Como foi o primeiro dia do julgamento da Tentativa de Golpe de Estado
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Com BBC
(Brasília-DF, 02/09/2025) Está terça-feira, 02, o primeiro dia do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus no processo criminal por suposta tentativa de golpe de Estado, Ação Penal 2668 Núcleo 1, ficou marcado pela defesa da soberania nacional feita pelo ministro Alexandre de Moraes e pela fala do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que responsabilizou os acusados pelo plano golpista.
Além disso, a defesa de quatro réus já fizeram suas falas.
O primeiro dia de julgamento foi encerrado antes das 18h. A segunda sessão está prevista para começar às 9h de quarta-feira ,3, e deve ter a esperada fala da defesa de Bolsonaro.
A manhã na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou com a leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo.
"O Brasil chega em 2025 com uma democracia forte, as instituições independentes, economia em crescimento e a sociedade civil atuante", disse ele, antes de iniciar a leitura.
"O Estado Democrático de Direito não significa tranquilidade ou ausência de conflitos", acrescentou o ministro, afirmando que o julgamento de Bolsonaro e outros sete réus é "mais um desdobramento do exercício da Constituição."
Na sequência, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, iniciou a leitura de seu parecer exaltando os instrumentos previstos pela Constituição para defender a democracia.
Ele mencionou o que ele considera como provas - manuscritos, mensagens, gravação de reunião ministerial e discursos públicos - sobre a tentativa de golpe de Estado.
"Não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso", afirmou Gonet.
O ex-presidente Bolsonaro e sete aliados — entre eles ex-ministros e militares de alta patente — serão julgados por crimes que incluem organização criminosa armada, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Após o intervalo para o almoço, o julgamento foi retomado na tarde desta terça com o início do pronunciamento dos advogados de defesa dos réus.
Os primeiros a falar foram os advogados Jair Alves Pereira e Cezar Bitencourt, defensores do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que se tornou delator no processo.
Eles defenderam a validade do acordo de delação, dizendo que Cid não foi coagido a falar. Além disso, argumentaram que não há provas que mostrem que o tenente-coronel participou da tentativa de golpe.
"Ele não participou, não planejou, não mobilizou ninguém", disse Bitencourt.
A segunda defesa a falar foi a do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O advogado Paulo Renato Cintra também defendeu que as provas colhidas não atestam participação de Ramagem no plano de golpe.
Na sequência, o ex-senador Demóstenes Torres, advogado do almirante Almir Garnier, pediu a rescisão de delação de Mauro Cid e disse que o resultado do julgamento, independentemente de qual seja, "não vai permanecer".
"A história vem aí", disse Torres, que teve o mandato de senador cassado em 2012 por supostamente ter intercedido em favor do empresário Carlinhos Cachoeira, investigado por suas ligações com jogos de azar.
A quarta e última defesa do dia foi a de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.
O advogado Eumar Roberto Novacki tentou provar com um e-mail da companhia aérea Gol que seu cliente - então secretário de Segurança do Distrito Federal - estava nos EUA durante o 8 de janeiro por conta de uma viagem planejada com meses de antecedência.
"Infelizmente, a PF e o MP não estavam interessados na verdade", disse Novacki.
Todos os julgados no STF a partir desta terça fazem parte do chamado "núcleo crucial" da suposta organização criminosa que, segundo a acusação, teria tentado subverter o resultado das eleições de 2022, vencidas pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Todos negam as acusações.
Bolsonaro não compareceu ao primeiro dia de julgamento por "motivo de saúde", segundo informou seu advogado, Celso Vilardi, à BBC News Brasil.
Veja abaixo o resumo com os principais eventos do dia:
Moraes: Supremo não vai aceitar 'coação de Estado estrangeiro'
Em sua fala inicial, Alexandre de Moraes, relator do caso, afirmou que o STF não aceitará "coação de um Estado estrangeiro" ou tentativa de obstrução do processo, no que pareceu ser uma referência aos Estados Unidos.
"Lamentavelmente, no curso dessa ação penal, se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa, que de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira, com a finalidade de tentar coagir o poder judiciário e em especial esse STF, e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro estado estrangeiro", disse o ministro.
"Essa coação, essa tentativa de obstrução, elas não afetaram a imparcialidade e a independência dos juízes desse STF, que darão, como estamos dando hoje presidente, a normal sequência no devido processo legal, que é acompanhado por toda a sociedade e toda a imprensa brasileiras."
Nos últimos meses, o governo de Donald Trump tem se manifestado em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A Casa Branca também anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre produtos importados pelos EUA do Brasil, a alíquota mais alta entre os países sobretaxados.
A medida foi comunicada ao governo por meio de uma carta assinada por Trump e endereçada ao presidente Lula. Na mensagem, o republicano afirma que o "julgamento não deveria estar ocorrendo" e que é uma "caça às bruxas" contra Bolsonaro.
