Ministro Edson Fachin assume presidência do Supremo Tribunal Federal, em longo discurso, falando de racionalidade, diálogo e discernimento; veja a íntegra do documento
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(Brasília-DF, 29/09/2025) O ministro Edson Fachin assumiu na tarde desta segunda-reira, 29, a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) pelos próximos dois anos e num longo discurso de 19 páginas afirmou que sua gestão será guiada por racionalidade, diálogo e discernimento.
“O país precisa de previsibilidade nas relações jurídicas e confiança entre os Poderes. O Tribunal tem o dever de garantir a ordem constitucional com equilíbrio”, afirmou.
O ministro buscará estimular o diálogo entre os Poderes e a estabilidade institucional. Esse diálogo se dará sem exclusões nem discriminações, visando a um relacionamento institucional integrado e participativo. “Nosso compromisso é com a Constituição. Repito: ao Direito, o que é do Direito. À política, o que é da política”.
Prioridade a grupos silenciados
Uma das ênfases da gestão será a aplicação da Constituição com atenção prioritária a grupos historicamente esquecidos, silenciados ou discriminados, e Fachin citou especificamente a população negra, os povos indígenas, as mulheres e as crianças. “É hora de ouvir mais. Grupos vulneráveis não podem ser ignorados. A escuta é um dever da Justiça, e com a garantia do espaço de autodeterminação das origens plurais das pessoas, povos e comunidades, em igual dignidade”, ressaltou.
Edson Fachin assegurou que a pauta de julgamentos será construída de forma colegiada, privilegiando as ações em que a Corte reafirme seu compromisso com os direitos humanos e fundamentais. “A pauta é da instituição, e não apenas da Presidência” ressaltou.
Desafios contemporâneos
O novo presidente listou uma série de desafios complexos para o Judiciário, como o aumento da judicialização de demandas sociais, as mudanças climáticas, os impactos da transformação digital, a desinformação e o crime organizado em rede.
Um dos objetivos do ministro é estruturar a transformação digital do Judiciário a partir da governança de tecnologia, com foco nos usuários dos serviços públicos digitais, possibilitando a transparência a partir do acesso a dados estruturados e acessíveis. Para Fachin, a revolução digital deve ser acessível e transparente e estar a serviço da cidadania e da inclusão. O objetivo, explicou, é aproximar o Judiciário do povo, reduzindo barreiras e ampliando a compreensão pública sobre sua atuação.
Combate à corrupção e ao crime organizado
Para Fachin, o Judiciário não deve cruzar os braços diante da improbidade. “A resposta à corrupção deve ser firme, constante e institucional”.
No campo da segurança pública, anunciou a intenção de estudar a criação de uma rede nacional de juízes criminais especializada em organizações criminosas, além de um “tripé de ações” que incluiria um Mapa Nacional do Crime Organizado e um pacto interinstitucional para seu enfrentamento.
Judiciário
Dirigindo-se aos mais de 18 mil juízes do país, o presidente do STF afirmou que magistrados educam também por seus exemplos. Ele destacou a necessidade de um padrão remuneratório digno para a carreira, que assegure a independência funcional, não perpetue privilégios nem dilua seu senso de propósito.
Para o ministro, a transparência é a chave quanto às modalidades de remuneração. Nesse sentido, afirmou que terá respeito intransigente à dignidade da carreira, mas também à contenção de abusos. “A independência judicial não é um privilégio, e sim uma condição republicana. Um Judiciário submisso, seja a quem for, perde sua credibilidade”, concluiu.
Veja a íintegra do discurso de Fachin:
Excelentíssimos Senhores:
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; Presidente do
Senado Federal, Davi Alcolumbre; Presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta; Procurador-Geral da República, Paulo
Gonet; Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto
Simonetti; e o Defensor-Público-Geral Federal, Leonardo Cardoso de
Magalhães, saúdo cordialmente.
Cumprimento também o Ministro Luís Roberto Barroso, a quem
sucedo; o Ministro Alexandre de Moraes, agora vice-presidente; a
Ministra Carmen Lúcia, agradecendo suas generosas palavras; e os
Ministros Decano Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Kassio
Nunes Marques, André Mendonça, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Na pessoa da Juíza Nancy Hernández, Presidente da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, cumprimento as autoridades
estrangeiras que nos honram com a presença.
