31 de julho de 2025

Piauí.

Deputado Antônio José Medeiros(PT-PI) fez ampla avaliação sobre o Fundef e o Fundeb ele rebateu a má vontade com o Estado; Enquanto deputado discursava, governador W. Dias elogiava seu principal adversário em provável disputa pela PMT – Deputada gaúcha

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 ( Brasília-DF, 02/02/2007)  O deputado Antônio José Medeiros(PT-PI) fez longo discurso com alguns apartes em que analisou o Fundef e o Fundeb. Ele recebeu solidariedade da deputada Manuela D’ávila(PC do B-RS) por conta do preconceito de setores da mídia por conta do sucesso no Enem de uma escola piauiense, considerada a melhor do país.

O discurso foi pela manhã. Enquanto o parlamentar, que é virtual candidato a prefeito de Teresina, fazia suas considerações o governador W. Dias, também do PT, elogiava o prefeito tucano, seu virtual adversário, pois deverá ser candidato a reeleição:

Veja o discurso, na íntegra, com os apartes:

“ Sr. Presidente, caro Deputado Vicentinho, companheiro de tantas lutas em prol dos trabalhadores deste País; Sras. e Srs. Deputados, vivemos um momento decisivo para o futuro da educação no Brasil. Três acontecimentos importantes confluíram para produzir este momento: a criação do FUNDEB, a divulgação dos resultados do SAEB e do ENEM e o anúncio, pelo Presidente Lula, de que lançará em breve o Plano de Desenvolvimento da Educação.

De fato, no final de 2006, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 53, que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação — FUNDEB, regulamentado logo em seguida pelo Presidente da República por meio da Medida Provisória nº339, de 28 de dezembro de 2006, atualmente tramitando nesta Casa. Coincidentemente, em janeiro foram divulgados os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica — SAEB, direcionado para o ensino fundamental, e do Exame Nacional de Ensino Médio — ENEM, apontando ambos para uma queda no desempenho das escolas públicas e particulares de todo o País, embora tenhamos muitas escolas com excelente nível, como é o caso do Instituto Dom Barreto, em Teresina, no meu querido Piauí, classificado em primeiro lugar para o ensino médio.

 

 

Aproveito, aliás, a oportunidade para mais uma vez parabenizar o Instituto Dom Barreto, que visitei recentemente em companhia do Governador Wellington Dias e do Deputado Nazareno Fonteles.

 

 

Quero fazer alguns esclarecimentos, inclusive, para combater visões preconceituosas estampadas em alguns jornais do Sudeste com circulação nacional, as quais revelaram um estranhamento com a notícia de que uma escola do Piauí — logo do Piauí — foi a primeira colocada no ENEM.

 

 

É bom que se saiba que já faz alguns anos que o Instituto Dom Barreto vem se classificando entre as 10 primeiras escolas do Brasil no ENEM e que, em competições nacionais e internacionais, a exemplo do que ocorre nas Olimpíadas de Matemática, Química e Física, alguns alunos daquela escola têm obtido excelente classificação, situando-se entre os 3 primeiros lugares na fase internacional daquele evento realizado na Holanda e nas Filipinas.

 

 

 

 

Nesse contexto, as medidas a serem anunciadas pelo Presidente Lula ou são uma resposta ao desafio lançado pelas avaliações divulgadas, ou não cumprirão o seu papel.

 

 

Ainda temos problemas de universalização nas oportunidades de estudo, mas soou a hora da qualidade. Sem um salto qualitativo na Educação, não se sustentaráqualquer programa de desenvolvimento com distribuição de renda. Sem um salto qualitativo na Educação, não ocuparemos um lugar pró-ativo no mundo globalizado que a revolução da telemática está criando. É hora de ação concreta, de compromisso, senão permaneceremos em nossa velha retórica liberal e baixarelesca sobre a importância e a priorização da Educação, ou na cantoria tecnocrática de louvor à Coréia e a outros países, muitas vezes insensíveis às dimensões sociais e culturais da Educação.

 

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, nesse mesmo espírito é que devemos fazer o debate sobre a medida provisória do FUNDEB nas Comissões e no Plenário desta Câmara Federal. O FUNDEB tem suas especificidades, mas deve ser visto como parte de uma estratégia mais ampla de universalização do acesso à Educação e de elevação do padrão de qualidade da escola pública.

