31 de julho de 2025
MUNDO

MUITO MAIS QUE GUERRA COMERCIAL: Decisão da China sobre limitar o acesso de suas terras raras aos EUA e Europa é visto como estratégico para novas gerações

VEJA

Por Política Real com agências
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A China está a usar o seu domínio sobre a mineração e processamento de terras raras como uma ferramenta geopolítica Foto: AFP

Com agências

(Brasília-DF, 11/10/2025). Ainda nessa sexta-feira,10, os mercados financeiros caíram após os comentários de Donald Trump nas redes sociais alertando para uma nova tarifa de 100% sobre a China, com o índice S&P 500 fechando em queda de 2,7% — a maior desde abril.

A China domina a produção de terras raras e alguns outros componentes essenciais de carros, smartphones e muitos outros itens.

Na última vez que Pequim reforçou os controles de exportação — depois que Trump aumentou as tarifas sobre produtos chineses no início deste ano —, houve reclamações de muitas empresas americanas dependentes desses materiais.

A montadora Ford chegou a ter que suspender temporariamente sua produção.

Além de endurecer as regras para as exportações de terras raras, a China abriu uma investigação de monopólio sobre a empresa de tecnologia americana Qualcomm, o que pode impedir a aquisição de outra fabricante de chips.

Embora a Qualcomm tenha sede nos EUA, uma parcela significativa de seus negócios está concentrada na China.

Pequim também anunciou que cobrará novas taxas portuárias de navios com vínculos com os EUA, incluindo aqueles de propriedade ou operados por empresas americanas.

"Coisas muito estranhas estão acontecendo na China!", escreveu Trump nesta sexta. "Eles estão se tornando muito hostis."

Os EUA e a China estão em uma frágil trégua comercial desde maio, quando ambos os lados concordaram em reduzir as tarifas de três dígitos sobre os produtos um do outro — as quais quase interromperam o comércio entre os dois países.

Após as negociações, as tarifas americanas sobre produtos chineses chegaram a uma cobrança adicional de 30% em comparação ao início do ano, enquanto os produtos americanos que entram na China enfrentam uma tarifa de 10%.

Representantes de ambos os países realizaram desde então uma série de negociações sobre assuntos como o TikTok, compras agrícolas e o comércio de tecnologia avançada, como semicondutores.

Os dois lados devem se reunir novamente este mês em uma cúpula na Coreia do Sul.

O especialista em China Jonathan Czin, membro da Brookings Institution (Instituição Brookings, um centro de pesquisas), disse que as movimentações recentes de Xi são uma tentativa de moldar as próximas negociações.

O analista destaca que a recente decisão sobre terras raras não entra em vigor imediatamente.

Para Czin, a China não está preocupada com a retaliação dos EUA.

"O que a China aprendeu com as tarifas do 'Dia da Libertação' [como Trump chamou a data em que anunciou tarifas contra vários países] e o ciclo de escalada seguido de desescalada é que o lado chinês tinha uma tolerância maior à dor", avalia.

"Da perspectiva deles, o governo Trump vacilou."

Em rodadas anteriores de negociações, a China pressionou por restrições americanas mais flexíveis sobre semicondutores. Também está interessada em garantir políticas tarifárias mais estáveis ​​que facilitariam a venda de suas empresas para os EUA.

Xi já havia usado como vantagem o domínio de seu país na produção de terras raras.

Mas as regras de exportação divulgadas por Pequim esta semana têm como alvo fabricantes estrangeiros da área de defesa, o que as torna particularmente graves, diz Gracelin Baskaran, diretora do programa de segurança de minerais críticos do Center for Strategic and International Studies (Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais), com sede em Washington.

"Nada impulsiona os Estados Unidos mais do que mirar nossa indústria de defesa", afirma Baskaran.

"Os EUA terão que negociar porque temos opções limitadas e, em uma era de crescente tensão geopolítica e potencial conflito, precisamos construir nossa base industrial de defesa."

