31 de julho de 2025

Estados Unidos desistiu de Jair Bolsonaro e se voltou para o pragmatismo, diz importante diplomata norte-americano

Por Politica Real com agências
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Experiente diplomata diz que Trump desistiu de Bolsonaro Foto: G1

Por BBC

 

(Brasília-DF, 25/10/2025)   Neste sábado, 15, véspera de um esperado e então inimaginável encontro entre os presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em Kuala Lampur, na Malásia, durante uma cúpula da Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático).a BBC News publicou uma entrevista com um importante diplomata Thomas Shannon serviu como embaixador dos EUA no Brasil entre 2009 e 2013.  Ele diz que os Estados Unidos desistiu de apoiar os ex-presidente Jair Bolsonaro.

"Trump sabe que sua tentativa de proteger Bolsonaro da prisão e garantir que ele pudesse disputar eleições fracassou", afirma o diplomata.

Mesmo após Trump impor as tarifas contra o Brasil e sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) baseadas na Lei Magnitsky, Bolsonaro foi condenado pela corte a 27 anos e 3 meses de prisão por golpe de Estado e outros crimes.

A segunda razão, segundo Shannon, é que Trump foi convencido de que as tarifas sobre produtos brasileiros prejudicariam empresas e consumidores americanos.

"Acho que o presidente foi exposto, por meio do setor privado americano, a uma espécie de curso intensivo sobre o impacto que essas tarifas teriam no dia a dia de muitos americanos", ele diz.

Para o diplomata, Trump sentiu que estava mal informado ou foi induzido ao erro ao sancionar o Brasil, e assumiu para si a responsabilidade de reverter o quadro.

"O que ele fez, ao estilo Trump, foi transformar um problema bilateral entre dois países em um encontro pessoal positivo, e usou esse encontro para mudar o tom da conversa entre os dois países", diz.

"No mundo da diplomacia, isso é um movimento muito inteligente", afirma.

No entanto, Shannon não acredita que essa reaproximação signifique a reversão das sanções contra ministros do STF e outras figuras políticas. Na visão dele, as negociações entre EUA e Brasil devem se concentrar em questões econômicas.

Diplomata de carreira, Shannon foi embaixador dos EUA no Brasil entre 2009 e 2013, nomeado pelo então presidente Barack Obama.

Também ocupou o cargo de Subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental — principal posto diplomático dos EUA para a América Latina — e, posteriormente, o cargo de Subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, a terceira posição mais alta da chancelaria americana.

Ele se aposentou do serviço público em 2018 e hoje atua como assessor sênior de Política Internacional no escritório de advocacia americano Arnold & Porter, contratado pelo governo brasileiro para tentar reverter as tarifas em Washington.

Questionado sobre sua atuação no caso, disse que não poderia comentá-la por questões contratuais.

 

Veja a íntegra da entrevista:

 

 

BBC News Brasil - Brasil e Estados Unidos estão enfrentando uma crise na relação, mas houve gestos recentes de reaproximação. Qual é a sua visão sobre o cenário atual?

 

Thomas Shannon - Considerando onde estava a relação em agosto e no início de setembro, acho que estamos em um momento muito positivo. Os gestos que você mencionou foram feitos pelo presidente dos Estados Unidos e depois pelo presidente do Brasil. E são gestos muito importantes, porque sinalizam para uma burocracia maior a direção que os dois líderes querem tomar na relação.

 

O fato de terem tido uma conversa telefônica, planejarem novos encontros e deixarem claro que pretendem trabalhar para fortalecer a relação deve ser aplaudida. Então, estou bastante otimista.

 

BBC News Brasil - O que o senhor acha que levou o presidente Trump a suavizar o tom contra o Brasil? Foi só a "química" que ele disse ter tido com Lula quando se encontraram na ONU?

 

Shannon - Isso foi parte da história. O encontro na ONU quase certamente foi planejado — se não pelo presidente Lula, com certeza pelo presidente Trump.

 

Trump sabia que o Brasil sempre fala primeiro e os Estados Unidos em segundo. Então ele sabia que quase certamente encontraria Lula. Mas acho que não foi isso que motivou a mudança na postura.

 

Trump estava adotando uma estratégia que, quase certamente, continuaria até pelo menos as eleições brasileiras. Era um longo período.

