ESPECIAL DE FIM DE SEMANA: Jornalista diz: Nordeste não pode ser esquecido
Matheus Pichonelli escreve, em seu blog, sobre o papel que Eduardo Campos exerceria para inserir a região no desenvolvimento do país e que a região foi a que mais cresceu nos últimos anos
(Brasília-DF, 15/08/2015) A morte do ex-governador de Pernambuco e candidato à Presidência da República Eduardo Campos (PSB) produz amarga sensação extra para milhares de nordestinos. A de que a esperança de haver de modernidade para a região seja sepultada neste domingo, 16, em Recife, junto com os restos mortais do ilustre político.
Um texto do jornalista Matheus Pichonelli a respeito do assunto reproduz a visão moderna para tratar do desenvolvimento de uma região que não pode ter mais ciclo de abandono por parte de quem governará o país a partir de 2015. Confira:
“O Nordeste não pode voltar ao esquecimento, pedia Eduardo Campos
“No fim de 2011, acompanhei um ciclo de palestras, organizado pela revista Carta Capital, em Salvador, com o tema ‘O Nordeste do Século XXI’. Entre os palestrantes estava o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, morto na última quarta-feira, 13 de agosto, em um acidente aéreo.
“O debate estava na ordem do dia. O Nordeste, havia anos, era a região que mais crescia no país. O otimismo era visível no discurso das autoridades presentes, como os governadores Jaques Wagner, da Bahia, e Cid Gomes, do Ceará.
“Em certo momento, porém, entre um sorriso característico e outro, Eduardo Campos fez um alerta: é preciso cuidado para que o atual ciclo de desenvolvimento do Nordeste não seja somente mais entre tantos já vividos pela região e que foram insuficientes para extinguir as disparidades econômicas e sociais locais.
Avanços notórios
“Segundo o pernambucano, embora os avanços fossem notórios ― a venda de motos no Nordeste na região entre 2005 e 2010, por exemplo, havia crescido 266%, contra 185% da média nacional ― existia um longo caminho a ser percorrido. Ele citou a iniciativa de Juscelino Kubitschek de se unir a intelectuais nordestinos nos anos 1950 para institucionalizar o desenvolvimento da região. Como em outros momentos, lembrou Campos, o ciclo foi interrompido em seguida por falta de ‘qualidade’. ‘Na Bahia, houve investimentos econômicos, mas ficaram os desafios sociais, semelhantes aos de Pernambuco e outros lugares’, disse.
“Campos defendia que apenas com a reabertura política, a partir de 1985, a desigualdade do Nordeste voltou a ser discutida como uma questão nacional. Mais de 20 anos depois, o cenário era animador, com o aumento da oferta de emprego, do salário mínimo e do poder de compra da população ― graças, em parte, às leis de assistência social, aos programas de distribuição e transferência de renda, à expansão do crédito, sobretudo para a agricultura familiar e aos investimentos privados, puxados, sobretudo, pela Petrobras.
Velha política
“Segundo Campos, as mudanças após a redemocratização no país minaram a velha política dos coronéis e possibilitaram o acesso à informação da população e a sua mobilização em organizações sociais. ‘A gente se descolou dessas elites tradicionais que o tempo todo usou a máquina pública para permanecer no poder, e não para atender a população com políticas públicas. Na base do patrimonialismo e do fisiologismo, a exclusão social era motivo para se buscar migalhas, trocadas pelo voto de pessoas descrentes’, analisou. ‘Tudo o que as rapozonas gostavam era quando o povo desanimava. Tudo o que fizemos só foi possível porque o povo se animou. E ganhamos eleições impossíveis, improváveis.’
“A exclusão, porém, era ainda (como ainda é) uma realidade. Junto com o crescimento econômico, o Nordeste passou a conviver com o aumento da violência e da criminalidade, associadas ao tráfico de drogas. Os índices de pobreza e da mortalidade infantil também são maiores no Nordeste do que na média nacional. Em 2010, dos 14 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais que não sabiam ler nem escrever, 7,3 milhões viviam na região.
Concentração de investimentos
“Para reverter esse quadro de vez, Campos pedia o fim da concentração de investimentos em regiões como o Sudeste, destino de 50% dos financiamentos do BNDES ― entre 2008 e 2011, o índice obtido pelo Nordeste cresceu de 8% para 12%, índice avaliado por ele como ‘insuficiente’.
“Segundo Campos, mesmo com o ritmo de desenvolvimento local, cerca de 1% superior à media do país, seriam necessários outros 50 anos para convergir o PIB per capta nordestino ao índice nacional. ‘Em um país onde boa parte do desenvolvimento industrial é puxada pelo setor automotivo, apenas duas montadoras foram instaladas na região em 60 anos.”
“O combate às discrepâncias, defendia ele, passava pela união entre as lideranças políticas locais, o fim das velhas rixas, e a atenção às especificidades do Nordeste, ‘para que não repita apenas os modelos de desenvolvimento que um dia serviram para o Sul e o Sudeste’.
Bandeiras em comum
“ ‘Estamos tentando unir o Nordeste com bandeiras em comum. Ainda temos na memória o tempo em que tentávamos resolver nossos problemas com a guerra fiscal, enquanto a Europa fazia uma união de países em um mesmo bloco econômico’.
“Um passo para corrigir as injustiças históricas, segundo ele, era a chegada das universidades ao Nordeste. Na outra ponta, ele citava como exemplo o fato de que, só em Pernambuco, 150 mil alunos passavam o dia nas escolas graças a um programa estadual de ensino integral. ‘Precisamos entender a questão nordestina como uma questão nacional. O Nordeste não é problema, o Nordeste é a solução’, disse.
“Esse discurso fora resgatado e repetido muitas vezes por Campos quando se lançou candidato à Presidência. Com ele, o Nordeste saía daquele auditório onde acompanhei os debates, em Salvador, e ganhava o centro do debate nacional.
Sotaque nordestino
“Dos candidatos com chances reais de vitória, Campos era o único com sotaque nordestino. Tinha como vice uma candidata do Acre, representante do Norte do País. Juntos, eles serviriam como um contraponto simbólico no debate com dois presidenciáveis mineiros (e seus vices paulistas) sobre as discrepâncias do desenvolvimento regional brasileiro, ainda afundado em consequências de acordos históricos que durante décadas operou na base do café com leite, na qual os candidatos de Minas e São Paulo se revezavam no poder conforme as conveniências.
“Pois esse contrapeso simbólico acaba de perder a sua peça principal. A morte precoce do candidato pernambucano, aos 49 anos, não tira o Nordeste do centro das atenções ― até porque é lá que a candidata à reeleição tem o seu eleitorado mais fiel. Mas sem ele, a possibilidade de um embate real entre o que foi feito até agora para a região e o que poderia ser feito para avançar fica temporariamente adiada.
“Em um país que durante anos olhou para o Nordeste como um ‘problema’ ― pior: fingiu que o ‘problema’ do Nordeste não era deles ― esta perda simbólica talvez represente o maior prejuízo político de uma tragédia de proporções incalculáveis.
“Blog do Matheus Pichonelli”
(Por Mauricio Nogueira, especial para Agência Política Real, com edição de Valdeci Rodrigues)