BOLSONARO X MORO: Marco Aurélio, depois de marcar julgamento do caso para semana que vem, divulga voto que atende Bolsonaro com depoimento por escrito
Julgamento será em sessão virtual no dia 2 de outubro, sem debates
( Publicada originalmente às 16h 14 do dia 24/09/2020)
(Brasília-DF, 25/09/2020) O ministro do Supremo Tribunal Federal(STF), Marco Aurélio, divulgou nesta quinta-feia,24, seu voto no caso do Inquérito nº 48 31 instaurando a pedido da Procuradoria da Geral da República(PGR) após a revelação feita pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e ex-juiz Sérgio Moro em que supostamente acusa o presidente Jair Bolsonaro de intervenção política na Polícia Federal. Ele que vem substituindo o relator do caso, Ministro Celso de Mello, decano do STF, defendeu que o presidente deponha por escrito sobre o caso.
O ministro Celso de Mello, relator do caso, mas afastado até a semana que vem por razões médicas, defendia o depoimento presencial na Polícia Federal(PF). Ontem, 23, Marco Aurélio tinha decidido que o julgamento do caso será em “plenário virtual”, porém agendado para o dia 2 de outubro. Com a decisão de plenário virtual os ministros podem apresentar seus votos no sistema do STF, sem precisar falar e debate nos casos.
Marco Aurélio com esse voto de hoje antecipa seu posicionamento que é contrário ao do decano Celso de Mello e atende os interesses tanto da recomendação da PGR como na base da defesa em petição da Advogacia Geral da União. Marco Aurélio está ocupando essa posição de decisão em substituição a Celso de Mello por ser o segundo mais velho no STF.
Marco Aurélio entendeu em seu voto que é pelo histórico de outras decisões do STF que permitiram depoimento por escrito.
“Em um Estado de Direito, é inadmissível o critério de dois pesos e duas medidas, sendo que o meio normativo é legítimo quando observado com impessoalidade absoluta.
A mesma regra processual é possuidora de sentido único, pouco importando o Presidente envolvido.
Provejo o recurso interposto e reconheço a possibilidade de o Presidente da República, seja como testemunha, seja como envolvido em inquérito ou ação penal, manifestar-se por escrito.”, disse
Veja o voto do Ministro Marco Aurélio Mello:
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Atuo, neste processo, em substituição ao Relator, porque em gozo de licença médica – artigo 38 do Regimento Interno.
Todo agravo encerra a possibilidade de retratação. Somente pode retratar-se o autor do ato impugnado.
Cumpre repetir, à exaustão, que os integrantes de colegiado ombreiam na arte de proceder e julgar, conforme formação humanística e técnica possuídas. Completam-se mutuamente. Não são, considerados individualmente, censores. Isso afasta a autofagia, que tanto descrédito gera ao Judiciário. A máxima popular “cada cabeça, uma sentença” fica definitivamente afastada. Daí trazer o agravo ao Colegiado, embora sabedor de encontrar-se sobrecarregado.
Não examinei o ato impugnado. Apenas suspendi, ante diligência marcada para 21, 22 e 23 de setembro – dia a ser escolhido pelo agravante –, o procedimento, visando aguardar o crivo, quanto ao agravo, de quem competente, o Plenário, onde surge o critério democrático da maioria, não prevalecendo qualquer suscetibilidade, o não me toque individual.
Julgador nada disputa. A disputa envolve as partes – no caso, o agravante, o Presidente da República, como envolvido, e o Ministério Público, no que requereu a instauração do inquérito. Com a palavra, então, a douta maioria, cabendo-me, como substituto regimental do Relator, o pontapé inicial, em feliz expressão futebolística. Aguarde-se o resultado do julgamento, a voz da sempre ilustrada maioria.
Círculo é verdade, é honestidade de propósito, é transparência, voltados ao bem da coletividade (EGGERS, Dave. O círculo. São Paulo: Companhia das Letras, 2014). O Supremo, enquanto Supremo, Órgão Maior, tem compromisso com esses valores, atuando de forma vinculada como todo órgão julgador, com a mais absoluta equidistância, não se deixando envolver por paixão, muito menos política ideológica. Eis a razão de ser, a óptica que o torna merecedor da nomenclatura. O compromisso é com dias melhores, e estes dependem do funcionamento regrado das instituições.
