Nordeste e Senado Federal

ESPECIAL DE FIM DE SEMANA: Síntese de Walter Pinheiro é "governo governa"

Com a frase, o senador do PT da Bahia critica "pitacos" do Palácio do Planalto no Congresso Nacional, cobra prioridades da administração e classifica-a como "muito grande" e meio lenta

Publicado em
2d585d7d0d2b2aa1f04f2a87795363b0.jpg

(Brasília-DF, 23/10/2015) O senador Walter Pinheiro (PT-BA) ocupa constantemente a tribuna do plenário do Senado para fazer críticas ao governo de seu próprio partido, mas defende-se dizendo que não joga “ácido” e que apresenta também propostas. Em entrevista a Política Real, ele diz que o Poder Executivo está “muito grande” e que esse “gigantismo” torna a administração federal lenta para enfrentar os problemas do país.

Ele prega que “governo governa” e que não deve ficar dando “pitaco” a todo instante nos trabalhos do Congresso Nacional. Muito menos dando opiniões sobre todo tipo de assunto, incluindo aí o parecer do Tribunal de Contas da União (TCU),  que rejeitou por unanimidade as contas de 2014 da presidenta Dilma Rousseff por causa de irregularidades como as “pedaladas fiscais”.

"Joga gasolina"

Walter Pinheiro acredita que o próprio governo “joga gasolina” nas crises econômica e política por causa de sua postura. Outro erro que ele enxerga é a falta de prioridade, de coordenação e de planejamento. “Falta ao governo, definir um rumo, uma pauta, tocar, não deixar de responder legalmente as coisas, através de seus advogados, através de sua defesa. Mas o governo tem que vir com uma pauta objetiva”, afirma.

“Eu acho que governo tem que também, num momento de crise econômica, se posicionar de maneira tal que não fique jogando gasolina na crise política. Até porque quanto mais a crise política aguça, mais a econômica não se reequilibra. Então, portanto, na minha opinião, o maior erro é isso. O governo tem que entender que o governo governa, governo toca”, diz.

"Botar pra funcionar"

O senador acredita que se o Palácio do Planalto evitar entrar em discussões, melhor será para a presidenta Dilma Rousseff. O motivo é simples: os “pitacos” acabam dando dimensões maiores aos problemas que surgem. “O governo tem que se meter no Judiciário? Não. O governo tem que se meter no TCU (Tribunal de Contas da União)? Não. O governo tem que dar pitaco na Câmara e no Senado? Não. O governo tem que botar o governo pra funcionar”, sintetiza.

E botar o governo pra funcionar, afirma Walter Pinheiro, é exatamente o Poder Executivo assumir o papel de “maestro” e dar tom da administração pública. Ele tem esperança de que a chegada do ex-governador da Bahia Jaques Wagner à Casa Civil possa ajudar na “rearrumação” de um governo que ainda não completou um ano.

Nordeste, efeito imediato

No caso específico do Nordeste, Walter Pinheiro acentua que a região sofre mais do que o restante do país quando há uma crise econômica, como a que está sendo enfrentada agora. “Na medida que a economia apresenta sinais de cansaço, os locais chamados periféricos da economia sentem primeiro. O Nordeste ainda é um local periférico. Nós ainda padecemos de muita coisa de infraestrutura”, exemplifica.

O senador também diz que no Nordeste, o efeito da crise é imediato: “Então nós vamos perder postos de trabalho, nós perdemos investimento. Nós perdemos porque na medida também que boa parte daquilo que a gente ainda consome no Nordeste não é produzido no Nordeste. Então significa dizer que esses produtos chegarão com preço mais elevado. Ou até nem chegarão. Então esse efeito é imediato”.

Leia a íntegra da entrevista

O que há de errado com o governo para haver tanto “ruído” entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional?

Primeiro, eu diria que tem uma coisa que é essencial, que é o funcionamento do governo. Minha esperança, inclusive, é que com essa rearrumação, com esse freio de arrumação, que culminou com a chegada de Jaques Wagner na Casa Civil, e outras mexidas, que isso reoriente o eixo. Sobre outras coisas dos erros, eu acho que a presidente da República não tem que pitaco, mesmo que quando provocada em entrevista, sobre tudo que acontece em cada Casa.

