ESPECIAL DE FIM DE SEMANA - Velho Chico: uma novela que navega na burocracia do governo brasileiro há nove anos
No Congresso Nacional, a transposição das águas do mais genuíno rio brasileiro já deu enredo parar criação de comissões e denúncias de descaso
Por Gil Maranhão
(Brasília-DF, 11/03/2016) A megaobra de transposição do rio São Francisco, o mais genuíno manancial do País e um dos maiores e mais importantes do Brasil e da América Latina, virou novela na televisão brasileira, que começa a ser exibida a partir da próxima segunda-feira 14.
O tema que será o foco também da reportagem especial do Globo Repórter desta sexta-feira, 11, e vai embelezar as telas no horário nobre, numa trama que mistura histórias de amor e ódio com a crise hídrica, o abuso dos agrotóxicos e a questão da preservação, será novidade para o telespectador brasileiro. Mas, na verdade, é uma novela longa, repetitiva, de vários capítulos enrolados, com denúncias, descasos e informações desencontradas, que se arrastam pelos bastidores da burocracia do governo federal há exato nove anos, e que tem nova estreia no Congresso Nacional, também na próxima semana.
Carinhosamente chamado de Velho Chico, o rio está no epicentro de um projeto de transposição - "Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional" -, que começou a ser executado em 2007. O empreendimento do governo federal, que está sob responsabilidade do Ministério da Integração, prevê a construção de mais de 700 km de canais de concreto em dois grandes eixos (Norte e Leste) ao longo de quatro estados - Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, para o desvio das águas do rio. No projeto consta, também, a construção de nove estações de bombeamento de água. Foi discutida, ainda, a possibilidade do chamado “Eixo Sul”, abrangendo os estados da Bahia e Sergipe, e o “Eixo Oeste”, no Piauí.
A conclusão da obra é uma incógnita. Inicialmente, estava planejada para 2012. Na sua posse, em janeiro de 2015, o ministro da Integração, Gilberto Occhi, anunciou a entrega da obra para inicio deste ano. Em outubro, numa audiência na Comissão Externa da Câmara que debateu o tema, o ministro anunciou a entrega para setembro de 2016. Com a crise política do governo Dilma Rousseff e a crise econômica que envolve o País, a nova data para entrega do projeto, só Deus sabe. E o que é mais grave: nesses nove anos, as obras da transposição, já consumiram quase o dobro do projeto original. O orçamento inicial era de R$ 4,7 bilhões e hoje é de R$ 8,5 bilhões.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) autorizou em fevereiro deste ano a retomada dos trabalhos da Comissão Externa da Transposição do Rio São Francisco. E será novamente presidida pelo deputado federal Raimundo Gomes de Matos (CE), que insistiu na continuidade do debate. Com exclusividade à Agência de Notícia Política Real, ele comenta os próximos passos do Parlamento neste tema.
AGÊNCIA POLÍTICA REAL - Em que parou os trabalhos da Comissão, em 2015?
RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Essa luta, nos outros períodos, nós tentamos emplacar essa comissão e não foi oficializada. Com a instalação ano passado eu fiquei como presidente, o deputado Rômulo Gouveia (PSD-PB), como relator, e houve uma participação efetiva de parlamentares de Minas Gerais, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia e outros abrangidos pelo rio, buscando dar celeridade e debatermos os gargalos para que pudéssemos pactuar a celeridade dessas obras, até porque o Nordeste ainda passa por estiagem. O ano de 2016 vai ser seco. Detectamos que não há água suficiente para atender as demandas do consumo humano e garantir a indústria e o agronegócio, tanto é que apresentei uma emenda (ao Orçamento da União), que foi aprovada, de R$ 600 milhões, para começarmos a elaborar o projeto de transposição das águas do rio Tocantins para dentro do canal do São Francisco, e assim garantir de uma vez toda água para o Nordeste.
AGÊNCIA POLÍTICA REAL - A revitalização do rio e as obras complementares também estão na pauta?