 

 

Vale ressaltar, de início, que o FUNDEB representa um avanço. Se o FUNDEB contribuiu para a universalização do ensino fundamental, também esse fundo vem atender à nova aspiração da sociedade brasileira que quer ver seus filhos tendo a oportunidade de, por um lado, prosseguir em seus estudos no ensino médio e, por outro, de começar mais cedo sua vida escolar na pré-escola ou mesmo na creche.

 

 

Em segundo lugar, o FUNDEB, assim como o FUNDEF, é um fundo basicamente formado por recursos dos Estados e dos Municípios.

 

 

Mas a participação da União aumenta significativamente no FUNDEB, sobretudo porque este Congresso aperfeiçoou o projeto original, garantindo que a partir do quatro ano, além dos 2, 3 e 4,5 bilhões que a União contribuirá a cada ano, a partir de 2010 continuarácontribuindo para o fundo com, no mínimo, 10% do total dos recursos alocados pelos Estados e Municípios.

 

 

Enfim, a criação da junta de acompanhamento tripartite, com representantes do MEC, Conselho dos Secretários Estaduais de Educação CONSED e da UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNDIME é um avanço a registrar. Essa prerrogativa que no âmbito do FUNDEF era reservada ao Presidente da República, o qual sozinho definia os valores do fundo, agora é transferida para um fórum representativo, com poderes para negociar adequações e flexibilizações que se fizerem necessárias na gestão do fundo.

Aliás, gostaria de destacar a capacidade de diálogo que a equipe do MEC, sob a direção do Ministro Fernando Haddad, tem mostrado no seu trato com os Estados e Municípios. Algumas insuficiências do FUNDEB precisam ser apontadas, bem como algumas distorções que ele herda do FUNDEF.

Gostaria de contribuir para essa discussão e quero fazê-lo de uma perspectiva mais ampla. Do contrário, os conflitos distributivos inerentes ao FUNDEB virarão guerras santas entre Estados ou Municípios ou, no mínimo, alimentarão polêmicas com viés corporativista.

A distribuição de recursos entre os níveis e modalidades de ensino (creche, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio, educação profissional, educação especial, educação indígena e educação de jovens e adultos), bem como a atribuição de encargos à União, aos Estados e Municípios e a repartição de recursos entre estes dois últimos devem ser analisadas à luz da melhoria do padrão de qualidade da educação pública e da equalização de oportunidades para todos os brasileiros, nas diferentes regiões do País e de todas as camadas sociais, sobretudo as mais pobres.

 

 

Duas questões preliminares precisam, então, ser levantadas: como atingir um patamar satisfatório de alocação de mais recursos para a educação? Como queremos estruturar o nosso sistema de ensino, definindo as competências e o regime de colaboração entre União, Estados e Municípios?

 

 

Quanto à primeira questão, devemos de início lembrar as vinculações constitucionais da receita para educação de 18% para a União e 25% para Estados e Municípios — em alguns casos, 30%, por decisão das Constituições estaduais ou das Leis Orgânicas municipais.

 

 

A grande pergunta é: serão esses recursos suficientes? Certamente que não, uma vez que eles não chegam a 5% a 7% do PIB, que são os padrões internacionalmente reconhecidos como recursos necessários para garantir uma boa educação.

 

 

Já na discussão do Plano Nacional de Educação, uma lei aprovada em 2000 e sancionada no início de 2001, esse debate foi feito definindo um percentual gradativamente aumentado de 5% até 7% do PIB para educação. Mas esse artigo foi vetado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso.

 

 

Chegamos a uma situação orçamentária, creio eu, levados mais pelas circunstâncias e por algumas decisões políticas equivocadas do que por opções de políticas públicas democraticamente definidas.

 

 

A União, em 2006, gastou com educação 23,9 bilhões. Ora, além do alto peso da dívida pública, 240 bilhões, a União — falo apenas dos recursos federais — gastou com saúde mais que com educação, 44,3 bilhões; com o déficit da Previdência, 48,5 bilhões; com a assistência social, 65,5 bilhões, aí incluídos a aposentadoria de trabalhadores rurais, o Bolsa Família, o desemprego, outros benefícios sociais.

