Gabriel Galípolo divulga carta enviada a Fernando Haddad, presidente do CMN, expondo as razões pelas quais o BC não cumpriu as metas de inflação
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( Publicada originalmente às 17h 55 do dia 10/07/2025)
(Brasília-DF, 11/07/2025) Nesta quinta-feira, 10, o presidente do Banco Central (BC), Grabiel Galípolo, como determina o Decreto nº 12.079, de 26 de junho de 2024, que instituiu nova sistemática de meta para a inflação como diretriz para fixação do regime de política monetária, enviou e divulgou carta dirigida ao ministro Fernando Haddad, que também é o presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN).
A carta, na prática, é uma prestação de contas para explicar as razões pelas quais a autoridade monetária não conseguiu cumprir sua meta.
Veja a íntegra da carta:
Ao Excelentíssimo Senhor Fernando Haddad Ministro de Estado da Fazenda
Presidente do Conselho Monetário Nacional
Assunto: Carta Aberta sobre o descumprimento da meta de inflação
Senhor Ministro,
Nos termos do art. 6º do Decreto nº 12.079, de 26 de junho de 2024, o Banco Central do Brasil apresenta esta Carta Aberta ao Ministro de Estado da Fazenda, em razão do descumprimento da meta de inflação por seis meses consecutivos.
2. O Brasil adota a sistemática de meta para a inflação como diretriz para fixação do regime de política monetária. A sistemática foi originalmente instituída no país por meio do Decreto nº 3.088, de 21 de junho de 1999. A atual sistemática, que instituiu a verificação continuada da variação acumulada em doze meses do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e novos elementos de prestação de contas em caso de descumprimento da meta, é regida pelo Decreto nº 12.079, de 2024. A meta de inflação vigente, fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) na Resolução CMN n° 5.141 de 26 de junho de 2024, é de 3,00%, com intervalo de tolerância de mais e de menos 1,50 ponto percentual (p.p.), considerando-se descumprida quando a inflação se desviar por seis meses consecutivos da faixa do intervalo de tolerância.
3. A nova sistemática traz inovações nos elementos de transparência e controle. A carta aberta e a nota no Relatório de Política Monetária são elementos da comunicação da política monetária, estabelecidos em lei, na ocorrência de descumprimento da meta. A atual sistemática determina, em seu artigo 6º, que essas duas formas de prestação de contas aplicam-se no caso de descumprimento da meta, com fundamento em uma visão de convergência da inflação no médio prazo e verificação continuada. A carta aberta é o documento de reconhecimento do desenquadramento, a ser emitido tempestivamente após a divulgação mensal do índice oficial de preços que formaliza o descumprimento. Por sua vez, a nota no Relatório de Política Monetária, de frequência trimestral, tem natureza técnica, com foco e conteúdo relacionados com análise minuciosa, avaliação da política e apresentação de cenários e projeções.
4. A carta aberta é um elemento essencial para a prestação de contas e credibilidade da política monetária. Em caso de descumprimento da meta, o Banco Central divulgará publicamente, por meio de carta aberta ao Ministro de Estado da Fazenda e nota no Relatório de Política Monetária, (i) a descrição detalhada das causas do descumprimento, (ii) as medidas necessárias para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos, e (iii) o prazo esperado para que as medidas produzam efeito.
5. Complementarmente à carta aberta, o Banco Central manterá nota trimestral no Relatório de Política Monetária durante o período de descumprimento da meta, fortalecendo a prestação de contas. A atualização trimestral da nota mostrará em detalhes (i) a evolução do cenário prospectivo para a inflação, (ii) os efeitos das medidas tomadas para reconduzir a inflação para dentro da faixa do intervalo de tolerância da meta; e (iii) o acompanhamento da dinâmica de convergência da inflação dentro do prazo estipulado. O Banco Central entende que essa vigilância é consistente com a diretriz de verificação continuada trazida pela nova sistemática de meta para a inflação e melhora o entendimento geral sobre as defasagens temporais da política monetária. Além disso, o Banco Central busca aumentar a previsibilidade e a transparência de suas ações, além de reforçar seu compromisso de prestação de contas à sociedade.
6. O Banco Central divulgará nova carta, caso a inflação não retorne ao intervalo de tolerância no horizonte esperado ou considere necessário atualizar as medidas ou o prazo esperado para o retorno da inflação ao intervalo. Caso a inflação não retorne ao intervalo de tolerância da meta no prazo estipulado na carta e na nota, o Banco Central deverá divulgar nova carta e nota. O mesmo ocorrerá caso o Banco Central considere necessário atualizar as medidas ou o prazo esperado para o retorno da inflação ao intervalo de tolerância da meta.