Senhoras e Senhores,
Era uma manhã de sol e poeira. Meu pai e eu, vindos da colônia,
caminhávamos com pressa rumo à agência do Banco do Brasil.
Próximos ao centro, ele segurou meu braço e, em tom grave e
sereno, advertiu: diminua o passo, vá devagar, respeite — à frente
está o juiz da Comarca.
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Na simplicidade daquele gesto, havia a lição silenciosa do respeito.
Essa imagem de infância permanece viva em minha memória. Foi
esse juiz interior que, em 2015, tomou posse comigo neste Tribunal.
E é essa função paterna, agora amadurecida, que hoje me conduz à
Presidência.
Assumo, não um poder, mas um dever: respeitar a Constituição e
apreender limites. Buscaremos cultivar a virtude do discernimento,
para eleger, entre as tantas boas ideias que as administrações
anteriores tiveram, aquelas cuja hora tenha chegado, e para não
impedir de frutificarem aquelas já maduras.
Presidir o Tribunal guardião da Constituição do Estado de Direito
democrático, portanto, não confere privilégios: amplia
responsabilidades.
Da Presidência se despede um dos juristas mais talentosos da minha
geração, o Ministro Luís Roberto Barroso. Ao amigo fraterno desejo,
para o bem do país e de todos nós, que conserve sempre a vitalidade
intelectual, a inspiração que lhe é própria e a juventude de espírito
que o distingue.
Terei ao lado o Vice-Presidente Alexandre de Moraes, magistrado
que engrandece este Tribunal, e que aqui chegou com uma carreira
consolidada como jurista e professor de direito constitucional. É um
amigo e um juiz feito fortaleza. Sua Excelência, como integrante
deste tribunal, merece nossa saudação e nossa solidariedade, e
sempre a receberá, como assim o faremos em desagravo a cada
membro deste colegiado, a cada juiz ou juíza deste país, em defesa
justa do exercício autônomo e independente da magistratura.
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Estou certo de que o Tribunal que integro e que passo a presidir não
falta à Constituição nem deslustra a sua tradição. Com serenidade,
empenhar-me-ei na preservação dos valores que moldam a
identidade do Supremo Tribunal Federal.
Impende voltar-se ao básico. Queremos racionalidade, diálogo e
discernimento. Nossa matéria há de ser empírica e verificável. Antes
mesmo dos direitos ou das garantias temos deveres a cumprir. A
dinâmica que enlaça tradição e movimento projeta mudanças sem
açodamentos, senda na qual caminharemos.
Na cadeira de Presidente encontro não apenas um assento, e sim a
presença viva dos mestres que me formaram e a memória generosa
das pessoas que me apoiaram nesta caminhada.
Uma fé moldou a minha história. Como tantas mulheres brasileiras,
minha mãe contou com a educação como caminho de transformação.
Fui para a cidade grande estudar, sem passagem de volta. E hoje
estou aqui.
Da escola rural em que recebi das mãos de minha mãe as primeiras
letras ao me alfabetizar, guardo o melhor da minha formação: a
fidúcia e o compromisso. A minha caminhada foi feita desse legado,
concebido e nascido no Planalto Médio gaúcho e que se reconheceu
cultivado no Paraná.
Ingressei numa grande e histórica universidade pública, a
Universidade do Mate, única chance para fazer um curso
universitário. Ainda estudante da Universidade Federal do Paraná,
não me fiz indiferente ao que pulsa até hoje no prédio histórico de
1912. A terra das Araucárias me acolheu por adoção, e lá, de 1972,
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herdamos a histórica Declaração de Curitiba pela restauração da
democracia. Também lá, em 1978, a VII Conferência da OAB,
presidida por Raymundo Faoro, nos inspirou com a retomada do
Estado de Direito.
Hauri das salas de aula que a pátria deve ser uma mãe simbólica que
tece para seus filhos um laço de identidade coletiva, sem exclusões,
nem discriminações. É uma árvore frondosa cujo tronco se funda nas
diversas e fecundas raízes de nossas bases culturais. Por isso, o
Estado e a sociedade devem ser democráticos e republicanos.
Aprendi ainda mais com o desassombro e os embates de pessoas
como o professor paranaense José Rodrigues Vieira Netto,
catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Paraná, que defenderam a democracia e os direitos
fundamentais, e é pela obra deles que a nossa geração vive sob o
regime democrático.
