Nem Exército, nem Marinha ou Aeronáutica. É a PM
As forças de segurança têm um grau de politização partidária que contaminou as tropas estaduais
Texto de Gilmar Corrêa
Os acontecimentos de sábado, no Recife, são mais um ato de um constante amadurecimento da rebeldia militar. Ao atirar contra manifestantes e praticamente cegar dois deles (dizem que nem estavam no protesto contra Jair Bolsonaro), a Polícia Militar de Pernambuco mostra como as polícias estão politizadas.
Há anos que greves pontuais de militares são realizadas sob a bandeira de melhores salários. É provável que a primeira manifestação política recente das tropas aconteceu em 1997, em Minas Gerais. Foi o maior movimento grevista, incluindo a morte de um soldado.
Depois aconteceram outros aquartelamentos, como no Espírito Santo, onde posteriormente 703 soldados, graduados e oficiais foram anistiados pelo motim. No Ceará, um senador foi baleado no peito após tentar passar por uma barreira de amotinados.
Na Bahia, um soldado levou um fuzil para a praia e ameaçou populares e os próprios colegas. Foi morto após atirar contra a tropa de choque. Bolsonaristas aproveitaram para turbinar o episódio semeando ingredientes políticos da extrema direita. O mesmo discurso que povoa a caserna dos efetivos estaduais e, certamente, federais.
Há algum tempo, analistas observam que os governadores não têm mais o comando sobre as tropas estaduais. A lenta e gradual falta de autoridade sobre batalhões de cerca de 416 mil policiais militares, ocorre com a política partidária. Nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional, há dezenas de policiais eleitos. A democracia permite, mas o resultado a longo prazo vai cobrar o preço.
O presidente Jair Bolsonaro tem feito um trabalho de aproximação com as tropas estaduais. Suas ideias estão impregnadas na farda.
Na segunda-feira (31), policiais militares prenderam um professor que se recusou a retirar um adesivo no carro dele contra Bolsonaro. Estaria infringindo a Lei de Segurança Nacional, a mesma que o Supremo Tribunal Federal usou para enquadrar críticos da Corte num inquérito contaminado pela inconstitucionalidade.
No Distrito Federal, é possível perceber a diferença no tratamento da tropa nas manifestações bolsonaristas e da oposição. Nos protestos bolsonaristas, até os caminhões puderam estacionar ao longo da Esplanada dos Ministérios. Na manifestação do último sábado, um cordão de policiais e grades metálicas impediram a aproximação do público do Congresso Nacional.
A Polícia Militar, desde a sua criação, sempre foi uma força auxiliar das Forças Armadas. Entretanto, nem por isso deixou de ocorrer insurreições. A mais famosa foi a de 1924, com a adesão maciça da Força Pública de São Paulo, que manteve sob o controle da capital paulista por um mês. Seguiu-se depois revoltas no Mato Grosso e Sergipe.
A historiadora Isabel Aragão, na sua pesquisa “Revoltas na caserna e a criação da polícia política no Brasil”, conta que o ano de 1924, inaugurava, então, um período de incontáveis prisões de militares revoltosos, não apenas na capital federal, mas de todas as partes do Brasil, revelando a face cruel de um estado de exceção implementado no país, repleto de perseguições, prisões ilegais, torturas e arbitrariedades no sistema jurídico-político.
A Polícia Militar de hoje está bem mais aparelhada. Tem sistemas de vigilância e controle complexos, possuem sistemas de grampos e conhecem melhor o sistema de segurança. Há tropas específicas para emprego em situações de emergência e, em boa parte dos casos, o pessoal é mais especializado que os membros do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica.
A Força Nacional, integrada por integrantes de várias polícias, é outra força preparada. Hoje, é comandada por um coronel ligado a Bolsonaro, e casado com uma deputada federal de primeira linha do bolsonarismo.
Não é o caso de se afirmar que estamos chocando o ovo da serpente, mas é certo que a politização das forças públicas é superior às Forças Armadas. Não há dúvidas disso. E talvez quando abrirmos os olhos, seja tarde demais para a nossa democracia ainda em construção, mas sempre desafiada.