31 de julho de 2025
Nordeste e Poder

ESPECIAL DE FIM DE SEMANA - “As bancadas no Congresso são de frentes ligadas a grandes empresas”, diz João Daniel, propondo plebiscito exclusivo para reforma política

Parlamentar discorre sobre a crise ética no País, os interesses das dos grupos no Congresso, a crise hídrica no Nordeste e o PT sergipano

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(Brasília-DF, 30/05/2015) Um ex-sem-terra que hoje tem assento no Parlamento brasileiro. Assim poderia ser resumir a trajetória do deputado federal João Daniel (PT-SE). Mas, a história de vida desse filho de pequenos agricultores, passa por lutas populares, valorização da terra, defesa dos direitos dos povos do campo e lutas pela garantia e ampliação das conquistas dos trabalhadores brasileiros.

No auge das discussões que o País faz sobre a reforma politica, ética, moralização das instituições, interesses dos grupos empresariais, o parlamentar dispara: “As bancadas eleitas no Senado e na Câmara são de frentes ligadas a grandes empresas na área da agricultura, construção civil e mineração”.

Avalia que existe um sistema “que por natureza se consolidou como um sistema de privilégio e uso de esquemas financeiros que levam à questão da corrupção”. Critica a reforma política em discussão – “o que está sendo feita vai apenas passar uma impressão para a sociedade de que houve uma reforma política”. E propõe um plebiscito exclusivo para tratar da questão – “com isso traríamos para cá, Congresso Nacional, uma verdadeira representação da sociedade brasileira”.

É desse e de outros temas – como o impacto do ajuste fiscal no campo, a crise hídrica no País, a Lei da Irrigação e o PT sergipano – que esse catarinense, que está há 20 anos em Sergipe (por onde foi eleito em 2014, com 52.959 votos) discorre nesta entrevista concedida ao jornalista Gil Maranhão, da Agência de Notícias Política Real.

Política Real:  Deputado, o Congresso esteve envolvido com as medidas do ajuste fiscal. Qual impacto do ajuste fiscal nas políticas para o campo? Nos anos do primeiro governo Dilma, as relações do setor com o Governo não foram boas. Como ficará sob este novo status?

JOÃO DANIEL – O governo federal tem colocado nas suas  entrevistas de que não haverá prejuízos nas áreas sociais. Já tivemos uma reunião com o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) temos conhecimento do contingenciamento, que foi um volume de recursos grande. Nós fazemos parte de um bloco de deputados federais que defende uma política firme para reforma agrária, que é o assentamento de todas as famílias acampadas no Brasil. É a elaboração de um novo Plano Nacional de Reforma Agrária, infraestrutura para os assentamentos. Defendemos a possibilidade do governo federal criar um PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para a agricultura familiar e reforma agrária. Estamos preocupados com os cortes e ajustes.

Mas lutaremos aqui, no Congresso, para que a presidente Dilma não retire e amplie os recursos para a questão do campo, especialmente quando se trata dos milhões de pequenos agricultores, posseiros, quilombolas, indígenas, assentados e sem-terra.

A Câmara está discutindo a questão da transposição do rio São Francisco, que interessa muito para o Nordeste. Com a conclusão das obras prevista para 2016 e o novo papel que a Codevasf terá existe uma tendência de formação de clusters (grupo que desenvolvem atividades semelhantes) agroeconômicos?  Como a agricultura familiar se prepara para este novo cenário?

JOÃO DANIEL – Esperamos que esta obra, que está em pleno andamento, seja concluída. Estamos numa articulação, por exemplo, de um projeto que envolve Sergipe e Bahia que o Canal Xingó. Acreditamos que estas obras possam ajudar na questão do abastecimento de água humana; a criar novos perímetros irrigados da agricultura familiar; na produção de alimentos, sem agrotóxicos, na área da agroecologia, da produção orgânica para o Nordeste, o Brasil e até exportação. E que se valorize as pequenas propriedades, os camponeses.

Acho que esse projeto da transposição vai trazer um novo momento para o Nordeste do Brasil, na produção, no desenvolvimento econômico e social. Nós estamos preocupados e trabalhando a questão da revitalização de todos os rios, em especial o São Francisco, que tem uma história muito importante para o Brasil, uns dos grandes patrimônio do País que deve ser cuidado pela  população ribeira, pelos estados e pelo governo. E nós parlamentares da região queremos contribuir neste grande projeto de cuidar do rio.

