguém, quando ele achar que está tudo errado, ele tem que lembrar que a participação dele pode mudar o pessimismo dele.
O político honesto, o político trabalhador, o político decente, o político que vai fazer as coisas não está dentro dos outros, está dentro de você.
Então, jovem, não fique desanimado, participe da vida política do seu país, participe da vida cultural do seu país, dê a sua contribuição, porque não existe possibilidade de omissão na construção da Malásia que vocês querem, da Indonésia que vocês querem, do Timor-Leste que vocês querem, do Brasil que nós queremos.
Então é importante que todo mundo tenha clareza. Nós precisamos ter consciência de não perdermos o espírito de solidariedade, o espírito humanista. Nós não podemos nos permitir, enquanto jovens, virar algoritmos, agir como se fossem algoritmos.
Nós não podemos perder o senso de humanismo que tem dentro de nós para que a gente possa ajudar as pessoas mais vulneráveis a terem como sobreviver, a terem como trabalhar, a terem como comer, a terem como estudar.
Porque não tem explicação nenhuma, do ponto de vista científico, do ponto de vista econômico.
O mundo produz uma vez e meia os alimentos que o mundo precisa comer. E por que tem 673 milhões de pessoas passando fome no mundo?
É porque não têm dinheiro para comprar. Então, se nós não levarmos em conta que o mundo, o ano passado, investiu, sobretudo os países ricos, 2 trilhões e 700 bilhões de dólares em armas, se a gente investisse 15% disso em comida, a gente acabaria com a fome no mundo.
E eu falo com muito orgulho aos empresários da ASEAN. Quando assumi a presidência do meu país em 2003, o Brasil tinha 54 milhões de pessoas que não tinham o que comer.
Nós conseguimos acabar com a fome, e a ONU reconheceu isso através da FAO em 2014. Eu voltei a governar o Brasil 15 anos depois, e quando eu voltei ao governo nós já tínhamos 33 milhões de pessoas passando fome outra vez.
Em apenas dois anos e meio, nós outra vez tiramos 33 milhões de pessoas da fome, e o Brasil foi reconhecido pela segunda vez como um país que acabou com a fome no seu país.
Em uma demonstração de que é possível acabar com a fome em todos os países do mundo. O que não pode são os governantes enxergarem os pobres como se fossem invisíveis.
É preciso que, na elaboração do orçamento de cada país, a gente coloque o povo pobre dentro do orçamento.
E não é incompatível com o desejo empresarial, porque o empresário precisa ter consciência de que o trabalhador dele tem que ser o seu consumidor.
Portanto, o trabalhador ganhar bem não faz mal ao empresário, faz bem porque ele vai comprar o produto que ele fabricou na fábrica.
E se a gente quiser construir um novo mundo, nós vamos ter que pensar novamente a relação entre os países e a relação entre a humanidade.
É por isso que eu queria terminar a minha fala dizendo que nós não podemos aceitar o fim do multilateralismo. Nós não podemos aceitar a ideia do protecionismo.
Quanto mais liberdade para fazer negócio, e quanto mais multilateralismo, mais a gente vai ter, enquanto países, chances de crescer.
É isso que nós defendemos no Sul Global, e é isso que eu defendo em todas as reuniões que eu participo. Muito obrigado.
( da redação com informações de assessoria. Edição: Poítica Real)