Seguimos também a lição de Dalmo Dallari, que foi sequestrado e
espancado às vésperas da visita de João Paulo II em 1980, e ainda
assim, se fez presente, para falar ao Papa. Ele chegou numa
ambulância e em cadeira de rodas para proclamar a Carta aos
Romanos e disse: “É com o coração que se crê para alcançar a
justiça” (Romanos 10:10).
Tinha razões para tanto o professor Dalmo. A fé antecede as
instituições – e digo isso não necessariamente em sentido religioso,
e sim na perspectiva da ciência política. A mensagem é simples: só
há autoridade verdadeira quando há confiança coletiva no que é
justo. A determinação de Dallari foi testemunho de que, antes mesmo
das instituições, existe a crença que as materializa.
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Não se trata apenas de excluir razões que não sejam as da lei, mas
de querer que não haja outra razão senão a lei.
Sou de uma geração que carregou o sonho de um país melhor. Não
há poder maior que esse e é ele que amalgamou a Constituinte em
1988. Essa virtude — dar crédito antes mesmo de ver — precedeu
nossas conquistas republicanas e democráticas.
Não é menor a importância da rousseauniana virtude de quem
acredita na ética republicana e na força do trabalho com igualdade
de oportunidades e de recursos, e que, por isso mesmo, rejeita as
facilidades, os favores e a astúcia para burlar normas de conduta,
como também rejeita a censura, a violência, a truculência.
A Constituição de 1988 nasceu da resistência cívica, e antes dela
havia a chama da esperança. Ela informou o texto constitucional. Ela
continua acessa. E nós vamos mantê-la.
Senhoras e Senhores,
Renovo hoje nosso juramento e assumo a Presidência com esse
mesmo alento, com o respeito e a deferência ao dissenso e à
diferença.
Realçando a colegialidade, aqui venho a fim de fomentar estabilidade
institucional. O país precisa de previsibilidade nas relações jurídicas
e confiança entre os Poderes. O Tribunal tem o dever de garantir a
ordem constitucional com equilíbrio.
Hoje é dia de reafirmar compromissos. É mandatório respeitar as leis
e as instituições. Contudo, a verdade é que as pessoas precisam
querer e ter razões para confiar no sistema de justiça.
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Impende ter consciência das condições históricas que o presente
traduz. É tempo de realimentar os elementos fundantes da estrutura
do Estado brasileiro, e com isso reforçar os princípios que informam
a democracia na República.
Nosso compromisso é com a Constituição. Repito: ao Direito, o que
é do Direito. À Política, o que é da Política.
A espacialidade da Política é delimitada pela Constituição. A
separação dos poderes não autoriza nenhum deles a atuar segundo
objetivos que se distanciem do bem comum.
O genuíno Estado de Direito conduz à democracia. O governo de leis
e não o governo da violência: eis o imperativo democrático capaz de
zurzir o autoritarismo.
Sofre o Judiciário efeitos reflexos do cenário mundial de disputas pela
hegemonia global entre nações e corporações econômicas, com
largos efeitos sobre nosso país.
O Brasil, assim como grande parte das nações, sabe a uma
conjuntura econômica desafiadora, marcada por variáveis
interdependentes que extrapolam o campo estritamente econômico
e repercutem também nas esferas sociais, políticas e judiciais.
Senhoras e Senhores,
Jamais deixaremos de dialogar com os poderes e com a sociedade,
sem exclusões nem discriminações. Constituirá diretamente
atribuição desta Presidência a condução da conversação e do
relacionamento institucional, especialmente os diálogos republicanos
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entre os poderes, nada obstante o farei em caráter integrado e
participativo.
Sem embargo dessa disposição que será integral, a nossa matéria
prima está somente no sistema de justiça. Nossas diretrizes, por isso
mesmo, vertem preocupações e estratégias operacionais
específicas, a exemplo da inovação tecnológica, da inclusão social e
da transparência institucional, e com o fortalecimento da Justiça de
base, reforçando a confiança da população no Judiciário.
Assumo aqui compromisso de uma gestão austera no uso dos
recursos públicos pelo Judiciário. A diretriz será a austeridade.
Procuraremos distinguir o necessário do contingente. Contudo, se se
fizer do contingente aquilo que se impõe como necessário, não
hesitaremos em fazer a travessia das verdades dos fatos às
verdades da razão. E em momento algum titubearemos no controle
de constitucionalidade de lei ou emenda que afronte a Constituição,
os direitos fundamentais e a ordem democrática.
