31 de julho de 2025
OPINIÃO

OPINIÃO: Pobres periferias liberais...

Os mais liberais não aceitam o conceito de periferia, acreditam que países são pobres por sua incompetência produtiva, e portanto, mais mercado é a solução.

Por Professor Alexandre Lyra com edição da Política Real
Publicado em
Infelizes liberais Foto: Diário do Comércio

por: Alexandre Lyra*

Uma vez que se aceita a economia de mercado, há uma divisão principal na ciência econômica acerca da participação do Estado na economia: intervencionistas e não intervencionistas. Dentro do grupo intervencionista há uma gama de vertentes, partindo das mais liberais, que defendem uma intervenção mínima do Estado, ao desenvolvimentismo, que acredita que o Estado deve ter uma participação mais ampla, orientando a economia no sentido do desenvolvimento. Os que defendem nenhuma intervenção do Estado são um tipo específico de anarquistas, os anarcocapitalistas, idealistas que não trabalham com a realidade concreta dos seres humanos (menosprezam seu poder destrutivo com a liberdade total). Como são muito poucos seus adeptos, não vou discutir aqui, como também não discutirei o Estado como disciplinador do convívio social, matéria relacionada, mas que envolve outras variáveis.          

Uma vez que a maioria esmagadora dos economistas entendem que deve haver alguma intervenção do Estado na economia, cabe distinguir os tipos de ação do Estado: regulatória ou fiscal. Por sua natureza representativa da composição social na sociedade moderna, o Estado é legítimo para regular a atividade produtiva, colocando parâmetros diversos que definem a ordem econômica em vigor, e também para intervir diretamente na economia, tributando e realizando gastos em áreas específicas (ação fiscal). Os mais liberais entendem que ambas funções devem ser minimizadas, mas os keynesianos e os estruturalistas acham que a participação do Estado deve ser mais ampla. A diferença entre eles é o pressuposto; os primeiros sustentam que o mercado é mais eficiente na maioria das situações, sendo o Estado pertinente poucas vezes, enquanto os do segundo grupo asseguram que é o contrário, na maioria das vezes o mercado gera distorções que precisam ser disciplinadas, corrigidas no sentido da promoção do bem-estar socioeconômico da maioria da população.

Os desenvolvimentistas, em particular, argumentam que o bem-estar socioeconômico em países periféricos só é alcançado se o Estado promover um crescimento estruturado desses países, realizando gastos para erguer a precária infraestrutura e setores estratégicos, pois a história mostra que o mercado foi perverso com eles na medida em que eliminou seu processo de desenvolvimento para gerar condições adequadas para o desenvolvimento dos países centrais. Essas diferenças de concepção teórica existem desde os anos 1950, quando surgiram os estruturalistas, até hoje, com basicamente os mesmos argumentos.

Os mais liberais não aceitam o conceito de periferia, acreditam que países são pobres por sua incompetência produtiva, e portanto, mais mercado é a solução. Há publicações recentes que defendem a maior liberalização do comércio internacional para aumentar o bem-estar em economias em desenvolvimento, sem contestar a pauta exportadora praticada nas periferias, ou seja, reforçam o modelo do agronegócio como melhor alternativa econômica para as periferias (https://www.scielo.br/j/rbe/a/BvmXXD9c5TB68nGRXmR56qz/?format=html&lang=pt ), dado o fracasso notório das tentativas de desenvolvimento econômico na América do sul. São trabalhos geralmente apoiados em modelos econométricos e teorias liberais de limitada concepção metodológica, que não alcançam (aceitam) a dimensão histórica nem a dinâmica das relações econômicas e políticas de nações com interesses conflitantes.

Os processos de desenvolvimento tentados nas periferias foram sabotados por grupos sociais internos e externos ao longo da história, e outros trabalhos mais qualificados tratam disso (como Marini em ‘a crise do desenvolvimentismo’, artigo do livro ‘La teoría social latino-americana’). Não se deve acusar o Estado de ineficiência, um problema pontual que pode acontecer também no meio privado com alguma frequência, quando há razões maiores relacionadas aos poderes econômico e político para inibir o crescimento de certas nações, usando, inclusive, as forças militares para isso.

A simplicidade dos argumentos liberais chega a ser pueril em textos que indicam a melhora de indicadores sociais em cidades que abraçaram o agronegócio (http://repositorio.ufpi.br:8080/handle/123456789/2866 ). É lógico que os indicadores melhoram com a implantação de culturas exportáveis, mas porque não comparar esses indicadores com os de cidades industrializadas? Porque não comparar com cidades industrializadas de países centrais? Não fazem isso porque os liberais têm uma perspectiva curta de desenvolvimento, são colonizados, não conseguem vislumbrar um país autônomo, produtor das mais avançadas tecnologias em todas áreas produtivas. Só visualizam imensas plantações de soja, ou café, ou ambos, a perder de vista. E não adianta dizer que o desenvolvimento de outros setores viria no longo prazo porque o longo prazo já mostrou justamente o contrário: isso não acontece e a desigualdade e a pobreza se instalam.

Os mais liberais na periferia só mostram como o colonialismo foi eficiente, introjetando valores de não contestação e admiração a um modelo econômico idealizado dos países centrais, inacessível ao sul do Equador sem toda uma intervenção desenvolvimentista. Intervenção essa que aconteceu tempos atrás nos países hoje desenvolvidos, como ressaltam trabalhos publicados (https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/14626/1/FSErber.pdf  ), e de resto, é de operacionalização complexa nas periferias, pois além dos investimentos e subsídios necessários em várias áreas estratégicas, também tem que haver mobilização popular e das elites, além da quebra da mentalidade colonial. É necessário uma reforma na concepção educacional para acabar com a visão curta do que podemos ser, repetindo sempre o que já fomos e somos, um país extremamente desigual, resultado da predominância de interesses atrasados locais aliados a poderosos interesses estrangeiros. Os liberais radicais querem apenas que sejamos menos pobres, mas ainda dependentes e subservientes, quando podemos ser muito mais que isso.

* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.