Eu acho que governo tem que também, num momento de crise econômica, se posicionar de maneira tal que não fique jogando gasolina na crise política. Até porque quanto mais a crise política aguça, mais a econômica não se reequilibra. Então, portanto, na minha opinião, o maior erro é isso. O governo tem que entender que o governo governa, governo toca.

E nós temos uma crise política, não dá pra se abstrair. Mas, por exemplo, o governo tem que se meter no Judiciário? Não. O governo tem que se meter no TCU (Tribunal de Contas da União)? Não. O governo tem que dar pitaco na Câmara e no Senado? Não. O governo tem que botar o governo pra funcionar.

Quando fica assim, os assuntos que estão na Câmara que, porventura, atingem o governo, eles ganham muito mais evidência. Então, portanto o que falta ao governo é definir um rumo, uma pauta, tocar, não deixar de responder legalmente as coisas, através de seus advogados, através de sua defesa. Mas o governo tem que vir com uma pauta objetiva.

O ajuste era necessário para o momento de crise? Era. Mas ninguém vive só de apertar cinto. Então, portanto falta ao governo uma proposta pra dizer “e aí, depois do ajuste o que nós vamos fazer?” Ficar a vida inteira no ajuste é uma política de enxugar gelo. Então vai chegar uma hora que o gelo vai acabar e nós vamos ficar ao invés de com a brocha com o pano na mão.

A impressão que a gente tem é de que há muito improviso. Há mesmo muito improviso neste governo?

Eu não diria improviso. Mas há assim uma completa falta de espinha dorsal. Por exemplo, nós estamos discutindo um orçamento. Eu não vi ainda nenhum encaixe nessas propostas futuras para resolver o problema do ajuste no chamado Plano Plurianual, que é um negócio que o governo já deveria ter sinalizado nesse momento de crise, até porque é o caminho do governo para os próximos quatro anos. O que que o país vai receber nos próximos quatro anos, o que que o país vai ter, o que que o país vai fazer nos próximo quatro anos.

Então o improviso se apresenta na medida em que o governo passa o dia inteiro tentando resolver o problema de ontem, sem conseguir botar pra rodar o hoje e muito menos projetar o amanhã. Isso, a gente só faz planejando, só faz ajustando, criando metas, rumos e, portanto, botando o governo pra funcionar.

Então, eu lhe pergunto assim: na Esplanada qual o ministério que funciona agora redondo? Todos eles estão focados esperando ver o que que está acontecendo no núcleo central do governo pra depois eles funcionarem. Então, portanto, eu não acredito que uma engrenagem dessa funcione. Então, é preciso ajustar essa engrenagem

Portanto, o motor está no Palácio do Planalto...

O motor está lá. De lá deve sair a orientação, de lá deve sair o comando, de lá deve sair a condução. Por mais que você bote ministro competente, ou como até alguns acham incompetentes... Eu não peço pra tirar ministro nem pra botar ministro. Uma coisa que sempre fiz, desde a época de Fernando Henrique Cardoso. Ministro, quem bota e tira é o presidente. Agora, não pra gente ficar julgando se o ministro é competente ou incompetente.

O núcleo central dá o tom. É preciso que o maestro, ou melhor aí, nesse caso, quem alguém toque essa orquestra. Esperar que o violino sozinho lá dê o tom, ou que o bumbo bata do outro lá pra ver se alguém chega, se não tiver maestro essa música não rola.

O parecer do TCU tem um viés político como dizem vários parlamentares do partido do senhor?

Viés político você tem em todas as intervenções. Não tem jeito, né? Por exemplo, o Supremo (Tribunal Federal) quando faz um julgamento de financiamento público de campanha, financiamento privado, financiamento isso, financiamento aquilo... Financiamento de campanha de um modo geral, os ministros do Supremo apresentam suas... ou mostram suas impressões. Mas tem muita coisa que é leitura política do processo eleitoral.

A avaliação de contas, obviamente, elas têm um componente técnico. Elas mobilizaram, os caras manusearam papéis, contas, gastos... Portanto, tudo técnico. É óbvio que se botou o componente da política pra saber se usou ou não usou esse ou aquele recurso, dessa ou daquela forma, pra incidir aqui, ali ou acolá.