Para fazer a parte que nos toca, defendemos desde já um plano de
ação para o Poder Judiciário brasileiro.
Muitos são os desafios que estão presentes: judicialização crescente
de demandas sociais; dificuldades em se garantir acesso à justiça
aos mais vulneráveis em todos os rincões do país; alterações
climáticas, eventos extremos e disputas pelo uso e preservação dos
recursos naturais; impactos diversos, como os decorrentes das
novas tecnologias e da transformação digital; da automação
inteligente e da hiper conectividade; da biorevolução e dos problemas
éticos das biotecnologias; da desinformação no universo digital e fora
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dele; da transformação nos conteúdos, formatos e relações de
trabalho; do crime organizado em rede; e da transição demográfica.
E tudo isso em um ambiente internacional em forte transformação,
marcado por crescentes tensões geopolíticas e dominado pela
incerteza.
Para enfrentá-los deve o Poder Judiciário manter a missão de ser
acessível, íntegro, ágil e efetivo, para a garantia do Estado de Direito
democrático e promoção de direitos, por meio do respeito à
Constituição. São valores nessa jornada: os direitos humanos e
fundamentais, a segurança jurídica, a transparência, bem como a
sustentabilidade, a integridade e a ética, e ainda: eficiência e
efetividade, diversidade e equidade, cooperação, valorização das
pessoas, os ‘seres humanos de carne e osso’, com acessibilidade e
inclusão.
Mais especificamente nesse biênio, a gestão será guiada em seus
objetivos estratégicos, metas e indicadores, por compromissos claros
vincados pelos direitos humanos e fundamentais:
• segurança jurídica como base da confiança pública;
• sustentabilidade como dever intergeracional;
• diversidade, igualdade e respeito à pluralidade;
• transformação digital para aproximar a Justiça do povo;
• e, a permear tudo o mais, colegialidade na pauta, porquanto a força
desta Corte está no colegiado.
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A obrigação é aplicar a Constituição com atenção prioritária àqueles
que são historicamente esquecidos, silenciados ou discriminados.
Isso exige promover acesso à justiça, à diversidade, à paridade e ao
respeito à alteridade.
A confiabilidade da promessa de um futuro melhor depende também
que ele seja possível. Precisamos estar atentos para entender como
diferentes formas de desigualdade e discriminação não atuam
isoladamente, mas se cruzam e se reforçam mutuamente na vida das
pessoas.
Para o enorme número de pessoas negras neste país, essa, no
entanto, é sequer uma possibilidade. A grande força contida na
Constituição se firma pelo exemplo delas: preservaram sua fé — não
a da resignação, e sim aquela que funda a resistência. Essa é uma
herança viva que nos ensinou a sobreviver ao inominável e a
acreditar que a liberdade e a igualdade real ainda são possíveis.
Assegurar a igualdade e enfrentar a discriminação racial passa
também pela proteção das terras e das expressões culturais e modos
de vida.
Realço, ainda, em nossa gestão, o compromisso com a plena
liberdade de imprensa e a liberdade de pensamento e de expressão.
Princípios devem se converter em ações concretas. Para isso,
cumpre também fortalecer o ambiente institucional do Supremo
Tribunal Federal por meio de iniciativas estruturadas de valorização
e bem-estar dos servidores.
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Introduziremos novos mecanismos aptos a propiciarem mais estreito
diálogo entre conhecimento e experiência, entre teoria e prática,
pavimentando caminhos entre o Judiciário e a Academia. Para tanto,
endereçaremos nossos esforços na instalação de um centro de
estudos constitucionais. Desde já, com essa finalidade, a Presidência
passa a contar com uma específica assessoria acadêmica.
Também fomentaremos a institucionalização digital da transparência
como plataforma de acesso a dados, além de levarmos a efeito
projetos voltados para as relações institucionais com países da
América Latina.
Publicidade e acessibilidade da informação precisam estar juntas.
Vamos incrementar essas diretrizes, adotar critérios públicos com
dados e relatórios mediante uma matriz de relevância da pauta. A
pauta é da instituição e não apenas da Presidência.