 

E as tarifas não apenas teriam impacto no Brasil, mas também nos Estados Unidos — não apenas nos consumidores americanos, mas nas empresas americanas que dependem de produtos brasileiros ou que têm empresas brasileiras em suas cadeias de suprimento. E elas teriam que aumentar os preços de seus produtos.

 

Isso se tornaria cada vez mais controverso e desafiador, especialmente se o Brasil não desse sinais de ceder — e o Brasil não deu sinais de ceder.

 

Acho que Trump entendeu que foi mal informado ou induzido ao erro [ao sancionar o Brasil] e que caberia a ele tirar os EUA dessa situação e tentar criar uma solução.

 

Parabéns ao presidente Trump, porque o que ele fez, ao estilo Trump, foi transformar um problema bilateral entre dois países em um encontro pessoal positivo, e usou esse encontro para mudar o tom da conversa entre os dois países. No mundo da diplomacia, isso é um movimento muito inteligente.

 

BBC News Brasil - O senhor acha que os pedidos de Trump pela anulação do julgamento de Bolsonaro foram retirados da mesa?

 

Shannon - Sim, foram — mas pelas ações das instituições brasileiras. Acho que Trump entendeu que sua tentativa de intervir em processos criminais no Brasil e de interferir em um processo eleitoral no Brasil não iria prosperar.

 

BBC News Brasil - Mas Trump insistiu nesse tema por várias semanas. Como essa questão perdeu relevância tão rápido?

 

Shannon - Acho que perdeu relevância principalmente porque o Brasil deixou muito claro que não iria ceder. E a instituição brasileira em questão — o Supremo Tribunal Federal — deixou muito claro que iria continuar com a acusação e manter a proibição de Bolsonaro concorrer nas próximas eleições. Uma vez que isso ficou evidente, o que os Estados Unidos poderiam fazer?

 

BBC News Brasil - Ao mesmo tempo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) continua sendo recebido por autoridades do governo americano e afirmando que as coisas estão indo bem para o lado dele. Como analisar essas duas realidades?

 

Shannon - Há algumas maneiras de ver isso. Primeiro, Trump não vai abandonar Bolsonaro. Ele o considera um amigo com visões políticas semelhantes. Mas é interessante notar que, em todas as comunicações com Lula, Bolsonaro não é mencionado. E não é mencionado porque Trump sabe que sua tentativa de proteger Bolsonaro da prisão e garantir que ele pudesse disputar eleições fracassou.

 

Diante disso, o que resta fazer? Ele valoriza a lealdade e quer deixar claro que não vai abandonar Bolsonaro — mesmo que não possa mais ajudar.

 

BBC News Brasil - Mas a tentativa de Trump de influenciar o julgamento de Bolsonaro é página virada?

 

Shannon - Sim. Por que ele vai fracassar de novo quando já fracassou uma vez? Trump é astuto nesse ponto. Ele sabe quando não pode avançar em uma frente e procura outra.

 

BBC News Brasil - Então o senhor está dizendo que a nova postura dos EUA está relacionada à economia e aos impactos das tarifas, inclusive para os consumidores americanos?

 

Shannon - Com certeza. Veja, o interessante sobre a presença do Brasil nos Estados Unidos é que ela é, em grande parte, invisível para o americano médio. Mas o Brasil faz parte da vida cotidiana de muitas pessoas.

 

Está no café que bebemos, nos hambúrgueres e no frango que comemos, nos voos regionais em aviões menores fabricados por empresas como a Embraer. E também está presente em diversas cadeias de suprimento: alumínio, aço, suco de laranja, margarina, entre outras.

 

Acho que o presidente foi exposto, por meio do setor privado americano, a uma espécie de curso intensivo sobre o impacto que essas tarifas teriam no dia a dia de muitos americanos.

 

BBC News Brasil - O senhor acha que Trump está buscando formas de recuar nas tarifas?

 

Shannon - Estou quase certo disso. Acho que é nessa área que teremos novidades. Mas ficaria muito surpreso se houvesse algum avanço sobre as sanções do tipo Magnitsky ou as revogações de vistos.

 

BBC News Brasil - As sanções aos ministros do STF serão mantidas?

 

Shannon - Vamos ver, pode ser que encontrem uma saída, espero que sim. Mas acho que a principal preocupação no momento é o impacto econômico das tarifas.

 

BBC News Brasil - Quando o senhor acha que as tarifas podem ser retiradas?