O Colegiado está acima dos integrantes, pouco importando antiguidade.
Na visão geral, este inquérito fez-se voltado a objetivo discrepante da finalidade – aplainar campo a certa responsabilidade por denunciação caluniosa. Recuso-me a acreditar nessa premissa. O Ministério Público atua em defesa e proteção da sociedade, tendo a primazia da ação penal pública incondicionada. Assim o vejo. Assim deve parecer. Assim o é.
O Código de Processo Penal data de 3 de outubro de 1941, da Era Vargas. À época, era inimaginável o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Presidentes do Senado Federal, da Câmara e do Supremo envolvidos em inquérito policial ou processo-crime como investigados ou réus.
No Livro I – Do Processo em Geral –, mais precisamente no Título II – Do Inquérito Policial –, e no de nº III – Da Ação Penal –, tem-se regras que não versam prerrogativa de foro das autoridades referidas – Presidente e Vice-Presidente da República, Presidentes do Senado Federal, da Câmara e do Supremo. O instituto está disciplinado na Lei das leis, na Constituição Federal – artigo 102, inciso I, alínea “b”.
Mas o Título VII – Da Prova –, no § 1º do artigo 221, disciplina a forma mediante a qual serão ouvidas como testemunhas:
[…]
§ 1º O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por ofício.
[…]
Autoridades referidas dirigirem-se, em postura constrangedora e arranhão ao cargo, ao Departamento de Polícia Federal, visando ser inquiridas por delegado, ou recebê-lo no recinto do Gabinete para esse fim?
Entre as regras de hermenêutica e aplicação do direito tem-se as relativas às interpretações histórica, sistemática e teleológica.
A testemunha deve revelar a verdade – artigo 203 do Código de Processo Penal –, sob o risco de vir a responder criminalmente – artigo 211. É crime prestar falso testemunho – artigo 342 do Código Penal.
E ao envolvido, quer em inquérito, quer em processo-crime, é garantido constitucionalmente o direito ao silêncio – artigo 5º, inciso LXIII.
O sistema não fecha. Como testemunha, é possível o depoimento, por escrito. Como envolvido não o é. A paixão é traiçoeira e, no campo jurídico, reflete a mentira, sendo merecedora da excomunhão maior, já que processo não tem capa, tem conteúdo.
Indaga-se, sob o ângulo até do bom senso – e direito, instrumental ou substancial, é bom senso: No contexto de 1941, imaginado Presidente ou Vice-Presidente da República, do Senado, da Câmara, do Supremo envolvido em inquérito ou processo-crime, prever-se-ia o comparecimento para audição olho no olho?
A resposta positiva assenta-se em injustiça normativa, em incongruência, em presumir não o ordinário, mas o extraordinário, o extravagante a mais não poder, contrariando-se boas regras de interpretação e aplicação do direito, do contexto processual penal, a revelar um grande todo, imaginado – e o é – harmônico.
Por isso, bem andaram, em data recente, na arte de interpretar, na arte de proceder e decidir processualmente, os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, no que admitiram fosse o antecessor do atual Presidente da República, o presidente Michel Temer – e não por ser professor de Direito, mas por assim prever o Código de Processo Penal –, ouvido, também como investigado – delações de executivos da empresa JBS –, considerado não o privilégio – e dizia Ada Pellegrini Grover que todo privilégio é odioso –, por escrito.
Em um Estado de Direito, é inadmissível o critério de dois pesos e duas medidas, sendo que o meio normativo é legítimo quando observado com impessoalidade absoluta.
A mesma regra processual é possuidora de sentido único, pouco importando o Presidente envolvido.
Provejo o recurso interposto e reconheço a possibilidade de o Presidente da República, seja como testemunha, seja como envolvido em inquérito ou ação penal, manifestar-se por escrito.
( redação com informações de assessoria. Edição: Genésio Araújo Jr)