Desse modo a Presidência se orientará por uma agenda de
julgamentos construída de forma colegiada, que privilegie as ações
em que a Corte reafirme seu compromisso com os direitos humanos
e fundamentais.
Nossa comunicação se dará por meio da linguagem cidadã,
promovendo transparência, proximidade com a sociedade e
credibilidade institucional, valendo-nos das ferramentas que colorem
as possibilidades criativas da arte e da cultura. Para tanto, criaremos
uma rede Nacional de Comunicação do Poder Judiciário.
Há ainda um grave desafio. Cumpre vigiar o ‘cupim da República’,
como o denominou Ulisses Guimarães, porquanto devem os
gestores e titulares de funções públicas em geral, de todos os
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poderes, resistir aos apelos de Circe, que mesmeriza e distorce o
espírito republicano. A resposta à corrupção deve ser firme,
constante e institucional. O Judiciário não deve cruzar os braços
diante da improbidade. Como fiz em todas as investigações que
passaram pelo meu gabinete, os procedimentos foram dentro das
normas legais, em atenção ao devido processo, à ampla defesa e ao
contraditório. Ninguém está acima das instituições, elas são
imprescindíveis e somos melhores com elas.
O Brasil é plural. Não devem também ser indiferentes ao Judiciário
as legítimas aspirações dos setores produtivos, motores fortes para
o desenvolvimento econômico e social do país.
É também nosso encargo observar e fazer cumprir os mandamentos
constitucionais da ordem econômica fundada na valorização do
trabalho humano decente e na livre iniciativa, a fim de assegurar
existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Vivemos tempos de novos desafios para a institucionalidade. A
manipulação da informação – frequentemente potencializada nas
plataformas digitais - e a desinformação testam nossas instituições.
A revolução digital não é um fim em si mesmo. Ela deve estar a
serviço da cidadania e da inclusão. Quanto mais digital, acessível e
transparente, mais se aproxima o Judiciário do povo, ao mesmo
tempo em que reduz barreiras e amplia a compreensão pública sobre
sua atuação.
Aprofundaremos o objetivo de estruturar a transformação digital do
Judiciário a partir da governança de tecnologia e foco nos usuários
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dos serviços públicos digitais. Praticaremos a transparência ativa
com dados estruturados e acessíveis.
Também é hora de ouvir mais. Grupos vulneráveis não podem ser
ignorados. A escuta é um dever da Justiça, e com a garantia do
espaço de autodeterminação das origens plurais das pessoas, povos
e comunidades, em igual dignidade.
O século XXI amanheceu doente. A natureza nos interpela e reclama
seus direitos. A justiça socioambiental tem um grande débito a saldar
com a crise climática, pois a Constituição de 1988 consagrou a
proteção ecológica como encargo do Estado e da sociedade. Não há
justiça sem compromisso ambiental.
Às comunidades indígenas são endereçadas as proteções
constitucionais e seus direitos originários às terras tradicionais. E no
âmbito e limite de nossas atribuições, estaremos atentos aos
correlatos deveres de um tribunal constitucional nesse tema, a fim de
que a Constituição seja efetivada para assegurar esse direito que
compreende respeito integral às suas culturas, línguas, crenças e
formas próprias de organização.
Diversos objetivos estratégicos nos guiarão também no Conselho
Nacional de Justiça.
Vamos realçar o perfil de controle administrativo do Conselho
Nacional de Justiça e seu propósito de promover políticas públicas
judiciárias à luz de sua atividade-fim.
A partir de uma institucionalidade responsável, insere-se o Conselho
Nacional de Justiça como órgão central na atuação administrativa e
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financeira do Poder Judiciário, competindo-lhe prevenir, detectar e
corrigir condutas potencialmente desviantes e desenvolver
mecanismos de atenção aos riscos de integridade, bem ainda atuar
com transparência sobremaneira ativa na interação com os diversos
ramos do setor público e privado.
Dadas essas premissas, cumpre avançar e dar um passo a mais,
porquanto se torna oportuna a criação de um Observatório de
Integridade e Transparência, que possa dar conta de reunir, analisar
e agir com presteza em favor da legitimidade do Poder Judiciário
brasileiro.
Impende manter e aprofundar o enfrentamento da hiper litigiosidade
e da morosidade processual. Da meta já bem estruturada quanto à
redução da Litigiosidade, com foco inicial em Previdência, automação
da Execução Fiscal, e indução ao maior uso de precedentes pelas
instâncias inferiores, prosseguiremos com afinco para o estímulo de
soluções não judicializadas de controvérsias.
