Leia a íntegra do decano do STF, Gilmar Mendes, em que ele diz que o “Supremo são se dobra a intimidações”; ele falou na abertura do segundo semestre do Judiciário em 2025
Mendes ressaltou que a atuação do Tribunal e de seus ministros não está imune a críticas, as quais são bem-vindas quando visam ao aperfeiçoamento das instituições
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(Brasília-DF, 01/08/2025) O ministro Gilmar Mendes, o decano do STF, ministro Gilmar Mendes, falou logo após o ministro Luís Roberto Barroso, manifestou repúdio aos recentes ataques dirigidos à Corte e enfatizou que “o Supremo não se dobra a intimidações”. Segundo ele, o STF está preparado para enfrentar, mais uma vez, com altivez e resiliência, quaisquer ameaças, “venham de onde vierem”.
Mendes ressaltou que a atuação do Tribunal e de seus ministros não está imune a críticas, as quais são bem-vindas quando visam ao aperfeiçoamento das instituições. Contudo, destacou a importância de se distinguir críticas sérias e construtivas das opiniões levianas.
O ministro afirmou que o STF tem se pautado rigorosamente pela lisura de todos os procedimentos e pela obediência ao princípio da legalidade. Observou que cada decisão da Corte está amparada no devido processo legal, no contraditório e na ampla defesa, e que a Constituição e as leis são aplicadas com o máximo rigor técnico, por meio de ritos públicos, oitiva das partes e fundamentações transparentes. “Não há espaço para arbítrio ou decisões discricionárias que se desviem do cânone constitucional e legal”, pontuou.
O decano destacou ainda que os julgamentos do Tribunal não se submetem a interesses políticos, pressões externas ou simpatias ideológicas. “A toga que vestimos simboliza a imparcialidade e o compromisso exclusivo com a Constituição, que, como toda constituição democrática, divide os poderes e garante a existência de um Poder Judiciário autônomo”, afirmou.
Em sua manifestação, Mendes reiterou que a independência do Poder Judiciário brasileiro é um valor inegociável. Em sua visão, os ataques à atuação jurisdicional do país representam não apenas um desrespeito ao STF, mas uma afronta à própria soberania nacional. “Apenas ao povo brasileiro compete decidir sobre seu próprio destino, sem interferências externas indevidas”, destacou. Ele lembrou que o respeito mútuo entre as nações e a não ingerência em assuntos internos são princípios basilares da convivência pacífica e harmoniosa.
Ao final, o decano se solidarizou com o ministro Alexandre de Moraes, “que tem sido alvo de agressões injustas e reiteradas tentativas de intimidação”. Enfatizou que o ministro tem prestado um serviço fundamental ao Estado brasileiro, atuando com prudência e assertividade na condução dos processos que apuram a tentativa de golpe de Estado. “Que ninguém duvide da imparcialidade e da legitimidade da atuação do STF, e que ninguém ouse desrespeitar a soberania do Brasil”, concluiu.
Veja a íntegra de seu discurso:
Excelentíssimo Senhor Ministro Luís Roberto Barroso, Presidente do Supremo Tribunal Federal, Excelentíssimos Senhores Ministros, Fala: É com grande consternação, mas também com a serenidade que a gravidade do momento exige e com a firmeza que a defesa de nossas instituições impõe que, na condição de Decano, me dirijo a Vossas Excelências e ao povo brasileiro no dia de hoje.
Nos últimos dias, temos acompanhado com perplexidade uma escalada de ataques contra membros do Supremo Tribunal Federal – e, assim, contra toda a Corte – e contra o povo brasileiro, de forma agressiva e totalmente inusual. Tais medidas, motivadas por discordâncias de natureza política em relação à atuação jurisdicional do STF, demandam uma resposta à altura da dignidade de nossa Corte e da soberania do Estado brasileiro.
Nesse sentido, venho manifestar meu mais veemente repúdio aos recentes atos de hostilidade unilateral, que desprezam os mais básicos deveres de civilidade e respeito mútuo que devem balizar as relações entre quaisquer indivíduos e organizações. Mas os fatos recentes se revelam ainda mais graves, porque decorreram de uma ação orquestrada de sabotagem contra o povo brasileiro, por parte de pessoas avessas à democracia, armadas com os mesmos radicalismo, desinformação e servilismo que vêm caracterizando sua conduta já há alguns anos.
