31 de julho de 2025

Nordeste e os Negros.

Deputados da região destacaram a importância de se combater o racismo; Sarney Filho e Zelinda Novaes, do Maranhão e Bahia, marcaram posição.

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( Brasília-DF,13/05/2004)  Nordestinos foram destaque na sessão solene do “ Dia Nacional do Combate Racismo”. Sarney Filho(PV-MA) e Zelinda Novaes(PFL-BA) falaram e destacaram o papel do negro e suas lutas. Os dois estados, junto com o Rio de Janeiro, são onde se encontram as maiores comunidades negras do país

 

 

Confira os dois discursos, na íntegra:

 

 

Fala de Sarney Filho, que , também, foi o autor do requerimento da sessão desta quinta.

 

 

 

 

“Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados

 

 

No mês de fevereiro, um dentista, supostamente confundido com um bandido, foi morto por policiais em São Paulo. Em março, uma ministra de Moçambique e um grupo de mulheres brasileiras sofreram constrangimento quando jantavam num hotel de Brasília. No dia quatro de maio, atores do filme “Cidade de Deus” foram abordados de forma humilhante por um policial militar no estacionamento de um supermercado paulista. Episódios aparentemente tão diferentes apresentaram uma característica comum: em todos, as vítimas eram negras.

 

 

Começo meu discurso com esses três casos já bem noticiados, Sras. e Srs. Deputados, porque, ao se registrar o Dia Nacional de Combate ao Racismo, não faltará quem pense que é um exagero, que o País não precisa disso.

 

 

Infelizmente, não, não é um exagero. Se pessoas conhecidas do público e com posição de certo destaque na sociedade sofrem agressões e constrangimentos desse tipo, podemos deduzir, sem grande esforço, que a rotina do cidadão negro no Brasil é ainda muito pior. A discriminação existe, está presente no cotidiano e, embora tenhamos uma data fixa para homenagear os que combatem ao racismo, precisamos enfrentá-lo e condená-lo em todos os dias do ano.

 

 

Como Joaquim Nabuco já avisava, a abolição era necessária mas não suficiente para resgatar nossa dívida com os negros. O 13 de maio de 1888, Dia da Abolição, é um primeiro passo que espera pela continuidade da inclusão social dos descendentes de escravos, e pelo fim do menosprezo com que são tratados. É um equívoco a idéia de que no Brasil não há discriminação racial e que, se um grande número de negros ainda está em posição econômica inferior, isso será resolvido com o tempo.

 

 

Nas últimas décadas da luta do Movimento Negro o louvor da Abolição foi abandonado, e o 13 de maio tornou-se Dia Nacional de Combate ao Racismo.

 

 

Entretanto, mesmo ressaltando os limites da Abolição, alguns historiadores, como Mario Maestri, alertam que “celebrar o 13 de maio não significa reafirmar os mitos da emancipação social do negro, em 1888, ou de Isabel, a Princesa Redentora; significa recuperar a importância da superação da ordem negreira e da participação dos trabalhadores escravizados como agentes essenciais do nosso passado”.

 

 

Os estudiosos, os ativistas negros e as estatísticas oficiais coincidem na constatação das desigualdades de cor no Brasil, fonte e conseqüência da discriminação racial.

 

 

Conforme os Indicadores Sociais 2003 do IBGE, enquanto entre os brancos de 15 anos ou mais a taxa de analfabetismo é de 7,5%, entre os negros alcança 16,7% e, entre os pardos, 17,3%. A média de anos de estudo da população de 10 anos ou mais de idade chega a 7,1 anos para os brancos, 5,5 para os pretos e 5,2 para os pardos.

 

 

Quando se fala do rendimento mensal da população ocupada, os brancos ganham em média R$ 812 e os pretos e pardos, só R$ 409. Considerando os 10% mais pobres da população, 35% são brancos e 65% pretos ou pardos. No lado contrário, tomando os 1% mais ricos, 86% são brancos e apenas 14% negros ou pardos.

 

 

Por discordar frontalmente dessa situação, o Partido Verde, cuja bancada tenho a honra de liderar nesta Casa, fez questão de declarar, em seu manifesto de fundação, que estará sempre “ao lado das mulheres, dos negros, das chamadas minorias, de todos os grupos vítimas de opressão generalizada ou específica”. E foi além, ao apontar, entre os 12 valores dos verdes, “a diversidade, a troca e a integração cultural, étnica e social para uma sociedade democrática e existencialmente rica, contra todas as formas de preconceito e discriminação racial, cultural, etária ou de orientação sexual”.

 

 

É com essa clareza que defendemos o combate a todas as formas de discriminação racial e homenageamos hoje os que pugnam por isso. Coincidentemente, a Unesco decidiu celebrar o bicentenário da Revolução Haitiana declarando 2004 “Ano Internacional em Comemoração às Lutas Contra a Escravidão e sua Abolição”, o que reforça os motivos desta homenagem. A memória de Tousaint Louverture e Hensi Dessalines deve ser sempre reverenciada como símbolo.

 

 

Parte do trabalho contra a discriminação se faz, sem dúvida, divulgando a cultura negra e estudando a epopéia da raça. É por isso que quero saudar o lançamento, aqui, do livro “O negro no Maranhão – A escravidão, a liberdade e a construção da cidadania”, e o pré-lançamento do documentário “Quilombos Maranhenses – Cultura e Política”.