Não se pode esmorecer a atenção com os dramas da justiça criminal,
traço comum a todas as administrações que me antecederam, desde
a pioneira atuação nos mutirões carcerários do nosso Decano, o
Ministro Gilmar Mendes, até a homologação do Plano Pena Justa na
gestão do Ministro Luís Roberto Barroso.
Quem é conivente com os abusos do cárcere alimenta o crime
organizado. Segurança pública e direitos fundamentais não são
opostos. São complementares. Sem segurança, não há paz. Sem
paz, não há justiça.
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Quanto à macrocriminalidade, será estudada a formação de uma
rede nacional de juízes criminais com competência sobre
Organizações Criminosas. No combate às organizações criminosas
– mafiosas, empresariais, institucionais ou em rede, inclusive no
domínio ambiental e transnacional – proporemos a análise de um
tripé de ações imediatas: Mapa Nacional do Crime Organizado;
Manual de Gestão das Unidades Especializadas, e Pacto
Interinstitucional para seu Enfrentamento. Em paralelo, manteremos
o foco nos crimes dolosos contra a vida e em delitos digitais que hoje
tanto afligem a sociedade.
Iremos articular a proteção de direitos humanos com o sistema
interamericano, bem como atentar para a primazia de zelo com os
direitos sociais, o trabalho decente e a vida digna, a infância, a
juventude e a proteção das famílias. O Brasil tem compromisso
vinculante com tratados e convenções internacionais de direitos
humanos. E deve olhar com respeito ao constitucionalismo latinoamericano para sorver conhecimentos e experiências, sobretudo
com nossos países vizinhos e irmãos.
Disse há pouco que só pude estar aqui porque alguém por mim não
esmoreceu e porque tenho companhia de passo firme. Sou devedor
do crédito que me foi concedido. As mulheres conhecem bem as
dificuldades que uma sociedade ainda carimbada pela desigualdade
de gênero lhes impõe. Por isso mesmo, temos um encontro marcado
com esse âmbito da igualdade e o Judiciário não se furtará a este
dever.
Em nossa gestão, no cerne, sempre, estará a infância, porque
acreditamos, como sempre acreditou o saudoso juiz Edinaldo César
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Santos Júnior que, no melhor interesse das crianças, observá-las
como prioridade absoluta é essencial e, no Brasil, uma missão
constitucional.
Devemos colocar a infância e a juventude, a proteção dos idosos e
da mulher contra as inúmeras formas de violência, no alto das
prioridades do sistema de justiça e da promoção de políticas públicas
judiciárias. Enfrentar o feminicídio deve significar que estaremos,
pelas famílias e pelas mulheres, em toda parte e por todas elas.
Também por isso, a atuação será por diretrizes judiciárias em prol do
direito pleno à saúde. Simultaneamente, ali também estaremos com
o olhar voltado para as pessoas com deficiência e para as
vulnerabilidades das minorias e de quem sobre violência física,
simbólica e psicológica.
Senhoras e Senhores,
Registro aqui minha especial saudação à magistratura brasileira:
conte com este Supremo para garantir a independência e a
autonomia do Poder Judiciário. Uma sociedade que não tem justiça,
vive do arbítrio, cultiva a hipocrisia e perde a igualdade.
A nossa credibilidade é diretamente proporcional à capacidade de,
por meio do processo e da atuação proba e imparcial, dar respostas
jurídicas, técnicas e adequadas à realidade. A legitimidade do
Sistema de Justiça está em sua capacidade de respeitar e de fazer
respeitar a Constituição, protegendo-a e tornando-a viva e
compreensível no seio da sociedade.
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Cabe a nós, juízes, não apenas resolver conflitos, como também
construir um ambiente estável, previsível e confiável para as relações
sociais e econômicas.
Colho a oportunidade para relembrar que o Judiciário é lugar de
vocações genuínas e de serviço público integral. É um poder a
serviço da sociedade. Juízes educam também por seus exemplos.
Servidores públicos que somos, temos direito a um padrão
remuneratório digno, que ao mesmo tempo assegure a
independência funcional e não perpetue privilégios, nem deixe diluir
seu senso de propósito.
Transparência é a chave quanto às modalidades de remuneração.