 

 

Queremos manter esse perfil de distribuição dos recursos orçamentários? Acredito que não. Precisamos, então, criar condições de poder transferir gradativamente recursos dos encargos da dívida, dos déficits, das políticas compensatórias, que, por sua natureza, deveriam ser temporárias, para a educação.

Ou fazemos isso em curto ou médio prazo, ou a União não cumprirá a função a ela atribuída pelo art. 211 da Constituição Federal, que diz:

Art. 211....................................................................

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios

 

 

Sem uma opção clara de ampliar em pelo menos 50% os recursos da União para a educação, não teremos dinheiro suficiente para fazer um bom FUNDEB, e o Plano de Desenvolvimento da Educação a ser anunciado não fará a revolução educacional que Lula pregou em sua campanha por um segundo mandato e que o povo brasileiro, esperançoso, conferiu-lhe.

 

 

Ouço com prazer o nobre Deputado Sebastião Madeira.

 

 

O Sr. Sebastião Madeira - Deputado Antonio José Medeiros, do Piauí, somos de Estados irmãos, pois sou do Maranhão. Inicialmente, quero parabenizar V.Exa. pelo pronunciamento, mas também o Instituto Dom Barreto, em Teresina, no Piauí, que sempre se destaca no ENEM e que, no último exame, foi a escola melhor classificada no Brasil. Aquela instituição de ensino foi objeto de uma reportagem da revista Veja e também mereceu outras menções na imprensa nacional. O Governo poderia aprender com a experiência do Instituto Dom Barreto sobre educação de boa qualidade, sem faustos. A reportagem da revista Veja revela que o referido Instituto Dom Barreto é uma escola com instalações relativamente simples, mas cujo foco está na educação e estímulo aos professores e alunos. Os alunos permanecem 8 horas por dia na escola, e o resultado éesse: a primeira colocação no ENEM foi alcançada por uma escola do Piauí, um dos Estados mais pobres do Brasil. Posso dizer isso sem que haja qualquer ofensa, porque sou de um Estado irmão, que tem índices de pobreza talvez atémaiores.

 

 

Está aí o exemplo de que, para oferecer boa educação, não épreciso tanto dinheiro. Diz a reportagem da Veja que os bons colégios de Brasília, de Porto Alegre, de São Paulo e do Rio de Janeiro cobram mensalidades 3 vezes mas caras do que o Instituto Dom Barreto. Meus parabéns, Deputado Antonio José Medeiros. Se bem entendi, V.Exa. acha que as políticas compensatórias deveriam reverter para a educação. Olhe, acho muito difícil convencer os brasileiros pobres de que o Bolsa Família deve acabar. O Governo pode conseguir mais recursos para a educação modificando sua política econômica, diminuindo a taxa de juros, por exemplo. Veja V.Exa. que 200 bilhões de reais são gastos anualmente apenas para amortizar os juros da dívida brasileira, e cada ponto percentual do aumento dos juros aumenta o déficit da Previdência. Muito obrigado.

 

 

O SR. ANTONIO JOSÉ MEDEIROS - Eu é que lhe agradeço, Deputado Sebastião Madeira. Também ressalto em meu pronunciamento os encargos da dívida, de 240 bilhões anuais. Mas acredito que o crescimento econômico vá gerar mais riqueza e que poderemos canalizar esses recursos para a educação.

 

 

O próprio Presidente Lula e o Ministro Patrus Ananias têm anunciado que a Bolsa Família precisa de uma porta de saída. É importante que os beneficiados pelos programas de qualificação profissional que se pretende implantar, pelo microcrédito, pelo incentivo ao empreendedorismo, depois de atingirem uma renda mais elevada devolvam os cartões do programa. Defendo que cada real economizado das políticas compensatórias, além daqueles a que V.Exa. faz referência, seja canalizado para a educação.

