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Duas ONGs de Israel afirmaram que seu país estaria cometendo um genocídio contra palestinos em Gaza; organizações são consideradas minoritárias em Israel

O documento do PHRI acusa Israel de cometer três dos atos de genocídio definidos pelo direito internacional, incluindo "infligir deliberadamente condições de vida de forma calculada para provocar sua destruição física, total ou parcial"

Por Política Real com agências
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Card de texto que foi publicado no tradizional Haeretz Foto: Imagem X

Com agências.

(Brasília-DF,28/07/2025). Nesta segunda-feira, 28, duas organizações israelenses de direitos humanos afirmaram que seu país estaria cometendo um genocídio contra palestinos em Gaza, essa primeira vez que entidades do tipo em Israel fazem tal acusação em quase 22 meses de guerra.

As conclusões da B'Tselem e da Médicos pelos Direitos Humanos (PHRI, na sigla em inglês) compõem um controverso debate sobre se a ofensiva militar de Israel em Gaza – lançada em resposta ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023 – configura ou não genocídio.

As duas organizações, em documentos separados lançados em conjunto, disseram que as políticas de Israel em Gaza, as declarações de militares sobre seus objetivos na região, a fome generalizada, o deslocamento forçado da população e o desmantelamento sistemático do sistema de saúde do território palestino contribuíram para essa conclusão.

"Nada te prepara para a constatação de que você faz parte de uma sociedade que está cometendo genocídio. Este é um momento profundamente doloroso para nós", disse Yuli Novak, diretora executiva do B'Tselem em uma coletiva de imprensa sobre os relatórios.

"Fome não é ato legítimo de guerra"

A ofensiva israelense deixou grande parte da Faixa de Gaza em ruínas e, segundo o Ministério da Saúde do território controlado pelo Hamas, matou até agora pelo menos 59.921 pessoas, a maioria civis.

"Estamos presenciando massacres que todos pensávamos que não aconteceriam. Mortes diretas. Matar milhares ou centenas de pessoas não é dano colateral. Isso acontece repetidamente durante meses. Deixar milhões de pessoas famintas não é um ato legítimo em uma guerra", disse Novak.

Para ela, os ataques militares são coordenados com o objetivo de destruir um povo, pois representam uma mudança na política de "repressão e controle" para "destruição e aniquilação".

Essa visão é compartilhada por Guy Shalev, descendente de sobreviventes do Holocausto e diretor da PHRI. A entidade fez uma análise médico-jurídica para justificar seu posicionamento, destacando o que chamou de desmantelamento dos sistemas que sustentam a vida em Gaza, como fornecimento de eletricidade, água potável e acesso a alimentos.

O documento do PHRI acusa Israel de cometer três dos atos de genocídio definidos pelo direito internacional, incluindo "infligir deliberadamente condições de vida de forma calculada para provocar sua destruição física, total ou parcial".

Destruição sistemática dos serviços de saúde

A ONG também aponta que a destruição sistemática da infraestrutura de saúde em Gaza seria indicativo de genocídio, pois gera um efeito cascata que colapsa as estruturas ainda capazes salvar civis feridos.

Shalev documentou ataques a 27 hospitais no território. Até o momento, mais de 1,5 mil médicos e profissionais de saúde foram mortos.

Os militares israelenses frequentemente afirmam que hospitais abrigam centros de comando do Hamas. Para Shalev, essa justificativa não se confirma.

"Se Israel tivesse encontrado evidências do uso desses hospitais pelo Hamas, teríamos visto. Eles gostariam que víssemos, mas não vimos. O resultado é que mais de dois milhões de pessoas não têm mais acesso à saúde. Isso é completamente desproporcional e parte do que chamamos de genocídio", afirmou.

Termo é rejeitado internamente

Embora sejam respeitadas internacionalmente, a B'Tselem e a PHRI são vistas dentro de Israel como pertencentes a uma ala política minoritária, e suas opiniões não representam a grande maioria da população, segundo a agência de notícias Associated Press.