Afinal, não é segredo para ninguém que os ataques à nossa soberania foram estimulados por radicais inconformados com a derrota do seu grupo político nas últimas eleições presidenciais – entre eles, um deputado federal que, na linha de frente do entreguismo, fugiu do país para covardemente difundir aleivosias contra o Supremo Tribunal Federal, num verdadeiro ato de lesa-pátria.
O alvo central contra quem as baterias dos radicais têm se voltado é o eminente Ministro Alexandre de Moraes, que, como todos sabem, é o responsável pela apuração da tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do governo eleito em 2022. Não é de hoje que o Ministro Alexandre tem sido alvo de críticas infundadas em torno da condução dessas investigações. Sobre isso, sempre digo e repito: a atuação do Supremo e de seus ministros não está imune a críticas; elas são bem-vindas quando, num gesto de boa-fé, procuram aperfeiçoar o funcionamento das instituições.
Porém é imperativo que, em tempos de crises e desafios, possamos distinguir entre as ponderações sérias e construtivas e as opiniões levianas que docilmente aderem às narrativas falaciosas fabricadas pelos diversos “gabinetes do ódio” espalhados pelo país e difundidas nas redes – e isso para não mencionar as investidas que dolosamente visam corroer a independência das nossas instituições e enfraquecê-las.
Nesse sentido, as censuras que têm sido dirigidas ao Ministro Alexandre, na sua grande maioria, partem de radicais que buscam interditar o funcionamento do Judiciário e, com isso, manietar as instituições fundamentais de uma democracia liberal.
As acusações partem de dois eixos de insatisfações. De um lado, estão os ataques feitos pela claque de apoiadores das lideranças políticas que são acusadas de uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. À medida que testemunhas ouvidas em Juízo confirmam fatos graves, como, por exemplo, a confissão de elaboração de um plano para assassinar juízes e autoridades, os ataques ao Supremo ganham mais intensidade. Tudo fruto de desespero daqueles que se veem às voltas com acusações graves e que, ao serem confrontados com elementos de prova comprometedores e incontestáveis, apelam a cantilenas de perseguição política e de afronta ao devido processo legal.
O segundo foco de insatisfações, mais relacionado com interesses de grandes empresas de tecnologia, diz respeito ao processo em que o Supremo decidiu que as plataformas não podem se omitir, assim que sejam notificadas, no combate a crimes graves praticados por usuários nas redes sociais, como pedofilia, terrorismo e instigação ao suicídio. A mera perspectiva de que elas possam vir a ter deveres triviais – os mesmos que já são exigidos de todas as empresas que operam no Brasil – despertou lobbies poderosos. Esses agentes reagem agora, para tentar, em vão, dobrar o Tribunal e o governo brasileiro aos seus caprichos e aos seus interesses econômicos.
Cumpre dizê-lo com a serenidade e com o desassombro que esse tipo de investida exige de todos nós, membros desta Casa multicentenária: este Supremo Tribunal Federal não se dobra a intimidações!
Alguns esclarecimentos, porém, são necessários. Não por qualquer necessidade de prestar contas a quem propaga aleivosias ou promove afrontas e ataques contra o Tribunal. Esta exposição se dirige ao povo brasileiro, que é bombardeado diariamente por desinformação nas redes sociais e tem direito de compreender o que de fato está ocorrendo e quais os interesses que estão por trás dos ataques contra as instituições.
Inicialmente, quanto ao respeito aos ritos legais e aos direitos dos réus nas ações que apuram a tentativa de golpe, é necessário enfatizar que a condução dos casos tem sido pautada pela legalidade, pelo respeito aos direitos e garantias individuais e pelo compromisso inegociável com a verdade.
Não há nenhum fato real, concreto e individualizado que sinalize o menor desvio, ou descuido, do relator em relação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Ao votar pelo recebimento da denúncia do núcleo crucial da suposta trama golpista, o relator apontou que a defesa dos réus teve acesso à íntegra dos autos e a todas as provas que embasaram a denúncia. E mostrou que há registro oficial das inúmeras ocasiões em que os advogados manusearam os autos da ação penal e das investigações.
O respeito ao direito de defesa tem sido constante, com participação efetiva dos advogados e réus nos atos processuais, apresentando provas, deduzindo teses e resistindo aos argumentos da acusação. Além disso, as sessões da Turma não apenas podem ser acompanhadas presencialmente pelos advogados, pelos réus e pela imprensa, como são transmitidas em tempo real pela TV Justiça, garantindo a mais ampla transparência dos atos processuais.