 

 

Quanto ao Instituto Dom Barreto, quero ressaltar que, na visita que fizemos ao Instituto, juntamente com o Governador Wellington Dias e com o Deputado Federal Nazareno Fonteles, ficou acertado um convênio para transferência de metodologia de ensino e de modelo de gestão para escolas públicas do Piauí. Mas o Instituto Dom Barreto, originário de uma comunidade de freiras e hoje dirigido por leigos militantes católicos, não ésimplesmente uma escola privada, é bom que se diga.

 

 

Além da escola freqüentada pela classe média, que paga de 450 a 500 reais por mês, o Dom Barreto mantém gratuitamente uma escola de ensino médio no bairro Satélite, periferia de Teresina, e este ano, pela primeira vez, oferecerá também a 3ª série do ensino médio. No final do ano, portanto, os alunos dessa escola da periferia também farão as provas do ENEM. Teremos uma oportunidade muito boa para comparar o desempenho no ENEM de alunos da classe média e de alunos de famílias mais pobres submetidos à mesma metodologia de ensino, ao mesmo projeto pedagógico. Acho que esses dados nos mostrarão o que realmente importa para a capacidade de assimilação e de desenvolvimento intelectual dos alunos.

 

 

Concedo um aparte à Deputada Manuela D'ávila.

 

 

A Sra. Manuela D'ávila - Deputado Antonio José Medeiros, quando dispomos de dados como esses, podemos compreender elementos que estão além da sala de aula. O aprendizado é mais simples — não menos meritório — para o estudante que não precisa se preocupar, por exemplo, com o custo da sua locomoção até a escola, o estudante que não sofre com o alto preço do transporte público, que tem boa alimentação, que não vê pai e mãe angustiados por falta de emprego. Há uma espécie de rede de proteção para os estudantes da classe média brasileira. Parabenizo o Estado do Piauí. Eu também condenei o preconceito manifestado pela jornalista a que se referiu V.Exa. — já escrevi a ela — contra um dos Estados do nosso País. O bom desempenho de uma escola no Piauí não é crime; o preconceito contra os Estados é que é. Mas temos de pensar em como superar as outras contradições. Como fazer com que os estudantes estejam realmente com a cabeça na sala de aula? Refiro-me principalmente aos alunos mais carentes, aos adolescentes que precisamos envolver no projeto de desenvolvimento nacional do Presidente Lula. Parabéns pelo seu pronunciamento, Deputado Antonio José Medeiros. Sua preocupação deve ser uma obsessão para todos aqueles que querem melhorar a qualidade do crescimento de nosso País. Não há no mundo país de crescimento sólido que não tenha seus jovens em sala de aula, devidamente tratados, e não marginalizados, como se vê tantas vezes aqui.

 

 

O SR. ANTONIO JOSÉ MEDEIROS - Agradeço o aparte da nobre Deputada Manuela D'ávila, que aqui representa, com muita legitimidade, a juventude e os estudantes brasileiros.

 

 

Às vezes os tecnocratas não percebem esses outros elementos e agem como se a educação, milagrosamente, pudesse resolver tudo. Não, temos também de atentar para os condicionamentos socioeconomicos que há no País. A comparação que poderemos fazer no final do ano entre as 2 escolas será muito interessante.

 

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, retomando o que eu dizia antes dos apartes, a segunda questão preliminar remete ao sistema de ensino que queremos, com definição de competências e do regime de colaboração entre os entes da Federação. Devemos relembrar alguns pontos definidos na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB.

 

 

No Capítulo ll do Tíluto Vlll da Constituição, definimos os princípios estruturantes de nosso sistema de ensino. No art. 208, ao se explicitar como se efetiva o dever do Estado com a educação, de fato se definem os vários níveis e modalidades de ensino, hierarquizado-os: ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive na modalidade EJA, de competência dos Estados e dos Municípios; ensino médio progressivamente universal e gratuito, de competência prioritária dos Estados; educação especial, de competência de ambos; e creche e pré-escola, de competência prioritária dos Municípios.

A novidade constitucional foi a inclusão da creche no sistema educacional, com estabelecimento no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de prazo para sua incorporação ou transferência para os sistemas de ensino. Faço referência ao art. 7º, inciso XXV, da Constituição, que não pode passar despercebido. A assistência gratuita aos filhos e dependentes em creches e pré-escolas no art. 7º é direito dos trabalhadores.