Então, portanto, o olhar político pode ter. Agora, eles manusearam. Pra chegar na política, eles usaram literalmente componentes técnicos.

O senhor faz discursos que parecem pronunciamentos de parlamentares que não são da base aliada do governo, muito menos do partido da presidenta da República. O senhor recebe algum tipo de crítica por causa disso, vindo do governo?

Não. Porque eu acho que o próprio governo deve fazer a leitura de que, por mais que eu seja incisivo no meu pronunciamento, eu não tenho adjetivado, eu não tenho carregado a tinta nos adjetivos. Eu vou, inclusive, no substantivo e na propositura. Então eu faço a crítica, mas apresento a minha visão.

Por exemplo, eu tenho dito permanentemente que sou contra a solução do momento, criar impostos. E estou batendo na tecla que acho correto é o governo tocar a política, por exemplo, de resolver essa grave questão que aflige os estados e municípios, que é a questão do ICMS.

Então, portanto, eu vou dizendo que acho que o governo está errado, mas vou apresentando propostas que estão, inclusive, tramitando aqui na Casa. Então, eu não tenho usado ácido, eu tenho usado exatamente o conteúdo. Não estou fazendo nenhum tipo de ataque.

E estou fazendo, inclusive, sempre usando um outro argumento bem claro. Alguém que foi pra rua, fez campanha e, portanto, quer que meu governo volte a funcionar. Mas quer que, principalmente, meu governo bote no governo e bote pra funcionar aquilo que na campanha nós dissemos ao povo brasileiro que a gente iria fazer. Então, portanto, não é acidez. É simplesmente cobrança do cumprimento daquilo que a gente prometeu.

O governo está “inchado”?

Eu diria que o governo está muito grande. A reforma ministerial foi pequena, na minha opinião. Não que ela tivesse peso financeiro, vamos dizer assim, se tivesse ampliado. Mas tem um simbolismo na política que é interessante. Talvez até esse gigantismo todo seja uma das causas do funcionamento meio lento. Talvez se tivesse uma estrutura um pouco mais enxuta, com programas e, portanto, coisas mais próximas da realidade... Eu não acredito que governo nenhum possa estabelecer milhares de prioridades.

Num momento de escassez então, você tem de ser seletivo. E seletivo é escolher prioridades. E na prioridade, você também trabalhar com quantidade. Ninguém tem milhares de prioridades. Até porque não tem tempo pra executar e não tem uma outra coisa mais importante: recursos pra fazer. Então, portanto, esse inchaço poderia ser substituído exatamente por esse senso de priorização, planejamento e execução.

Existe aparelhamento com repetem constantemente o senador Aécio Neves (PSDB-MG), o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), por exemplo?

Eu talvez acho que a repetição deles é que aquele ditado que diz assim “a boca fala do que o coração tá cheio”. Quem praticou, né? Meu pai usava uma expressão interessante. Ela dizia assim “gato do que usa cuida”. Então, portanto, os caras podem estar falando desse aparelhamento porque eles devem ter praticado. Agora, essa lógica de governo... Aliás, Fernando Henrique até disse noutro dia aí, eu li, nos seus diários que todo dia os caras cobravam cargo, cargo, cargo, cargo, cargo, espaço, não é?

Então, numa relação de governo, os partidos tentam fazer essa ocupação. Eu acho até em demasia. Eu concordo que deveria reduzir muito essa distribuição. Por exemplo, a última sessão do Congresso não deu quórum e vários parlamentares alegavam que o Diário Oficial ainda não teria sido tão generoso para com eles. Então, portanto, eles não poderiam apresentar o voto no painel.

Então, portanto, é preciso ter muito cuidado nessa relação também senão o governo... Alguém vai cobrando e o governo vai alimentando. E a gente vai cada vez mais espalhando essa ocupação de espaço, que é extremamente ruim pra esfera pública.

Como o senhor visualiza a situação do Nordeste na atual circunstância de crise econômica e política do Brasil?