Política Real:  Existe uma discussão patrocinada pelo Ministério da Agricultura, comandando pelo PMDB – que é o grande protagonista do novo poder no Parlamento - para a Lei de Irrigação.  Como os movimentos sociais do campo estão tratando o assunto?

JOÃO DANIEL – Nós temos ouvido da presidente Dilma uma determinação de ela vai dar uma prioridade para a irrigação para a agricultura familiar e nós estamos com todos os movimentos sociais ligados aos sindicatos, MST, MDA lutando para que seja garantida essa questão, com um compromisso que seja da irrigação para a agricultura familiar, que é quem produz alimento, gera emprego, defende o meio ambiente.

Mesmo que o nosso partido tenha saído de espaços importantes, como a Codevasf e o Banco do Nordeste, nós esperamos que a política central do governo da presidenta Dilma continue como foi idealizada, que é a garantia de todos esses investimentos beneficiar a população mais pobre.

Política Real : A crise hídrica hoje não é só uma preocupação do Nordeste, mas nacional. O que o governo pode fazer de imediato para conter essa situação na região, que enfrenta seu 4º ano consecutivo de seca, e no Brasil como um todo?

JOÃO DANIEL – A questão dos recursos hídricos no Brasil, a nossa grande preocupação, é termos um modelo de agricultura que tem destruído grande parte das nossas riquezas, nossos biomas, da mata atlântica, caatinga e cerrado por conta da monocultura: monocultura da pecuária extensiva, a monocultura da soja, da cana e do milho, em certas regiões. Nós precisamos debater que a crise hídrica no Brasil tem muito a ver com a questão da total destruição, desmatamento e os grandes projetos na área do agronegócio, que usam pulverização aérea de agrotóxicos, destruíram mananciais, nascentes.

A questão dos recursos hídricos não é só investimento do governo federal. É a matriz de produção, agropecuária brasileira, que garanta e preserve as matas, as nascentes e rios. E temos que aproveitar todas as iniciativas populares que guardam água. A região Nordeste, por exemplo, criou uma política, que nasceu da população, que foram as cisternas, as barragens subterrâneas, cisternas calçadão. Uma parte de Sergipe, por exemplo, que está na região do semiárido, chegou a ter em três dias 450 milímetros de chuva. Então nosso problema é ver forma de guardarmos essa água. E como fazer isso: através de grandes e médias barragens, cisternas. Enfim, precisamos aproveitar essa riqueza. Logo a questão dos recursos hídricos deve estar pensada num modelo de desenvolvimento para o nosso País, que respeito o meio ambiente que nós não enxergue a questão da terra apenas como negócio, como lugar de fazer dinheiro, mas como lugar de produzir, viver e preservar a vida, seja ela humana ou animal.

Política Real:  E a crise ética? O senhor acha que o Brasil vive uma crise ética?

JOÃO DANIEL –  A história do nosso País e da Humanidade. Hoje existe toda uma denúncia de corrupção dentro do Estado. E essa questão nós precisamos discutir que ela faz parte da história do sistema capitalista, que por si é monopolizador, concentrador – concentrado nas grandes empresas privadas, nos grandes monopólios. Olhe as bancadas eleitas no Senado e na Câmara. São grandes bancadas de frentes ligadas a grandes empresas na área da agricultura, construção civil, mineração. Então você tem um sistema que por natureza se consolidou como um sistema de privilégio e uso de esquemas financeiros que levam à questão da corrupção.

Acho que vivemos um momento em que há um grane debate na sociedade brasileira e acho que a solução para tudo isso são as grandes reformas que o Brasil precisa, entre elas, para o iniciarmos o fim ou combate da corrupção, seria a reforma política. Não esta que nós estamos fazendo aqui, na Câmara...

Política Real: ... a reforma política que está sendo aprovada, é a que a sociedade brasileira deseja de fato? Como deveria ser então? O que o senhor propõe?

JOÃO DANIEL – Não. Esta reforma que está sendo feita vai apenas passar uma impressão para a sociedade de que houve uma reforma política. Aqui estás e votando pequenas coisas de interesse de grupos empresariais econômicos, dos representantes que aqui dentro estão em grande parte.