 

Shannon - Depende do ritmo das negociações. E, se não forem retiradas, vão ser reduzidas drasticamente ou vários produtos ficarão isentos.

 

BBC News Brasil - O senhor está certo disso?

 

Shannon - Tão certo quanto alguém poderia estar sobre qualquer coisa no mundo. Afinal, se nada acontecer com as tarifas, qual foi o motivo dessa mudança na postura?

 

Essa reunião na ONU foi significativa. Trump não só encontrou Lula, mas também mencionou o encontro em seu discurso, elogiando o presidente brasileiro. Isso foi um compromisso expressivo. E ele seguiu adiante — como sabemos — com tuítes, ligações, e ambos os lados trabalhando para agendar novos encontros. Isso é considerável.

 

 

 

BBC News Brasil - Essa reaproximação entre Brasil e EUA ocorre ao mesmo tempo em que as relações entre EUA e Venezuela estão se deteriorando. O senhor vê alguma conexão entre esses dois movimentos?

 

Shannon - Não. No mundo de Trump, são eventos muito separados.

 

BBC News Brasil - O senhor acha possível uma ação militar dos EUA na Venezuela?

 

Shannon - Não sei. Acho que o presidente e seu governo tentam apresentar as ações militares no Caribe como operações antidrogas. Então, se houver algum ataque militar na Venezuela, ele provavelmente será justificado da mesma forma.

 

O presidente começou seu mandato disposto a negociar com os venezuelanos e encontrar um caminho. Os venezuelanos acharam que, ao aceitar deportados e oferecer cooperação em petróleo e gás, conseguiriam algum tipo de acordo com os EUA. Mas é importante lembrar que Trump tentou uma mudança de regime na Venezuela no seu primeiro mandato. E ele continua muito preocupado com o que vê como caos interno na Venezuela.

 

Ele provavelmente não vê o governo Maduro como um parceiro confiável no longo prazo. Então Trump quer deixar claro que o governo venezuelano se mantém ou cai conforme a vontade dele. E é notável como a região tem se mantido calada diante dessas ameaças. Só o [presidente colombiano, Gustavo] Petro tem falado com mais contundência.

 

BBC News Brasil - Se houver um ataque à Venezuela, como isso pode impactar a relação Brasil-EUA?

 

Shannon - Depende do tipo de ataque. Se for contra uma base usada por traficantes, ainda assim será duramente criticado.

 

BBC News Brasil - E se for uma operação para mudança de governo?

 

Shannon - Será amplamente rejeitada na região, com algumas exceções. Mas, no geral, não é algo que a América Latina aceitaria.

 

BBC News Brasil - Isso poderia arruinar a reaproximação entre Brasil e EUA?

 

Shannon - Criaria muitos problemas. Mas, de novo, depende. Se a reaproximação for puramente econômica, focada nas tarifas, ela pode continuar mesmo com um grande desentendimento político.

 

BBC News Brasil - O senhor mencionou o papel de atores privados na reaproximação entre Brasil e EUA. Como se deu essa pressão silenciosa?

 

Shannon - Não sei todos os detalhes e também não quero vincular pessoas ou empresas a esse processo. Mas não há dúvida de que a principal fonte de informação para o presidente provavelmente foram empresas americanas com acesso direto à Casa Branca.

 

Mas também há empresas brasileiras, com forte presença e investimentos nos EUA, que têm acesso — se não ao presidente, a pessoas ao seu redor. Isso é uma lição importante para a diplomacia brasileira: às vezes, a comunicação mais eficaz não é de governo para governo, mas do setor privado para o governo.

 

A presença do Brasil nos EUA é impressionante, ainda que pouco reconhecida. E essa presença pode ser um canal de comunicação poderoso em momentos de crise. Todos merecem ser parabenizados por isso.

 

BBC News Brasil - Quando Trump disse que o secretário de Estado americano, Marco Rubio, lideraria as negociações dos EUA com o Brasil, muitos no Brasil avaliaram essa escolha como negativa para o governo brasileiro, pois Rubio é conhecido por ser bastante crítico à esquerda latino-americana. As posições de Rubio podem influenciar essas negociações?

 

Shannon - Primeiro, ele é o Secretário de Estado e o Conselheiro de Segurança Nacional. Ou seja, é a autoridade mais importante em política externa. Ao designar Rubio para essa missão, Trump está ressaltando a importância da negociação. Em segundo lugar, o presidente já deixou claro o rumo que quer tomar: ele quer fazer mais negócios com o Brasil e que a relação seja ótima. Rubio vai trabalhar para isso.