Alexandre de Moares também entrou na mira do governo americano e foi alvo de sanções com base na Lei Magnitsky, uma das mais severas punições disponíveis para Washington contra estrangeiros considerados autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
Durante o julgamento desta terça, Moraes também afirmou que "a soberania nacional jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida".
"A soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida, pois é um dos fundamentos da república federativa do Brasil", disse.
"O STF sempre será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional e em seu compromisso com a democracia, os direitos fundamentais, o Estado de Direito, a independência do Poder Judiciário nacional e os princípios constitucionais brasileiros."
O ministro defendeu ainda que a "pacificação" do país passa pelo respeito à Constituição
Paulo Gonet defende punição a tentativas de golpe
Após a finalização da leitura do relatório por Moraes, o procurador-Geral da República, Paulo Gonet, iniciou a leitura de seu parecer exaltando os instrumentos previstos pela Constituição para defender a democracia.
"Nenhuma democracia se sustenta se não contar com efetivos meios para se contrapor a atos orientados à sua decomposição belicosa, ultrajante dos meios dispostos pela ortodoxia constitucional para dirigir o seu exercício e para gerir a transição do poder político", disse.
A ordem disposta na Constituição dispõem de meios institucionais para talhar investidas contra ela própria e o seu espeito. O controle de constitucionalidade é uma dessas formas, suficiente tantas vezes para remediar desvios jurídicos da estrutura da ordem."
Gonet afirmou que "não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que quando o Presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de estado, o processo criminoso já está em curso."
Ele também defendeu a punição de tentativas de golpe de Estado. Segundo ele, haveria diversas formas de golpe de Estado. "A história registra profusão de ensaios desta espécie. Os golpes podem vir de fora das estruturas de poder como poder ser engendrados pela perversão dela própria [ordem democrática]", disse o procurador.
O procurador afirmou que não punir esse tipo de crime, no Brasil ou no exterior, "recrudesce ímpetos de autoritarismo e põe em risco um modelo de vida civilizado".
Ele disse ainda que chegado o julgamento, "permanecem inabaladas as considerações e conclusões das alegações finais" da PGR.
Advogados dos réus falam
Após falas de Moraes e Gonet, foi a vez das defesas iniciarem suas falas no STF.
Durante a tarde, o primeiro a falar foi o advogado Jair Alves Pereira, defensor do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que se tornou delator no processo.
Pereira usou seu tempo para defender o acordo de delação do seu cliente.
Ele defendeu que Cid não foi coagido a falar. Este é um dos argumentos das defesas de outros réus para que a delação seja desconsiderada, após o vazamento de um áudio de Cid publicado na revista Veja.
Pereira disse que houve total respeito ao devido processo legal e afirmou que "não seria justo "que após tantas colaborações de Cid, o Estado decidisse mudar os termos do acordo de delação e decretasse uma pena maior ao seu cliente.
Outro defensor de Cid, o advogado Cezar Bitencourt falou na sequência argumentando que não há provas que mostrem que o tenente-coronel participou da tentativa de golpe.
Bitencourt arrancou risadas ao começar sua fala chamando o ministro Luiz Fux de "atraente".
"Ministro Luiz Fux: sempre saudoso, sempre presente, sempre amoroso, sempre simpático, sempre atraente como são os cariocas. É uma honra muito grande, uma satisfação imensa", disse Bitencourt.
Sobre seu cliente, Bitencourt disse que há "ausência de fatos concretos" para condenar Cid.
"O que há nos autos é que Mauro Cid jamais compartilhou e citou qualquer conteúdo golpista, não há sequer uma única mensagem de sua autoria propondo qualquer atentado contra a democracia", disse.
"O que temos aqui é presença física e função institucional. Só isso. Mas isso não é crime nem aqui nem na China."
Defesa de Alexandre Ramagem
O segundo réu a ter sua defesa apresentada foi Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e atual deputado federal pelo PL-RJ.
De acordo com a PGR, Ramagem teria usado a estrutura da Abin em favor dos planos golpista
O advogado Paulo Renato Cintra disse que seu cliente não estava mais no governo quando o suposto núcleo crucial da trama golpista teria atuado
Ele ressaltou que, segundo a denúncia da PGR, a organização criminosa "se perpetuou até o 8 de janeiro" - ou seja, após seu cliente assumir o mandato de deputado.
Ao longo de sua fala, Cintra também questionou o uso de anotações feitas por Ramagem como prova no processo. De acordo com o advogado, os arquivos encontrados pela PF, que continham argumentos contra o sistema eleitoral, eram apenas anotações, algo como uma "diário" do réu.
A defesa disse ainda que "não há elementos nos autos" que demonstrem que esses documentos foram entregues a Bolsonaro.