 

 

O livro é de autoria do jornalista Manoel Santos Neto, que ao longo de 15 anos vem pesquisando a escravatura e os jornais do século 19. Trata-se da primeira publicação do projeto “Imprensa 200 Anos – Memória Maranhão”, desenvolvido pela Associação Maranhense de Imprensa.

 

 

O filme é baseado no roteiro vencedor do “Programa  de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro” e está sendo realizado por uma equipe do Grupo de Comunicação e Educação Popular Terra de Preto, entidade sediada no Maranhão, sob a coordenação do jornalista e cineasta Cláudio Farias.

 

 

Com livros e filmes como esses, podemos valorizar a cultura de origem africana, fazendo com que seja melhor compreendida pela sociedade brasileira em geral. Com políticas afirmativas, podemos acelerar o desenvolvimento pessoal, a formação e a inserção do negro em igualdade de condições no mercado de trabalho. Com participação política e propostas legislativas bem definidas, podemos avançar no combate à discriminação.

 

 

Porém, tudo isso faz parte de algo maior, que é a conscientização da sociedade e sua efetiva mobilização. Da mesma forma como em 1888 um amplo movimento social foi capaz de forçar o Império a editar a Lei Áurea, se a sociedade do século XXI se colocar nitidamente contra a discriminação, esta terá seus dias contados.

 

 

O Brasil, que há 116 anos deu um basta à escravidão, hoje precisa dizer NÃO à discriminação racial que permanece como uma de suas grandes seqüelas!

 

 

Muito obrigado. “

 

 

 

 

leia agora o discurso de Zelina Novaes(PFL-BA):

 

 

O SR. PRESIDENTE (Sarney Filho) - Passo a palavra à Deputada Zelinda Novaes, que falarápelo Partido da Frente Liberal. S.Exa. dispõe de 5 minutos.

 

 

A SRA. ZELINDA NOVAES (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, na pessoa do Juca, nosso conterrâneo, saúdo a Mesa, os Parlamentares e as autoridades civis, militares e eclesiásticas presentes.

 

 

É com muita alegria que venho, em nome do meu partido, o PFL, participar desta sessão solene em homenagem ao Dia Nacional de Combate ao Racismo.

 

 

Alegria porque desta vez temos realmente o que comemorar. Refiro-me à implantação do sistema de cotas para negros em algumas universidades brasileiras e ao projeto de estender esse sistema para indígenas, posteriormente.

 

 

Durante décadas, desde a abolição da escravatura, sustentamos no Brasil o mito hipócrita da existência de uma democracia racial, tese facilmente derrubada pelas estatísticas. Mais recentemente, em grande parte por mérito dos próprios negros organizados, passamos a admitir e a denunciar a existência de racismo no Brasil. Só agora, no entanto, estão sendo tomadas medidas efetivas para combater essa abominável forma de discriminação.

 

 

A experiência internacional mostra que as ações afirmativas dão resultado sim. Nos Estados Unidos, onde essas políticas começaram a ser adotadas no final dos anos 60, a porcentagem dos afro-americanos entre 25 e 29 anos que se formaram nas universidades aumentou de 5,4% para 15,4%, triplicando a classe média negra graduada.

 

 

O abismo entre negros e brancos no Brasil é vergonhoso e precisa ser urgentemente reduzido. Segundo dados do IBGE divulgados em meados do ano passado, entre o 1% da população mais rica do País, 88% são brancos, e, entre os 10% mais pobres, 70% são negros ou pardos.

 

 

A mesma pesquisa também revela que, com o mesmo nível de escolaridade e com trabalho na mesma profissão, os negros recebem 57% dos salários dos brancos.

 

 

Eu gostaria de enfatizar que outra medida importante para o combate ao racismo é o ensino da valorização das diferenças, que deve ser aplicado em todas as escolas e em todos os níveis, o que certamente criará um hábito de convívio mutuamente respeitoso entre alunos e professores de diferentes raças.

 

 

Sabe-se hoje que, no nosso ambiente escolar, pratica-se um racismo insidioso e difuso, silencioso e habitual, fundamentado em representações negativas do estudante negro que repercutem de maneira muito prejudicial no seu desempenho escolar.

 

 

O Sistema de Avaliação da Educação Básica revela que os alunos negros são excluídos prematuramente da escola e sofrem uma sistemática queda de desempenho. A verdade é que a escola não é tão eficaz para os negros como é para os brancos, ou seja, as desigualdades raciais são responsáveis pelas desigualdades educacionais.

 

 

Isso contribui de forma decisiva para a perpetuação dos negros e pardos nas camadas inferiores da pirâmide social. Sem uma escolarização adequada, acrescenta-se mais uma desvantagem à longa lista de dificuldades a que estão condenados já ao nascerem.

 

 

É por esse motivo que nós, do PFL, saudamos o início da adoção de políticas afirmativas no Brasil, com o sistema de cotas para o ingresso de negros em algumas de nossas universidades, e também a promulgação de leis que valorizam o conhecimento da cultura e da história negras no Brasil.

Hoje, quando comemoramos o Dia Nacional de Combate ao Racismo, quero parabenizar aqueles que lutam pelo fim do preconceito em nosso País e reiterar o apoio do PFL a todas as iniciativas neste sentido.

 

 

Era o que eu tinha a dizer.

 

 

Obrigada”.

 

 

( da redação com assessorias e Câmara Federal)