Ainda assim, a acusação de genocídio vinda de vozes israelenses toca em um tabu na sociedade. O termo "genocídio" tem um peso especial em Israel devido às profundas memórias do genocídio nazista contra os judeus europeus. Mesmo os críticos mais ferrenhos do governo israelense, em geral, evitam fazer tal acusação.

O escrutínio mais amplo sobre a conduta de Israel em Gaza também tem sido limitado internamente por outros motivos. Apesar da destruição e do número de mortos no território, e mesmo diante do crescente isolamento internacional do país, a maioria dos israelenses ainda acredita na legitimidade da guerra.

A Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, de 1948, foi criada justamente após a Segunda Guerra Mundial e o assassinato de 6 milhões de judeus pela Alemanha nazista. Ela define genocídio como atos "cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

Para Shalev, isso faz com que o público israelense tome acusações de genocídio como sendo antissemitas ou enviesadas contra Israel. "Como neto de um sobrevivente do Holocausto, é muito doloroso para mim chegar a essa conclusão", disse ele. "Talvez organizações de direitos humanos sediadas em Israel chegarem a essa conclusão seja uma forma de enfrentar essa acusação e levar as pessoas a reconhecerem a realidade", afirmou.

Acusação ecoa organizações civis internacionais

Algumas organizações internacionais de direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, já acusaram que haveria um genocídio em Gaza.

Em uma decisão provisória no início de 2024, em um processo movido pela África do Sul, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) considerou "plausível" que a ofensiva israelense tenha violado a Convenção da ONU para a Prevenção do Genocídio.

Na última semana, o ministério das Relações Exteriores do Brasil disse que o país vai aderir à ação da África do Sul no CIJ. A pasta cita, como justificativa, o cotidiano "massacre de civis" durante a entrega de ajuda humanitária em Gaza e a "utilização despudorada da fome como arma de guerra". O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também já classificou o caso como genocídio em mais de uma ocasião.

Kai Ambos, professor de direito internacional da Universidade de Göttingen, leu os relatórios e afirmou ao portal alemão Tagesschau que há diversas evidências de ataques contra os palestinos como um grupo e da destruição de seus meios de subsistência, mas apontou limitações sobre a acusação de crime de genocídio.

"A grande questão é se há também uma intenção de destruir nos termos do conceito da Convenção sobre Genocídio, isto é, a intenção de destruir um grupo específico. Isso teria que ser provado contra o Estado de Israel ou representantes desse Estado. Há vários pré-requisitos para isso, que na minha opinião não foram explicitamente examinados nos relatórios", afirmou.

Em um artigo publicado no jornal Jerusalem Post no domingo, Dani Dayan, presidente do memorial do Holocausto Yad Vashem, disse que não era correto acusar Israel de cometer genocídio.

"Mas isso não significa que não devemos reconhecer o sofrimento dos civis em Gaza. Há muitos homens, mulheres e crianças sem qualquer ligação com o terrorismo que estão enfrentando devastação, deslocamento e perda", escreveu. "A angústia deles é real, e nossa tradição moral nos obriga a não ignorar isso."

Israel rejeita as acusações

Israel afirma que está travando uma guerra existencial, que respeita o direito internacional e que as acusações de genocídio são antissemitas.

"Não há intenção, (que é) fundamental para a acusação de genocídio... Simplesmente não faz sentido um país enviar 1,9 milhões de toneladas de ajuda, a maior parte das quais de alimentos, se houvesse intenção de genocídio", afirmou o porta-voz do governo, David Mencer.

O país contesta as acusações na CIJ e refuta as acusações no âmbito do Tribunal Penal Internacional de que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant cometeram crimes de guerra em Gaza. Ambos são alvos de mandados internacionais de prisão.

Um porta-voz do governo, David Mencer, rejeitou os relatórios das organizações. "Temos liberdade de expressão aqui em Israel, mas rejeitamos veementemente essa acusação", disse. "Nossas Forças de Defesa têm como alvo os terroristas, nunca os civis. O Hama

(da redação com DW e AFP. Edição: Política Real)