 

 

E adianto um posicionamento meu: a responsabilidade pela manutenção das creches deve ser partilhada pelo Ministério da Educação e também pelas políticas de saúde e de assistência social.

 

 

É bom lembrar também o art. 23, parágrafo único, da Constituição Federal, que estabelece que leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

 

 

Na verdade, há uma questão que nem sempre se gosta de explicitar. Há consenso em que o municípios assumam educação infantil, pré-escola e creche e os Estados, o ensino médio. A própria medida provisória do FUNDEB reforça essa idéia, ao vincular a distribuição de recursos para o ensino médio às escolas estaduais e para a educação infantil às escolas municipais. Chegou a hora de transformarmos prioridade em exclusividade: só os municípios podem oferecer educação infantil e só os Estados poderem oferecer ensino médio.

 

 

Quanto ao ensino fundamental, a questão é mais complexa. O FUNDEF universalizou o ensino fundamental, e agora a tendência é a municipalização. Não terei tempo de ler todos os dados de que disponho, por isso peço que meu pronunciamento seja considerado lido na íntegra. Entre eles, ressalto que a rede municipal de ensino do Brasil detinha apenas 37,8% da matrícula antes do FUNDEB e hoje detém 53,7%.

Nesse ritmo, até o final dos 14 anos previstos para a vigência do FUNDEB, teremos a total municipalização do ensino fundamental. É o que queremos? De 17 anos de educação básica, 14 com o Município e apenas 3 com o Estado? Está na hora de discutirmos essa questão como preliminar do debate sobre a repartição de recursos e de competências entre os entes federativos.

 

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, há muitas questões específicas, de caráter técnico, fiscal, político e administrativo, envolvidas no FUNDEB. Vou discuti-las mais demoradamente na Comissão de Educação. Hoje, neste plenário, levanto questões de natureza mais política. Há várias emendas no Núcleo de Educação do PT. Apresentei a medida provisória e também fui o porta-voz das proposições apresentadas ao Conselho de Secretários de Educação, todas incorporadas como emendas, para garantir o debate.

Gostaria de encerrar chamando a atenção para uma questão crucial. A qualidade tem de vir sempre junto com a equalização. A educação é um fator de democratização de oportunidades, de redução de desigualdades sociais. Qualidade sim, com justiça!

Este o caminho do FUNDEB, do plano de desenvolvimento da educação que o Presidente Lula e o Ministro Fernando Haddad devem anunciar até o fim deste mês e que deverá contemplar todas as necessidades que temos em matéria educacional. Este será um passo a mais, além do FUNDEB, para fazermos a revolução educacional de que o Brasil precisa.

 

 

O SR. PRESIDENTE (Vicentinho) - Enquanto V.Exa. se pronunciava, lembrei-me com muito carinho do grande Prof. Paulo Freire, que dizia que se a educação não é o único, é o mais importante instrumento de transformação.

 

 

(PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO PELO GABINETE)

 

 

O SR. ANTONIO JOSÉ MEDEIROS (Bloco/PT-PI. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. E Srs. Deputados, vivemos um momento decisivo para o futuro da educação no Brasil. Três acontecimentos importantes confluíram para produzir este momento. Primeiro, o FUNDEB; segundo, os resultados do SAEB e do ENEM; terceiro, o anúncio pelo Presidente Lula de que lançará, em breve, o pacote da educação.

 

 

De fato, no final de 2006, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional que cria o FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, regulamentado logo em seguida pelo Presidente da República, através da Medida Provisória no 339 de 28 de dezembro de 2006, e atualmente tramitando nesta Casa.

 

 

Coincidentemente, em janeiro, foram divulgados os resultados do SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica (de fato, direcionado para o ensino fundamental) e do ENEM, Exame Nacional do Ensino Médio, apontando para uma queda no desempenho das escolas públicas e particulares de todo o país, nos últimos dez anos, embora tenhamos muitas escolas com excelente nível, como éo caso do Instituto Dom Barreto, em Teresina, no meu querido Piauí, classificada em primeiro lugar para o ensino médio.