Nosso respeito intransigente à dignidade da carreira, irá na mesma
medida conter abusos.
Responder ao chamado da magistratura é abraçar um ofício que
exige tanto conhecimento técnico e equilíbrio, quanto firmeza moral,
espírito público e um profundo compromisso com os princípios mais
elevados da moralidade e de uma sociedade justa, livre e solidária.
Todo juiz brasileiro é um magistrado constitucional e veste com
independência a toga do sistema interamericano de direitos humanos
e fundamentais.
A independência judicial não é um privilégio, e sim uma condição
republicana. Um Judiciário submisso, seja a quem for, mesmo que
seja ao populismo, perde sua credibilidade. A prestação jurisdicional
não é espetáculo. Exige contenção.
Senhoras e Senhores,
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Rendo minha homenagem aos que vieram antes — a familiares,
mestres, e aqui neste tribunal especialmente ao saudoso Ministro
Teori Zavascki.
Uma homenagem realço à Ministra Rosa Weber, nome que se
inscreveu na história como escudo vigilante erguido na salvaguarda
desta instituição.
Agradeço a meus colegas, enternecido, esses mais de dez anos de
convivência e de aprendizado. Aos Ministros de ontem, de hoje e de
sempre, um sincero gesto de graças.
Agradeço às servidoras e aos servidores deste Tribunal e do
Conselho Nacional de Justiça. Agradeço aos servidores de nosso
gabinete que agora terão desafio redobrado.
Senhoras e Senhores,
Não alimento a ilusão de que seremos capazes, no átimo de nossas
vidas, de resolver todos os dilemas que nos assolam.
Nossa expectativa é simples: mesmo no dissenso e no conflito,
conviver sem renunciar à paz. É a democracia que materializa esse
ideal; sem embargo, é a institucionalidade e a justiça que o tornam
possível. Era o lema de Dalmo Dallari na Comissão de Justiça e Paz:
se queres a paz, trabalha pela Justiça.
A Justiça somos mais de 18 mil juízes, selecionados, em sua imensa
maioria, por rígidas provas de concurso público. Por influência da
família ou por determinação própria, são brasileiras e brasileiros que
acreditaram nos estudos e sonharam em contribuir com o futuro do
país.
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Cada uma dessas pessoas, em seu percurso, guarda a memória de
suas raízes, honra a sua ancestralidade, constrói seu projeto de vida
e se autodetermina, entregando-se a esse chamado da justiça. Onde
estiver um juiz ou uma juíza, considerem-me ali, ao seu lado, em
defesa de suas garantias e funções. Não estarão só.
Assumo essa missão com a mesma determinação que fortalece
mães que criaram filhos sozinhas, que revigoraram quem resistiu à
repressão e quem proclamou a Justiça mesmo ferido.
Eles acreditaram, seus filhos ainda acreditam que este país pode ser
melhor e mais justo, e eu também creio.
Estamos preparados. Não nos falta tenacidade e propósito. Nossa
gestão carrega com todas as forças a esperança de que manteremos
o contrato fundado pela Constituição, desde o preâmbulo, para
proteger os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, numa
sociedade fraterna, plural e sem preconceitos.
Agradeço, em especial, à minha família. Gratidão é pouco e não diz
tudo o que se inscreve perene em meu coração. Aqui vos fala o fruto
de vosso ventre amoroso, vertido ser vivente pelas três forças
femininas de nossa casa, a mãe e nossas duas filhas. Essas
mulheres em família não apenas construíram com seus
companheiros a casa e o abrigo, mas deram-nos as chaves para abrir
o futuro que se embala em genros, netas e neto.
Manterei nítida a imagem do juiz que habita em mim tendo como
paradigma o encontro naquela manhã de sol e poeira em Toledo, no
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Oeste do Paraná. Bem haja a magistratura que merece esse
respeito. Bem haja quem ensina por suas ações e comportamentos.
Tal como uma família numa ‘casa comum’, o País anseia por um
futuro em que possa respirar mais respeito e mais justiça, mais
fraternidade e mais solidariedade. A Nação brasileira merece mais e
melhor. E o Judiciário, tal como o filho que nunca foge à luta, se alça
em sua missão institucional sem dela se desviar.
O presente nos interpela e o amanhã nos convoca. Aqui estamos.
Muito obrigado.
( da redação com informações de assessoria. Edição; Política Real)