Você pode olhar que os partidos de esquerda e centro-esquerda, como PT, Psol, PDT, PSB, PCdoB, uma boa parte desses partidos, não consegue aprovar o fim do financiamento empresarial, medidas que fortaleçam os partidos políticos  e a participação popular. A nossa grande esperança é que haja esperança é que haja uma consciência e grande mobilização da sociedade brasileira baseada em iniciativas populares, entre elas, a mais importante, um plebiscito exclusivo onde todos os candidatos eleitos fariam apenas a reforma politica e não poderiam ser candidatos para os próximos 10 anos e com isso traríamos para cá, Congresso Nacional, uma verdadeira representação da sociedade brasileira.

A nova eleição, baseada numa reforma política feita pela sociedade, nós teríamos um novo momento no Brasil. Definir não só a questão do Legislativo, mas o Executivo, o Judiciário, os órgãos de controle como os Tribunais de Contas. Debater o papel, mandato, as escolhas. Tudo isso poderíamos fazer a partir de uma verdadeira reforma política, que mais que a questão eleitoral, seja uma grande reforma do Estado brasileiro.

Política Real :  Deputado, o PT tinha uma grande liderança nordestina e moderna na figura de Marcelo Déda. Qual o futuro do PT no Sergipe para os próximos anos, com essa parceria com o PMDB?

JOÃO DANIEL - Em Sergipe nós estamos vivendo um momento que vamos para o terceiro mandato de um governo popular.

Marcelo Déda foi a grande liderança da última geração do PT, uma liderança nacional, prefeito 2 vezes da capital e governador 2 vezes, todos eleitos no primeiro turno. Nós temos hoje um governo que é apoiado pelo PT que é homem histórico nos movimentos progressistas de esquerda do Brasil, que é Jackson Barreto. Ele tem dito que está encerrando sua carreira de vida pública por conta de sua história, de idade, e todos e tantos cargos que já assumiu, como vereador, prefeito, deputado estadual e federal e governador.

Então nós vivemos um momento que é perca de uma grande liderança que foi e de certa maneira tinha a hegemonia, uma figura que tinha o apoio de todas forças políticas internas do PT. Esse é um novo momento que nós estamos trabalhando para que o estado de Sergipe, após Marcelo Déda e Jackson Barreto se fastar, continue tendo novas lideranças. Temos grandes nomes no PT, entre eles o ex-deputado federal, Rogério Carvalho, com o qual perdemos a eleição para o Senado e foi quase um empate técnico.

O PT em Sergipe continua fortalecido fazendo um grande debate candidatura a prefeito, incluindo a nossa capital, mas junto com o bloco que construímos há 12 anos, nos governos Lula-Dilma e Marcelo-Barreto, e assim darmos continuidade a um projeto que se avance. Sergipe hoje é o estado que tem a melhor distribuição de terras do Brasil, um dos melhores IDH e uma boa distribuição de riqueza, além de uma população que cresce e que se consolida como estado importante de participação popular.

 

====== DE SANTA CATARINA PARA SERGIPE

 

Aos 17 anos, João Daniel iniciou a militância política na Pastoral da Juventude e nas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica. Saiu do interior de Santa Catarina para integrar o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), com a tarefa de fundar o Movimento naquele Estado. Depois, seguiu organizando o MST em outras regiões do país até chegar ao Nordeste. Em Sergipe, fincou raiz e está há 20 anos.

Participou das articulações iniciais do MST, junto com lideranças da Diocese de Própria; do Pólo Sindical; do Comitê de Apoio a Luta pela Terra; da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do PT e da OAB. Nessa trajetória, ele vivenciou despejos violentos, sofreu ameaças, foi preso, torturado. Manteve-se firme, organizando o povo, seguindo a caminhada.

Sob sua liderança o MST consolidou-se como um Movimento de referência nacional, e hoje é, proporcionalmente, o Estado com o maior número de famílias sem-terra mobilizadas em acampamentos e assentamentos. À essa luta somam-se as experiências de outros movimentos sociais urbanos e rurais, de moradia, juventude, cooperativas e sindicatos

Em 2010, atendendo ao seu partido e aos movimentos sociais, João Daniel candidatou-se pela 1ª vez e foi eleito deputado estadual com 29.936 votos. Na Assembleia Legislativa de Sergipe exerceu um dos mandatos mais participativos da história, com ações voltadas para as principais necessidades do povo, visando a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e toda população. Em 2014, foi eleito à Câmara Federal com 52.959 votos.

(Por Gil Maranhão, Especial para Agência Política Real, e edição de Genésio Jr.)