 

 

Aproveito, aliás, a oportunidade para mais uma vez parabenizar o Instituto Dom Barreto, que visitei recentemente, em companhia do Governador Wellington Dias e do deputado federal Nazareno Fonteles. E para fazer alguns esclarecimentos, inclusive para combater visões preconceituosas estampadas em alguns jornais do Sudeste com circulação nacional, estranhando que uma escola do Piauí, logo do Piauí, fosse a primeira colocada. É bom saber que jáfaz alguns anos que o Dom Barreto se coloca entre as dez primeiras escolas do Brasil, no ENEM. Que em outras competições nacionais e internacionais, como Olimpíadas de Matemática, Química e Física, alunos daquela escola têm obtido excelente classificação, ficando, por exemplo, entre os três primeiros lugares na fase internacional dessas olimpíadas, realizada na Holanda e nas Filipinas.

Nesse contexto, as medidas a serem anunciadas pelo Presidente Lula ou são uma resposta ao desafio lançado pelas avaliações divulgadas ou não cumprirão o seu papel. Ainda temos problemas de universalização das oportunidades de estudo, mas soou a hora da qualidade. Sem um salto qualitativo na educação não se sustenta nenhum programa de desenvolvimento com distribuição de renda. Sem um salto qualitativo na educação não ocuparemos um lugar pró-ativo no mundo globalizado que a revolução da telemática está criando. È hora de ação concreta, de compromisso, senão permaneceremos em nossa velha retórica liberal e bacharelesca sobre enaltecer a importância da educação ou na cantoria tecnocrática de louvor à Coréia e outros países, muitas vezes insensível às dimensões sociais e culturais da educação.

 

 

Sr. Presidente, Srs. Deputados, nesse mesmo espírito é que devemos fazer o debate sobre a medida provisória do FUNDEB, nas Comissões e no Plenário desta Câmara Federal. O FUNDEB tem suas especificidades, mas deve ser visto como parte de uma estratégia mais ampla de universalização do acesso e de elevação do padrão de qualidade da educação básica.

 

 

Vale ressaltar, de início, o que o FUNDEB representa de avanço.

Se o FUNDEF contribuiu para a universalização do ensino fundamental, o FUNDEB vem atender à nova aspiração da sociedade brasileira que quer ver seus filhos tendo a oportunidade de, por um lado, prosseguir seus estudos no ensino médio, ou por outro lado, de começar mais cedo sua vida escolar na pré-escola ou mesmo na creche.

Em segundo lugar, FUNDEB, assim como o FUNDEF, continua um fundo constituído basicamente por recursos dos estados e municípios; mas a participação da União aumenta significativamente no FUNDEB, sobretudo porque este Congresso aperfeiçoouo projeto original, garantindo que, a partir de quarto ano, a União contribuirá para o fundo com, no mínimo, dez por cento do total dos recursos alocados pelos estados e municípios.

Enfim, a criação de uma Junta de Acompanhamento tripartipe, com representantes do MEC, do CONSED Conselho dos Secretários Estaduais de Educação e da UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação éum avanço a registrar. Uma prerrogativa que, no âmbito do FUNDEF, era reservada ao Presidente da República, agora é transferida para um fórum representativo, com poderes para negociar adequações e flexibilizações que se fizerem necessários na macro-gestão do fundo.

 

 

Mas, algumas insuficiências do FUNDEB precisam ser apontadas, bem como algumas distorções que ele herda do FUNDEF. Para este debate é que quero contribuir. E gostaria de fazê-lo de uma perspectiva mais ampla. Do contrário, os conflitos distributivos inerentes ao FUNDEB virarão guerras santas ou, no mínimo, alimentarão polêmicas de viés corporativista. A distribuição de recursos entre os níveis e modalidades de ensino (creche, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio, educação profissional, educação especial, educação indígena e EJA), bem como a atribuição de encargos à União, aos estados e municípios e a repartição de recursos entre estes dois últimos deve ser analisada à luz da melhoria do padrão de qualidade da educação pública e da equalização de oportunidades para todos os brasileiros, nas diferentes regiões do país e de todas as camadas sociais, sobretudo as mais pobres.

