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Edson Vidigal
  • 15/08/2019 15h37

    Garzon, o Juiz

    Dois anos depois de concluir, aos 24 de idade, o curso de Direito na Universidade de Sevilha, aprovado em concurso, foi nomeado Juiz

    Baltazar Gárzon, o juiz( Foto: Carta Maior)

    Ninguém da sua geração conseguiu impor tantas derrotas à corrupção política, à delinquência econômica, ao narcotráfico, ao terrorismo - inclusive o de Estado, desmantelando organizações criminosas que agiam à solta pelos desvãos dos três poderes, sem nunca descuidar, ao mesmo tempo, da persecução implacável dos que pisotearam, e ainda pisoteiam, os mais sagrados dos direitos, os direitos humanos.

    Baltazar Garzón tinha 32 anos de idade quando chegou a Madrid para assumir o cargo de Juiz Central de Instrução n.5 da Audiência Nacional.

    A aparência jovem parecia sonegar a experiência e a coragem. Logo veriam que Baltazar Garzón não era apenas um Juiz sem vínculos pessoais importantes e vindo do interior. 

    Dois anos depois de concluir, aos 24 de idade, o curso de Direito na Universidade de Sevilha, aprovado em concurso, foi nomeado Juiz. No ano seguinte, foi promovido a titular da 1ª. Instância e Instrução de Villacarrillo, província de Jaén (Andaluzia). Daí, ascendeu a Corregedor Geral para toda região.

    Seu trabalho na Audiência Nacional fez crescer a confiança popular na Justiça. 

    Garzón investigou por lavagem de dinheiro o BBVA, o segundo maior banco da Espanha. Emparedou Berlusconi, então Primeiro Ministro da Itália, por corrupção. Mandou prender terroristas, traficantes, políticos, fechou rádios, jornais e suspendeu o Partido Comunista, quando restou provado o vínculo com o braço terrorista do ETA, o movimento separatista basco.

    O Juiz sem medo pensou que na política poderia ampliar os espaços da sua ação. Queria conhecer a baleia por dentro. Na lista do PSOE, o partido que despontava majoritário sob a liderança jovem de Felipe Gonzalez, Garzón foi o mais votado. 

    No Governo, assumiu a direção do Plano Nacional Antidrogas. Renunciou ao cargo e ao mandato denunciando que a corrupção se entranhara demais na engrenagem estatal. 

    O Juiz Garzón logo compreendeu que o PSOE tinha os votos, mas lhe faltava a experiência para governar.

    Retornando à magistratura, cuidou de desmantelar um grupo de extermínio criado sob a proteção do partido do Governo para matar membros e simpatizantes do ETA. Todos os figurões que condenou e mandou prender foram indultados pelo novo Presidente do Governo, agora de direita, José Maria Aznar.

    No campo dos direitos humanos, deixando os academicismos de lado e indo diretamente à ação, expediu ordem de prisão do General Pinochet, acusado de mandar torturar e matar não só milhares de chilenos, mas também cidadãos espanhóis durante a ditadura que chefiou. 

    Depois de meses na Inglaterra, Pinochet teve voltar ao Chile escudado na imunidade do cargo de Senador vitalício, que ele criou para si antes de restituir o poder aos civis. 

    Garzón conseguiu um acordo de 8 milhões de dólares para as espanhóis vítimas da ditadura chilena, ou familiares, pagos pela Riggs National Corp, que ajudou o general-ditador a lavar dinheiro.

    No mesmo quesito, o Juiz sem medo abriu investigações sobre a Operação Condor criada pela ditadura militar argentina para dar sumiço, e deu, a milhares de opositores. As investigações ainda seguem. Muitos estão presos. O general-ditador Jorge Videla morreu na cadeia.

    O prestígio popular de Baltazar Garzón não só na Espanha como em toda a União Europeia cresceu tanto que organizações de defesa dos direitos humanos, inclusive dos Estados Unidos, cogitaram indicar-lhe ao Prêmio Nobel da Paz.

    Odiado pelos nacionalistas bascos, jurado de morte pelos chefões do tráfico, desdenhado pelas forças políticas mais conservadoras, em especial as mais corruptas, Garzón perdeu força em sua corporação e de Juiz passou à condição de réu, sob a acusação de ter autorizado um grampo numa cela onde os investigados de um rumoroso caso de corrupção de políticos conversavam com os seus advogados, o que é inadmissível.

    Baltazar Garzón tinha 56 anos de idade quando o Supremo Tribunal da Espanha o condenou afastando-o da magistratura por 11 anos sob a acusação de ter ordenado a gravação de conversas entre acusados de um caso de corrupção. Não pode trabalhar como advogado na Espanha. 

    “Uma vida inteira dedicada à magistratura e de repente te dizem que acabou. É para ficar desolado. Compartilho da sua dor”. Disse Francisco Baena, o advogado, impedido de recorrer da sentença porque a decisão foi unânime.

    Nas alegações finais em sua defesa, Garzón escreveu:

    “O Tribunal do homem é a sua consciência, disse Emmanuel Kant. Eu posso dizer que minha consciência está tranquila porque tenho procurado aplicar a lei em defesa das vítimas; para investigar crimes cuja permanência ofende a dignidade humana e a sua impunidade transforma as instituições em inimigas do direito e a sociedade em cúmplice do esquecimento e da omissão e da falta de memória”.

    Nosso Juiz sem medo escreveu um livro editado pela Editorial Planeta, de Barcelona, que está na 3ª. Edição, 1.029 páginas – “Em El Punto de Mira, la forja de um Juiz a contracorrente”. Não sei se há edição em português. 

    Ao final, Garzón adverte:

    “Abrir la puerta a la primeira injusticia és hacerlo a todas las que lós seguin”. (...)

    Agora, em tradução livre:

    “No mundo sempre fará falta um Juiz para indagar, para perseguir o crime e confortar as vítimas. Por isso, tenho a certeza de que, inevitavelmente, nunca deixarei de estar num ponto de mira”.

    Nada a ver? Tudo a ver? Conclua você.

    Edson Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

     

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    15.08.19

     

                                                         


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