O Nordeste tem pago um preço muito grande. Primeiro, que a gente atravessa um dos piores momentos do ponto de vista da estiagem. Na medida que a economia apresenta sinais de cansaço, os locais chamados periféricos da economia sentem primeiro. O Nordeste ainda é um local periférico. Nós ainda padecemos de muita coisa de infraestrutura.

Por exemplo, no Nordeste tem duas grandes ferrovias que estavam no plano de investimento. A Transnordestina e a Fiol. As duas não conseguiram ainda botar os trens nos trilhos. Então, portanto, nessa escassez a tente primeiro sente. E quando você fala em corte, por exemplo, as empresas que têm o Centro-Sul como a sua base principal e tal... Então quando elas promovem cortes, elas promovem cortes exatamente na periferia, onde suas unidades estão. Os pontos mais distantes. E o Nordeste sofre com isso.

Então nós vamos perder postos de trabalho, nós perdemos investimento. Nós perdemos porque na medida também que boa parte daquilo que a gente ainda consome no Nordeste não é produzido no Nordeste. Então significa dizer que esses produtos chegarão com preço mais elevado. Ou até nem chegarão. Então esse efeito é imediato.

Na política, mais ainda porque você vai convivendo com outro tipo de relação mais danosa, né? Que é essa coisa de avaliar como é que se dá inclusive o processo eleitoral nesses momentos de crise. Veja como têm se posicionado já alguns prefeitos. Nós vamos conviver com esse período eleitoral. Então eu diria que é uma das situações mais delicadas, a chamada desigualdade regional. Eu falo do Nordeste. Poderia falar a mesma coisa pro Norte. Com alguma diferença, mas o Centro-Oeste também.

Então na realidade a gente sofre na política, pelo distanciamento. Você veja pela própria composição do núcleo de poder. Apesar de hoje ter um nordestino na Casa Civil (Jaques Wagner, ex-governador da Bahia), mas até ontem, por exemplo, o maior volume ocupado na Esplanada, é um volume produzido principalmente por São Paulo. Até no meu partido.

Então, portanto, até nisso, na representação, a gente termina sofrendo. Agora, quando chega na época da eleição é do Nordeste que sai também a grande diferença pra o processo eleitoral. Então, eu temo muito que essa coisa continue sendo aquela velha utilização que a gente via no passado, né? Ou seja, olhar o Nordeste como reduto eleitoral. E não olhar o Nordeste com potencial de crescimento e com o respeito que ele merece.

Na questão nacional, há ainda uma pergunta fundamental. Impeachment. O senhor acha que prospera ou não?

Eu acho que o impeachment, inclusive da forma como ele foi pensado, projeto, ele é um desserviço à nação. Não estou falando isso pontualmente no caso Dilma Rousseff. Isso, pontualmente, não pode ser analisado. Estou falando isso do ponto de vista inclusive das instituições. Ainda que alguém use argumento “mas teve isso, ou aquilo, o julgamento do TCU e tal”.

Já tivemos julgamentos por parte de TCEs (Tribunais de Contas dos Estados) no Brasil afora sobre sei lá quantos governadores. E no entanto esse tema nunca foi abordado sobre essa égide. E, por outro lado, o impeachment sendo trabalhado como uma crítica à questão do governo. Aí, a gente faz uma pergunta: será que focar nesse exato momento pra que todas as forças sejam canalizadas na construção desse instrumento. Ou seja, pra ele lograr êxito, ou seja pra se defender... Não seria gastar energia quando devia estar preocupado agora em salvar o Brasil?

Então, portanto, ver qual a contribuição que a gente dá. Não estou preocupado em salvar a presidente nem salvar o partido. Mas acho que nós temos obrigação de salvar o Brasil. Então eu acho que a tendência natural é que o Congresso Nacional se volte pra essa questão. Acho que Senado e Câmara têm condições, sim, de promoverem aí diversas iniciativas pra gente tentar encontrar saídas pro Brasil. Mesmo que o governo seja dessarumado, de nossa parte a obrigação é propor. Se o governo não quiser fazer, aí nós vamos ver como a gente deve agir.

 

(Valdeci Rodrigues, especial para Política Real. Edição de Valdeci Rodrigues)