 

 

Duas questões preliminares precisam, então ser levantadas:

 

 

1a) como atingir um patamar satisfatório de alocação de recursos para a educação;

 

 

2a) como queremos estruturar nosso sistema de ensino, definindo as competências e o regime de colaboração entre os entes da federação;

 

 

Quanto a primeira questão, devemos de início lembrar as vinculações constitucionais da receita para a educação, de 18% para a União e 25% para os estados e municípios, para alguns 30% por decisão estadual ou municipal. Serão esses recursos suficientes. Certamente não, uma vez que eles não chegam aos 5% a 7% do PIB, padrões internacionalmente reconhecidos como necessários para se garantir uma boa educação. Já na discussão do Plano Nacional de Educação (Lei sancionada no início de 2001), esse debate foi feito e a definição de um percentual do PIB como meta para gastos com a educação foi vetada.

 

 

 

 

 

 

Chegamos a uma situação orçamentária levados mais pelas circunstâncias e por algumas decisões políticas equivocadas, do que por opções de política pública, democraticamente definidas. A União gastou com a educação R$ 23,9 bilhões. Ora, além do alto peso da dívida pública R$ 240 bilhões, a União gastou mais com saúde R$ 44,31 bilhões, com o déficit da Previdência R$ 48,5 bilhões, com assistência social R$ 65,5 bilhões, aí incluídos a aposentadoria de trabalhadores rurais, a bolsa família, o seguro desemprego, outros benefícios sociais. Queremos manter esse perfil de distribuição dos recursos orçamentários Precisamos criar condições de poder transferir recursos de encargos da dívida, de déficits e de políticas compensatórias (que por sua natureza deveriam ser temporárias) para a educação. Ou fazemos isso, ou a União não cumprirá a função a ela atribuída pelo artigo 211 da Constituição Federal: A União ... exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Sem uma opção clara de ampliar em pelo menos 50% os recursos da União para a educação não teremos o dinheiro suficiente apara fazer um bom FUNDEB e o pacote da educação a ser anunciado não fará a revolução educacional que Lula pregou em uma campanha por um segundo mandato e que o povo, esperançoso, lhe conferiu.

 

 

Quanto à segunda questão sobre o sistema de ensino que queremos, definindo as competências e o regime de colaboração entre os entes da federação- devemos começar também relembrando alguns pontos definidos na Constituição e na LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

 

 

 

 

No capítulo II do Título VIII da Constituição, definimos os princípios estruturantes de nosso sistema de ensino. No artigo 208, ao se explicitar como se efetiva o dever do Estado com a educação, de fato se definem os vários níveis e modalidades de ensino, hierarquizando-os: ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive na modalidade EJA, competência dos estados e dos municípios (art 211, 1); ensino médio progressivamente universal e gratuito, competência prioritária dos estados (art 211, 1); educação especial; creche e pré-escola.

 

 

A novidade constitucional foi a inclusão da creche no sistema educacional, estabelecendo inclusive prazo no ADCT para sua incorporação aos sistemas de ensino, embora no artigo 7, inciso XXV, a Constituição ainda use a expressão assistência gratuita aos filhos e dependentes em creches e pré-escolas como um dos direitos dos trabalhadores.

 

 

Essa referência constitucional não pode passar despercebida. E aqui já adianto um posicionamento meu: a manutenção das creches deve ser partilhada com as políticas de saúde e assistência social.

 

 

É bom lembrar também o artigo 23, parágrafo único da Constituição Federal: leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. A própria lei do FUNDEB ou talvez lei complementar específica, uma vez que a LDB em lei ordinária, deve fixar normas que definam melhor as competências dos entes federados em matéria de educação para evitar uma guerra por aluno e para que estados e municípios comecem a perceber a cooperação tributária mútua como colaboração e não como perda.

 

 

Na verdade, temos uma questão nem sempre explicitada a resolver. Há consenso em que os municípios assumam a educação infantil e os estados o ensino médio. A própria medida provisória do FUNDEB reforça essa idéia ao vincular a distribuição de recursos para esses níveis de ensino apenas para os entes federados que os têm como prioridade (artigo 211 da CF). Chegou a hora de transformarmos prioridade em exclusividade só os municípios oferecem educação infantil e só os estados oferecem ensino médio. Até porque, progressivamente, devemos tornar o ensino médio obrigatório e a própria educação infantil (pelo menos, a pré-escola). Essa é a consequência, a médio prazo, do FUNDEB.