Cintra afirmou ainda que houve, nas alegações finais do MPF, um equívoco muito grave em relação a Ramagem – segundo ele, causado pela falta de tempo para uma análise mais aprofundada.
O erro, diz, teria relação com o uso do software israelense de monitoramento First Mile na gestão Ramagem.
Segundo Cintra, um registro de acesso ao software teria sido confundido com outro registro, de acesso às dependências físicas da Abin em Brasília, citado pela PF em seu relatório.
O advogado também pediu para que o STF deixe de fora do julgamento o inquérito que investiga o uso do software "em atenção ao contraditório, ao devido processo legal e à defesa pugna".
Defesa de Almir Garnier
O advogado Demóstenes Torres, ex-senador da República, foi o responsável pela defesa do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha.
Garnier foi o único comandante das Forças Armadas a concordar com o plano golpista, segundo a acusação da PGR.
Demóstenes Torres usou quase 20 minutos para apresentar sua trajetória e cumprimentar os ministros.
"É possível gostar do ministro Alexandre de Moraes, e, ao mesmo tempo, do Bolsonaro? Sim. Sou eu", disse ele.
Torres teve seu mandato cassado em 2012 devido a investigações relacionadas ao empresário Carlinhos Cachoeira, acusado de ter ligações com o jogo do bicho.
Já sobre Garnier, Torres pediu a rescisão da delação de Mauro Cid, e não a anulação da mesma.
Segundo ele, isso implicaria em apontar quais provas seriam "independentes", ou seja, não teriam sido apontadas pela delação de Mauro Cid, para que permanecessem no processo. Ele pediu também que o processo tenha uma "individualização", tendo que se deixar claro que cada réu fez.
Sem apresentar provas ou qualquer argumento, Demóstenes Torres, advogado do almirante Garnier, diz que o resultado do julgamento, independente de qual seja, "não vai permanecer. A história vem aí".
Defesa de Anderson Torres
Em sua sustentação, o advogado Eumar Roberto Novacki, defensor de Anderson Torres, argumenta que a acusação contra seu cliente é "ponto fora da curva."
"Infelizmente, a PF e o MP não estavam interessados na verdade", disse Novacki.
O advogado aponta duas supostas falhas na acusação da PGR a respeito de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça do governo Bolsonaro e era secretário de Segurança do Distrito Federal quando houve a invasão da sede dos Três Poderes, em Brasília. No dia 8 de janeiro, Torres estava nos EUA.
Segundo Novacki, um email da companhia aérea Gol provaria que a passagem foi emitida em novembro de 2022, portanto num período em que não haveria nenhuma menção aos ataques do 8 de janeiro.
O advogado também leu uma declaração do governador do DF, Ibaneis Rocha, que disse ter conhecimento da viagem de Torres aos EUA - o MP argumenta que Torres viajou sem o conhecimento do governador.
O representante da PGR pediu a palavra e disse que um comunicado enviado pela Gol não confirmou a reserva do bilhete de Anderson Torres.
O próprio Novacki admitiu que "não conferiu a veracidade" do comunicado da Gol à PGR.
Segundo a PF, foi encontrada na casa de Torres uma minuta que sugeria a decretação de estado de Defesa para intervenção após a derrota de Bolsonaro nas eleições. A defesa sempre argumentou que a "minuta do golpe" era um documento sem importância e que Torres desconhecia a origem dele.
As alegações das defesas que ainda não falaram no julgamento
As defesas do general Augusto Heleno, do ex-presidente Jair Bolsonaro, do general Paulo Sergio Nogueira e do general Walter Braga Netto falarão nesta quarta-feira.
Antes mesmo da data oficial do julgamento ter sido definida, todos os réus entregaram ao STF suas alegações finais.
A equipe de advogados de Jair Bolsonaro, liderada pelos criminalistas Celso Vilardi, Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser, chamou em sua defesa a acusação feita pela PGR de "absurda" e "golpe imaginado".
Os defensores insistiram na falta de provas que pudessem colocar o ex-presidente inequivocamente no centro da trama golpista e pediram a anulação da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, classificando-o como um "delator sem credibilidade".
Argumentos semelhantes foram usados nas alegações finais dos demais réus. Os advogados do general da reserva do Exército Walter Braga Netto, por exemplo, também atacaram a delação de Cid, afirmando que o ex-ajudante de ordens foi "obrigado a mentir".
O general da reserva do Exército Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), afirmou em suas alegações finais que há falta de provas sobre o seu envolvimento, afirmando ainda ser "leviana" qualquer associação com a organização dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
Os advogados do general Paulo Sergio Nogueira, que também foi ministro da Defesa de Bolsonaro, pediram a absolvição do seu cliente e afirmaram que o militar, na verdade, atuou "ativamente" contra o golpe de Estado e era contrário a adoção de qualquer medida de exceção.
(da redação com informações da BBC. Edição: Política Real)