Recebemos vários materiais de escritores e ambientalistas demonstrando que o Velho Chico está sofrendo processo de degradação promovido pelo próprio povo (das cidades que estão às suas margens), através de desmatamento, lançamento de dejetos, esgoto e lixo. E isso está matando o rio. No Senado também existe toda essa preocupação. Vários senadores tem feito esse debate, lembrando que paralela a obra do canal há necessidade da revitalização das margens do rio, iniciando lá nas nascentes, em Minas Gerais, sob pena de termos um rio seco. Isso tudo há necessidade de buscarmos a pactuação, através da Comissão. Além da transposição, precisamos ter ainda as obras complementares do rio, como o canal do Cinturão das Águas, no Ceará, Adutor do Agreste, na Paraíba/Pernambuco e outras para a água chegar efetivamente nos municípios e nos estados.
AGÊNCIA POLÍTICA REAL - Qual vai ser o ponto de partida da Comissão em 2016?
No encerramento dos trabalhos em 2015 já tinha sido aprovadas as visitas às hidrelétricas de Sobradinho e Paulo Afonso, na Bahia. Nós precisamos ir lá porque há uma sinalização de que as hidrelétricas não irão soltar água, porque se fizer isso, geraria a dificuldade de ter energia elétrica. Tanto é que disseram que a presidente Dilma teria que decidir: ou liberava água por Nordeste ou falta energia. Isso tudo temos que apurar e fazer esse debate com as hidrelétricas, porque existem outras alternativas para a energia: tem a eólica, a solar. Para água é que não tem alternativa. Também tem a questão de que alguns trechos das obras de transposição, construídos há cinco/seis anos, que já estão danificados – como aconteceu, em fevereiro, com o canal de Cabrobó, sertão em Pernambuco, que com as chuvas, houve deslocamentos das placas (nas paredes do canal), e ganhou as manchetes nacionais.
AGÊNCIA POLÍTICA REAL - A questão do saneamento básico das cidades em torno do rio também preocupa o Parlamento?
Vamos aproveitar a Campanha da Fraternidade, centrada no saneamento, para reativar essa discussão. Nós fizemos um grande encontro, ano passado, e percebemos que é grave essa questão. Dos mais de 300 municípios que a transposição vai passar só 102 fizeram seu Plano de Saneamento Básico. Então, é inconcebível um canal passar por dentro do município e o esgoto ficar encostando às margens desse canal. Vai poluir essa água. E não dá pra aceitar o fato de não se ter um destino correto paro lixo e para esgoto.
AGÊNCIA POLÍTICA REAL - O senhor pensa em convidar ou convocar alguma autoridade na retomada dos trabalhos?
Nós estamos com requerimento pronto, chamando o ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi, para ele apresentar os relatórios atuais da obra, e partir dai iniciarmos o nosso trabalho. Também chamamos representantes do Ministério do Planejamento e da Codevasf, por cousa do modelo de gestão. Ainda não está definido como será o gerenciamento da água da transposição. O modelo de gestão é importante para que possamos chegar ao custo do metro cúbico da água. Quanto é que vai custar essa água da transposição? A população precisa saber. E temos uma emenda constitucional, e já autorizada a instalação de uma Comissão, que é para tornar a água como um direito social, pois hoje a água é um direito comercial, ou seja, você comercializa como se comercializa um refrigerante ou qualquer outro produto. Tudo isso a nossa Comissão vai debater.
====== SAIBA MAIS: O RIO SÃO FRANCISCO leva este ano pelo fato do navegador Américo Vespúcio, ao chegar no Brasil, ano após o Pedro Álvares Cabral, ter encontrado a faz de grande rio que desaguava no mar, isso no dia 04 de outubro de 1501 (dia de São Francisco). O rio passa por cinco estados e 521 municípios e deságua no Oceano Atlântico, após drenar cerca de 642 mil quilômetros quadrados. Sua nascente geográfica no município de Medeiros (MG) e sua nascente histórica na Serra da Canastra, no município de São Roque de Minas, centro-oeste do estado de Minas Gerais. Seu comprimento é de 2.300 Km. Seu nome indígena é Opará (que significa “rio-mar”) Popularmente é chamado Velho Chico.
(Por Gil Maranhão – Especial para Agência Política Real. Edição: Genésio Jr.)