 

Isso não significa que ele e outros membros do governo deixaram de ter preocupações políticas — especialmente com o papel do STF na política eleitoral brasileira. Mas eles sabem que o foco agora é avançar no lado econômico. E acho que é isso que Rubio fará.

 

BBC News Brasil - Há relatos sobre um embate em curso dentro do governo dos EUA entre um grupo mais ideológico — do qual Rubio faz parte — e outro mais pragmático e favorável a uma reaproximação com o Brasil. Como avalia essa disputa?

 

Shannon - Todos os governos têm diferentes pontos de vista sobre questões importantes. É assim que nosso sistema funciona. É como um problema de Física, com vetores diferentes colidindo até sair um único vetor. Esse vetor depende da força e da influência envolvidas.

 

O presidente é quem decide. Ele ouve todos os lados e determina qual será a política dos EUA. Acho essas diferenças saudáveis. Elas ajudam o presidente a ter uma visão completa antes de tomar uma decisão.

 

 

BBC News Brasil - Algumas pesquisas no Brasil indicam que o conflito com os EUA foi politicamente bom para Lula, que viu sua aprovação aumentar. A Casa Branca está ciente disso?

 

Shannon - Sim. Parte da explicação dada a Trump sobre por que ele não conseguiria o que queria foram os dados das pesquisas, que mostraram que as tarifas tiveram um impacto negativo dramático para Bolsonaro e sua família. E também que, além de estabilizar Lula nas pesquisas, permitiram que ele subisse pela primeira vez em muito tempo.

 

Isso é notável. Mas não é algo novo para Trump — ele viu algo semelhante no Canadá após seus embates com [o primeiro-ministro] Mark Carney e na Austrália com [o primeiro-ministro Anthony] Albanese.

 

O presidente está aprendendo que suas tentativas de se envolver na política interna nem sempre têm o efeito esperado — às vezes têm o efeito contrário.

 

BBC News Brasil - Qual é sua visão geral sobre a estratégia que o Brasil vem adotando desde o início desta crise?

 

Shannon - Acho que o Brasil seguiu o único caminho possível. Os brasileiros nunca permitiriam que uma potência estrangeira se inserisse em um processo criminal ou determinasse quem poderia ou não ser candidato. A questão era conseguir resistir e manter essa posição. Sempre acreditei que daria certo.

 

BBC News Brasil - Muitos não estão acostumados com o fato de o Brasil ter tanta visibilidade na agenda da Casa Branca. Trump tem falado muito sobre o Brasil, algo raro entre presidentes dos EUA. Ele está realmente interessado no Brasil?

 

Shannon - Acho que, agora, sim. No começo do mandato dele, ele chegou a dizer, referindo-se ao Brasil e à América do Sul: "não precisamos dessas pessoas" referindo-se a energia e produção agrícola. Mas acho que ele mudou de ideia — primeiro em relação ao Brasil, depois em relação à Argentina.

 

BBC News Brasil - Por quê? Tem a ver com o avanço da China na região?

 

Shannon - Em parte sim, mas muito disso tem a ver com questões internas dos EUA. Houve um reconhecimento crescente de que as tarifas prejudicariam politicamente o presidente nos próprios Estados Unidos. E esse costuma ser o fator decisivo.

 

Se os EUA mantivessem um confronto prolongado com o Brasil, isso abriria espaço para a China se aproximar ainda mais do país. O Brasil historicamente evitou ser dependente de uma única potência. Nunca temi que o Brasil entrasse na órbita da China. Mas os EUA e suas empresas perderiam oportunidades valiosas — e isso seria muito ruim.

 

BBC News Brasil - Há sinais de que o Brasil poderia oferecer aos EUA acesso a minerais estratégicos e terras raras como contrapartida à reversão das tarifas. A estratégia pode funcionar?

 

Shannon - Sim. Minerais críticos e terras raras serão centrais no desenvolvimento e nos processos industriais do século 21. Se Brasil, Argentina, Bolívia, Chile e outros tiverem acesso a esses recursos, serão parceiros muito valorizados. Isso deixa o Brasil numa posição de força para negociar.

 

 

 

( Por BBC com edição de Política Real)