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Jorge Henrique Cartaxo
  • 14/10/2020 22h11

    Tensões na Corte

    Agora, em 2020, no doloroso ano da pandemia, o atual decano do STF acolheu 79 pedidos de soltura, o que não significa, necessariamente, apenas 79 “criminosos”

    Tribunal da Inquisição Espanhola - Francisco Goya( Foto: Arquivo do colunista)

    Novidadeiro esse Brasil!

    O ministro Marco Aurélio Mello tem uma predileção incomum por soltar traficantes, corruptos e criminosos de toda ordem, que foram apanhados pela nebulosa e lenta justiça brasileira. Em 2018, numa só canetada, o gongórico ministro do STF ofereceu a doce liberdade a onze traficantes ligados ao PCC, condenados pela Décima Primeira Vara da Justiça Federal do Ceará, em 2017. Em maio de 2019, portanto um ano depois da condenação, a primeira turma do STF, acolhendo parecer do ministro Alexandre de Moraes, derrubou a decisão do ministro Mello, determinando o recolhimento dos onze traficantes. E dai? Um ano depois, eles já deviam estar devidamente recolhidos em alguma mansão perdida na Bolívia, no Paraguai ou até mesmo no Brasil.

    Agora, em 2020, no doloroso ano da pandemia, o atual decano do STF acolheu 79 pedidos de soltura, o que não significa, necessariamente, apenas 79 “criminosos” presenteados com a liberdade pela mais alta Corte do País. O mesmo habeas corpus pode contemplar mais de um preso. Não entram nessa conta os beneficiados cujos processos tramitam em segredo de Justiça. A maioria desses 79 habeas corpos atende a condenados por tráfico de drogas e organização criminosa, acusados de homicídio qualificado, tentativa de feminicídio, corrupção ativa e outros crimes menores.  É justo sublinhar que o ministro Marco Aurélio Mello aceitou, nesse mesmo ano de 2020, pelo menos 68 pedidos de prisão preventiva, que o destino lhe fez chegar às mãos pelos escaninhos do “aureolado” STF. Mas há outras decisões emblemáticas na saga jurídica do ministro Marco Aurélio. Ele liberou o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, que fugiu em seguida para a Itália, abriu as grades para o ex-goleiro Bruno, condenado por matar Eliza Samúdio e ofereceu a liberdade para Regivaldo Pereira Galvão, vulgo Taradão, que assassinou a missionária norte-americana Dorothy Mae Stang. Decisões, à sua época, com expressivas repercussões. Mas nada que tenha abalado, até então, a famosa fleuma do eminente decano.

    Curiosamente, no último sábado, os tons de cinza da caneta do ministro Mello começaram a se dissipar. Nas vésperas do dia de Nossa Senhora Aparecida, ele concedeu liberdade ao narcotraficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap. Antes do final daquele mesmo dia, o presidente do STF, Luiz Fux, caçou a decisão. A mídia, parte do Congresso, das polícias, o governador de São Paulo e setores do próprio judiciário foram com gana na jugular do decano.

     A história do traficante e as filigranas jurídicas que envolvem a decisão do seu habeas corpus já foram por demais debatidas nos jornais, rádios e televisão. A pergunta que não encontramos na polêmica que anima nossa incansável República é: por que só agora? Afinal, o ministro Marco Aurélio Mello sempre tratou esses casos com evidente e conhecida liberalidade. Teria o ministro Fux – que certamente não agiu sozinho – visto na polêmica decisão de Marco Aurélio um gancho para recolocar o Supremo Tribunal Federal numa linha de recuperação de imagem, abalada por desencontro internos e por conter parte dos desmandos da Presidência da República? Seria uma forma indireta, de recuperar o debate sobre a prisão em segunda instância? Ou há mais coisas entre o céu e terra do que simples aviões de carreira? A conferir!


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