 

 

Questão mais complexa é a do ensino fundamental, cuja universalização era o objetivo do FUNDEF, hoje o único nível obrigatório, e como tal competência dos estados e dos municípios.

 

 

Ora, o FUNDEF não só universalizou o ensino fundamental; ele estimulou sua municipalização. Alguns estados, como o Ceará e o Pará chegaram a assumir a municipalização como uma política pública explícita. Outros como nós no Piauí não alimentaram a competição; pelo contrário, transferiram o ensino fundamental rural para os municípios e fazem a permuta do uso diurno de salas das escolas estaduais pelos os municípios com o uso noturno de salas de escolas municipais pelo estado.

Os números são claro. Em 1996, antes do FUNDEF, no Brasil como um todo, a rede municipal detinha apenas 37,8 da matrícula do ensino fundamental público; hoje, a rede municipal soma 13.032.659 alunos (53,7) e a rede estadual apenas 11.228.957 alunos (46,3). Os casos extremos são o Ceará, onde a rede municipal tem 87,2% das matrículas do ensino fundamental e São Paulo, onde a municipalização do ensino fundamental já chegou 42,9%; no Piauí, meu estado, a rede municipal representa 77,4%.

 

 

Nesse ritmo, os municípios terão quase 90% da matrícula do ensino fundamental ao final dos 14 anos do FUNDEB, em 31 de dezembro de 2020. É isso o que queremos É o melhor para o Brasil termos como competência do município 14 dos 17 anos que constituem a educação básica da creche ao ensino médio Essa divisão administrativa de trabalho tem influência sobre a universalização e qualidade do ensino Precisamos explicitar essa questão, senão não teremos referências mais seguras para o debate da repartição de recursos entre estados e municípios, para as bases e os limites da transferência de recursos entre os entes federados. Éjusto que a União contribua com o FUNDEB até o limite de 10% do montante do Fundo e que não haja limites para a transferência para os municípios de recursos estaduais colocados no fundo Ora, os dois entes têm as mesmas obrigações constitucionais de assistência técnica e financeira.

Concretamente, hoje, nas projeções do FUNDEB para o primeiro ano, o estado do Ceará transferirá aos municípios 63% dos recursos que ele coloca no fundo, o Piauí 49,7%; São Paulo transfere apenas 16,7%. Essas questões não podem ser respondidas no círculo fechado do FUNDEB. As questões levantadas pelo FUNDEB devem ser discutidas à luz da melhoria do ensino, de um padrão mínimo de qualidade, do papel equalizador dos estados internamente em seu território e da União nacionalmente; e ainda da justiça fiscal e social, considerando a capacidade fiscal de cada ente federado e sua situação sócio-econômica, com base no IDH, por exemplo.

 

 

 

 

Sr. Presidente, Srs. Deputados, há muitas questões específicas, de caráter técnico, fiscal ou político envolvidas no FUNDEB. Vou discuti-las mais demoradamente na Comissão de Educação. Hoje, neste Plenário, me propus a levantar questões políticas mais gerais e, a meu ver, até preliminares ao FUNDEB.

 

 

Gostaria de encerrar, contudo, chamando a atenção para uma questão crucial. O FUNDEF fez uma equalização intra estadual entre as redes estadual e municipal. Mas, manteve-se a desigualdade inter-estadual. O valor por aluno do Piauí éde R$ 720,00 reais por ano; em São Paulo é de R$ 1.500,00. Não bastasse essa grande diferença, intra FUNDEF e que se manterá no FUNDEB, o salário-educação contribui ainda mais para a desigualdade educacional. Enquanto São Paulo recebe R 1,7 bilhão de reais, representando um valor de R$ 318,00 por aluno, o Piauí recebe R$ 3.712,000,00, representando R$ 26,89 reais por aluno.

 

 

A educação é um fator de democratização de oportunidades, de redução das desigualdades sociais. Qualidade sim, com justiça! Esse é o caminho do FUNDEB, esse é o caminho das medidas que o Presidente vai anunciar.

 

 

Era o que eu tinha a dizer, Senhor Presidente.

 

 

 

 

( da redação com informações de assessoria)