Diante da clareza dos fatos, devem ser fortemente rechaçadas quaisquer insinuações vazias sobre a lisura do rito observado pelo relator. Tais calúnias devem ser compreendidas pelo que verdadeiramente são: retórica política barata dos acusados e seus asseclas para desacreditar o Tribunal e tentar desviar o foco do debate público dos graves fatos que estão sendo revelados pelas testemunhas e pelas provas apresentadas pela PGR. Não por outra razão, a cada testemunha que afirma ter presenciado uma reunião para discutir meios de interferir na Justiça Eleitoral e a cada mensagem de aplicativo que mostra os bastidores da trama golpista, os ataques contra o relator voltam a aparecer com mais força.
Essa estratégia faz parte de um método que já é bastante conhecido por todos. Afinal, vivemos em tempos em que a verdade é frequentemente distorcida e a desinformação é usada como arma política. Neste cenário, é fundamental defendermos aqueles que, com coragem e retidão, enfrentam essas ameaças, mesmo quando isso implica suportar o peso de críticas injustas e ataques pessoais.
Afora os ataques feitos pelos apoiadores do grupo político derrotado na eleição de 2022, há ainda a desinformação fomentada pelas empresas de tecnologia. Construída sob o pretexto de defesa da liberdade de expressão, tal narrativa serve aos interesses privados dos seus acionistas, interessados na preservação de um modelo anódino de regulação das redes. Sustentam que, por mais grave que seja certa publicação, como pornografia infantil, terrorismo, tráfico de pessoas e auxílio ao suicídio, cabe somente à empresa decidir pela retirada ou não da publicação, segundo sua política interna (termos de uso).
Não é difícil demonstrar que esse sistema, que se baseia em confiança quase absoluta na suficiência dos termos de uso e políticas de privacidade dos provedores de aplicações, oferece proteção deficiente a valores fundamentais da democracia. Afinal, não são poucas as amostras recentes de que os sistemas internos de moderação das empresas falharam nessa missão, ao permitir que fossem amplamente mobilizados nas redes sociais conteúdos ilícitos, como desinformação sobre vacinas, ataques contra as instituições e chamados para o lamentável 8 de janeiro.
Em relação a esse último evento, lembro que o acampamento montado em Brasília, diante do Quartel-General do Exército, em si mesmo uma demonstração de golpismo tacanho, se fez acompanhar de intensa circulação de informes em aplicativos de mensagens e plataformas, anunciando a chegada de caravanas com milhares apoiadores na véspera do fatídico dia. Levantamento da empresa de análise de dados Palver, que monitorava 17 mil grupos no WhatsApp, identificou que, desde 5 de janeiro, já circulavam convocações para a invasão de prédios públicos em Brasília.
Para dificultar a atuação preventiva das forças policiais, os golpistas convocavam apoiadores do ex-presidente para a tal “Festa da Selma” – código utilizado para se referir furtivamente às invasões. A expressão foi utilizada junto com a hashtag #BrazilianSpring – Primavera Brasileira e circulou amplamente em redes sociais, como o X (antigo Twitter). Entre os perfis que convocaram para a tentativa de golpe estavam até mesmo contas com o selo Twitter Blue - serviço pago que sinaliza aos usuários que aquela conta teve a identidade verificada pela plataforma.
O quadro é ainda mais alarmante porque boa parte das manifestações de golpismo que circulou nas redes foi impulsionada pelas plataformas. Existem evidências empíricas de canais e perfis monetizados e anúncios patrocinados que fomentaram, coordenaram ou apoiaram os atos de insurreição.
No 8 de janeiro, em meio a cartazes espalhados pela capital federal e a materiais divulgados pelas redes sociais incitando as Forças Armadas a atuarem para manter no poder o candidato derrotado nas eleições, uma turba insana rompeu barreiras de contenção montadas pela Polícia Militar perto da Catedral, marchou em direção às sedes dos Três Poderes e tomou os prédios públicos com violência. As imagens da destruição, truculência e incivilidade, amplamente divulgadas pela mídia, provocam sentimento de vergonha e indignação no povo brasileiro.
Dada a gravidade da situação, o Tribunal cumpriu seu dever e enfrentou esse tema com serenidade, alcançando uma posição de equilíbrio que concilia a liberdade de expressão na internet com a tutela adequada de outros valores estruturantes da democracia, como o pluralismo político e a tolerância mútua. A despeito da resistência oferecida pelas plataformas, o Tribunal conseguiu construir um regime de responsabilização que, sem amarrar o desenvolvimento da tecnologia, sinaliza que redes sociais não são terra sem lei.