DOMÍNIO CHINÊS

O domínio da China sobre terras raras — minerais essenciais para sistemas eletrônicos, automotivos e de defesa — confere à China uma vantagem significativa sobre os Estados Unidos durante as negociações comerciais em andamento.

Com controle sobre cerca de 60% da produção global de terras raras e quase 90% do refino, a China vem intensificando seu controle impondo restrições à exportação de elementos de terras raras e ímãs permanentes.

"Toda a economia mundial depende desses ímãs da China", disse à DW Jost Wübbeke, sócio-gerente da empresa de pesquisa Sinolytics, com sede em Berlim, especializada em economia e política industrial da China. "Se você parar de exportar esses produtos, isso será sentido em todo o mundo."

As interrupções na cadeia de suprimentos resultantes de restrições anteriores já atingiram duramente as indústrias americanas. A montadora Ford, por exemplo, anunciou em maio que foi forçada a reduzir a produção de SUVs em Chicago devido à escassez. Os fornecedores de autopeças Aptiv e BorgWarner anunciaram que estavam desenvolvendo motores com teor mínimo ou nenhum de terras raras para combater as restrições de fornecimento.

Michael Dunne, consultor automotivo com foco na China, disse ao The New York Times em junho que as restrições impostas pela China "poderiam paralisar as montadoras americanas".

Estoques americanos em declínio

Uma pesquisa da Câmara de Comércio Americana na China, realizada em maio, constatou que 75% das empresas americanas esperam que seus estoques de terras raras se esgotem em poucos meses. Produtores americanos pressionaram Washington a negociar o fim das restrições e, durante as negociações comerciais em Londres em junho, a China concordou em acelerar as aprovações de licenças de exportação, embora ainda persista um grande acúmulo de pedidos. As recentes restrições à exportação da China ameaçam reverter os recentes esforços de ajuda.

O uso estratégico de terras raras pela China como ferramenta geopolítica não é novidade. Em 2010, Pequim suspendeu as exportações para o Japão por dois meses em meio a uma disputa territorial, provocando picos de preços e expondo riscos à cadeia de suprimentos.

Gabriel Wildau, diretor-gerente da Teneo, empresa de consultoria para CEOs sediada em Nova York, alertou que o regime de licenciamento de exportação da China é permanente, não apenas uma resposta às tarifas de Trump. Em nota a clientes em junho, ele escreveu que "os cortes de fornecimento continuarão sendo uma ameaça constante", sinalizando a intenção da China de manter a vantagem sobre os Estados Unidos.

Indústria europeia também é prejudicada pelas restrições da China

Os Estados Unidos não são a única economia afetada pela escassez de terras raras. A União Europeia depende da China para 98% de seus ímãs de terras raras, necessários para componentes automotivos, caças e dispositivos de imagem médica.

A Associação Europeia de Fornecedores Automotivos alertou em junho que o setor "já estava passando por interrupções significativas" devido às restrições à exportação impostas pela China, acrescentando que elas causaram "a paralisação de várias linhas de produção e fábricas em toda a Europa, com impactos adicionais esperados nas próximas semanas, à medida que os estoques se esgotam".

Alberto Prina Cerai, pesquisador do Instituto Italiano de Estudos Políticos Internacionais (ISPI), disse à DW que Bruxelas precisa urgentemente "ganhar tempo".

"Em termos de escala, nós [o Ocidente] não conseguimos alcançar a China", alertou. "Eles têm uma cadeia de suprimentos integrada, da mina ao ímã, que é muito difícil de replicar." Mas, embora uma dissociação completa da China seja "impensável" a curto prazo, ele disse que a UE deveria "gerenciar essa interdependência com uma estratégia industrial coerente".

A Comissão Europeia, braço executivo do bloco, pretende produzir 7.000 toneladas de ímãs da UE internamente até 2030, de acordo com a Lei de Matérias-Primas Críticas, com vários projetos de mineração, refino e reciclagem em andamento. Uma enorme planta de processamento de terras raras foi inaugurada na Estônia este ano, e outra grande instalação no sudoeste da França estará em operação em 2026.

( da redação com informações de agências, DW e BBC. Edição: Política Real)