OPINIÃO: O imposto de renda e a renda extra do governo
Alguns poderiam dizer que a problemática é de economia, já que é de renda das pessoas, os critérios deveriam ser técnicos, contudo, o ponto, como tenho dito em outros textos, é que sempre a economia é política
Publicado em
por: Alexandre Lyra
A isenção para quem ganha até R$ 5.000,00 foi aprovada em comissão específica do congresso e em breve deve ser também aprovada no plenário. A pauta brotou pela esquerda, mas já foi acatada por grande parte dos liberais para não se descapitalizar eleitoralmente, afinal há grande aprovação da proposta pela população. Sendo quase um ponto pacífico, representaria ela um ganho de fato para os cidadãos de renda baixa ou intermediária?
A questão está sendo encaminhada pelo executivo, que aufere os ganhos políticos da proposta, mas como tantas outras, é, antes de mais nada, uma variável de economia política. As alíquotas do imposto são estabelecidas por faixa de renda, ratificando o critério da progressividade, ou seja, a alíquota aumenta na medida em que a renda aumenta. Estamos falando de renda, e portanto, falta a complementação ideal dessa proposta, o aumento da tributação dos milionários, para conferir coerência ao governo no resgate da justiça tributária. As matérias estão desvinculadas, e a segunda tem maior dificuldade de aprovação, pois sofre influência de lobbies poderosos e o governo tem de manter a arrecadação, pois as contas públicas operam sem muita margem para manobra.
Alguns poderiam dizer que a problemática é de economia, já que é de renda das pessoas, os critérios deveriam ser técnicos, contudo, o ponto, como tenho dito em outros textos, é que sempre a economia é política. Trata-se de convívio de grupos sociais, em que a dinâmica econômica faz com que alguns ganhem e outros percam. Os parâmetros fundamentais da economia são as principais discussões políticas, pois estamos em sistema democrático e os grupos estão em constante disputa e discussão pública. O tema colocado é mais um que revela a fragilidade dos trabalhadores nesse contexto.
Uma vez definida a tabela do imposto de renda, que já é resultado de uma discussão política, bastava ajustar a cada ano, corrigindo conforme a inflação para que não houvesse necessidade de elaborar uma proposta de novas faixas para o imposto de renda. Dados mostram que uma correção de 130% na tabela, inferior à inflação no período em que a tabela não foi mexida (154%) já faria o valor de isenção subir mais que o valor proposto pelo governo (R$ 5.200,00), além do que, também os limites por dedução seriam aumentados progressivamente em cada ano (https://istoedinheiro.com.br/correcao-tabela-imposto-de-renda-isentos). Não se dá muita atenção à inflação baixa, mas basta um pouco inflação anual para que em alguns anos o acumulado seja significativo.
É como o efeito da ausência de reajustes de salário no tempo, a cada ano que passa há uma pequena corrosão no poder de compra pouco percebida se o processo inflacionário for discreto. Os trabalhadores nem sentem por algum tempo o desgaste salarial até que ele seja elevado e se providencie algum reajuste, enquanto isso os empresários, nesse caso, reajustando os preços, vão ganhando continuamente um pouco mais. Economistas de esquerda enfatizam o crescimento econômico por gerar empregos, diminuindo a pobreza absoluta, mas a inflação é mecanismo de empobrecimento relativo que muitas vezes acompanha processos de crescimento econômico com inflação razoável.
Professor Alexandre Lyra
É interessante, sobretudo para o governo, não corrigir a tabela do imposto de renda, e ganhar acréscimo em sua renda/arrecadação a cada ano sem mover uma palha, às custas dos grupos de trabalhadores de renda baixa ou média principalmente. Os governos não têm se importado em cumprir sua parte corrigindo a tabela do IR todo ano porque é mais cômodo obter recursos extras deixando de fazer algo pouco percebido pelas pessoas, do que ter de se esforçar em buscar recursos em outras fontes, ou mesmo cortar gastos. Não é bom que estejamos discutindo justiça tributária, é fundamental. É básico deixar claro de onde vem e para onde vai o dinheiro público e isso é um capítulo dessa novela.
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.