É relevante vaticinar, mesmo na atual conjuntura histórica de nosso país, como já o fazia nosso sempre Decano, Ministro Celso de Mello, que “esta Corte Suprema, atenta à sua alta responsabilidade institucional, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição, ao império das leis e à superioridade ético-jurídica das ideias que informam e animam o espírito da República”, pois, continua Sua Excelência, “sem juízes independentes, não há cidadãos livres”, sendo inquestionável que “inexiste na história das sociedades políticas qualquer registro de um Povo que, despojado de um Judiciário independente, tenha conseguido preservar os seus direitos e conservar a sua própria liberdade”.
Em sua longeva trajetória, o STF tem se pautado rigorosamente pela lisura de todos os procedimentos e pela obediência irrestrita ao princípio da legalidade. Cada decisão emanada desta Corte é fruto de um processo meticuloso, alicerçado no devido processo legal, no contraditório e na ampla defesa. A Constituição e as leis são aplicadas com o máximo rigor técnico, mediante ritos públicos, oitivas das partes e fundamentações transparentes. Não há espaço para arbítrio ou decisões discricionárias que se desviem do cânone constitucional e legal.
A impessoalidade, a neutralidade e a independência aqui não são meros conceitos teóricos: são a essência da nossa atuação. Nossos julgamentos não se curvam a interesses políticos, pressões externas ou simpatias ideológicas. A toga que vestimos simboliza a imparcialidade e o compromisso exclusivo com a Constituição, esta que, como toda constituição democrática, divide os poderes e garante a existência de um Poder Judiciário autônomo.
Por fim, e não menos importante, é imperioso reafirmar a soberania nacional do Brasil. Somos uma nação dotada de um sistema jurídico robusto e independente, construído sobre os pilares da democracia e do Estado de Direito. Ataques à nossa atuação jurisdicional representam não apenas um desrespeito à nossa Corte, mas uma afronta à própria soberania de nosso País. Em um cenário global cada vez mais interconectado, o respeito mútuo entre as nações e a não ingerência em assuntos internos são princípios basilares da convivência pacífica e harmoniosa. É importante que fique claro: A independência do Poder Judiciário brasileiro é um valor inegociável!! Apenas ao povo brasileiro compete decidir sobre seu próprio destino, sem interferências externas indevidas.
Senhor Presidente, é preciso deixar claro à nação: este Supremo Tribunal Federal não se curvou à ditadura militar nas décadas de escuridão que mancham a história nacional; este Tribunal, num passado recentíssimo, ainda presente entre nós por força da memória dos mais de setecentos mil mortos na pandemia da COVID, não sucumbiu ao populismo iliberal responsável pelo trágico 8 de janeiro – o dia da Infâmia, conforme a sempre lúcida visão da Min. Rosa Weber. Esta mesma Corte, senhor Presidente, não haverá de submeter-se agora, e está preparada para enfrentar, uma vez mais e sempre, com altivez e resiliência, todas as ameaças – venham de onde vierem.
Por fim, gostaria de encerrar esta minha fala solidarizando-me com o Ministro Alexandre, que há muito tempo tem sido vítima de injustas agressões e tentativas de intimidação em série.
Já me pronunciei neste sentido e agora reafirmo: Vossa Excelência, Ministro Alexandre, tem prestado um serviço fundamental ao Estado brasileiro, demonstrando prudência e assertividade na condução dos procedimentos instaurados para a defesa da democracia.
Aos propagadores da instabilidade e do caos, irresponsáveis e pusilânimes que se autointitulam patriotas, mas que trabalham abertamente contra os interesses de seu próprio país: não tenham dúvida de que seus atos criminosos – praticados contra autoridades constituídas e contra o povo brasileiro – receberão uma resposta à altura por parte do Estado brasileiro.
Que ninguém duvide da imparcialidade e da legitimidade da atuação do STF, e que ninguém ouse desrespeitar a soberania do Brasil. A democracia e as instituições brasileiras são fortes e resilientes, e é por isso, Senhor Presidente Barroso, Senhor Ministro Alexandre, Senhores Ministros, que o Supremo Tribunal Federal e o nosso Poder Judiciário permanecerão inabaláveis em sua missão de servir à Constituição e ao povo brasileiro.
Muito obrigado
( da redação com informações de assessoria. Edição: Política Real)