7. À luz do exposto acima e da taxa de inflação acumulada em doze meses, medida pela variação do IPCA, que atingiu 5,35%, ultrapassando o limite superior do intervalo de tolerância pelo sexto mês consecutivo, o Banco Central publica esta carta aberta. Conforme determinado, este documento apresenta (i) a descrição detalhada das causas do descumprimento, (ii) as medidas necessárias para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos, e (iii) o prazo no qual se espera que as medidas adotadas produzam efeito. Por oportuno, informo que o próximo Relatório de Política Monetária, a ser divulgado em setembro de 2025, conterá nota com detalhes técnicos adicionais, em conformidade com a previsão legal.
8. O Banco Central segue firmemente comprometido em trazer a inflação à meta, consoante seu mandato legal, em linha com seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, estabelecido pela Lei Complementar nº 179, de 24 de fevereiro de 2021.
Causas do Descumprimento da Meta
9. Em junho de 2025, a inflação acumulada em doze meses, medida pela variação do IPCA, ultrapassou o limite superior da meta pelo sexto mês consecutivo desde o início do regime de meta contínua para inflação. A projeção para o segundo trimestre de 2025, apresentada no Relatório de Inflação de dezembro de 2024, era de aproximadamente 5%, portanto, já acima do limite superior da meta. A inflação efetiva de dezembro, janeiro e fevereiro surpreendeu com um aumento de cerca de 0,32 pontos percentuais. Houve altas mais intensas que as antecipadas no preço da gasolina, na inflação subjacente dos preços de serviços, nos preços de alimentos industrializados (em particular, do café) e nos preços de alguns bens industriais, como os do vestuário e de automóveis. No Relatório de Política Monetária de março de 2025, dado novo conjunto de informações, a projeção para o segundo trimestre de 2025 passou a ser de 5,45%. Desde lá, o resultado do IPCA foi um pouco menor do que o projetado e a inflação acumulada em doze meses até junho foi de 5,35%. Entre os grandes segmentos do IPCA, as maiores surpresas ocorreram em preços administrados e alimentação no domicílio. A variação de preços administrados veio acima do esperado devido, principalmente, à energia elétrica residencial, com a deterioração do cenário hídrico. Essa surpresa em preços administrados foi mais do que compensada por variações mais baixas que o esperado em alimentação no domicílio.
10. A inflação acima do intervalo de tolerância é consequência de diversos fatores, como atividade econômica aquecida, expectativas de inflação desancoradas, inércia inflacionária e depreciação cambial. A atividade econômica surpreendeu positivamente, com crescimento do PIB acima do esperado e mercado de trabalho bastante aquecido, refletindo aumento do consumo das famílias e do investimento. As expectativas de inflação se desancoraram, especialmente, ao longo do segundo semestre de 2024. A taxa de câmbio apresentou valorização do dólar frente ao real, com impacto direto nos preços de bens importados e nas expectativas de inflação.
11. Ao se decompor a inflação pela ótica do modelo semiestrutural de pequeno porte, percebe-se que diversos fatores contribuíram para o desvio da meta.1 Os principais fatores que contribuíram para o desvio de 2,35 p.p. da inflação em relação à meta foram a inércia dos doze meses anteriores (contribuição de 0,69 p.p.), as expectativas de inflação (0,58 p.p.), o hiato do produto (0,47 p.p.), a inflação importada (0,46 p.p.), a bandeira tarifária de energia elétrica (0,27 p.p.) e demais fatores (-0,12 p.p.).
12. A atividade econômica mostrou-se dinâmica e surpreendeu positivamente, de modo que a contribuição do hiato para o desvio da inflação à meta foi de 0,47 p.p. O crescimento do PIB foi significativo no início do ano, puxado pela agropecuária. Os indicadores de mercado de trabalho e de utilização da capacidade instalada mostraram força maior do que o esperado. A taxa de desocupação voltou a cair, atingindo nova mínima histórica, de 6,2% no trimestre encerrado em abril (ajustado sazonalmente). O hiato do produto é julgado positivo e teve impacto relevante na inflação. Para os dois primeiros trimestres de 2025, ele é estimado em 0,9% e 0,5%, respectivamente.2
13. As expectativas de inflação mantiveram-se bastante superiores à meta desde meados de 2024. Em relação à decomposição apresentada na carta aberta de janeiro de 2025, a contribuição das expectativas de inflação passou de 0,30 p.p. para 0,58 p.p. Em geral, as expectativas se deterioram com a expectativa de câmbio mais depreciado (apesar da melhora recente) e de atividade econômica mais resiliente. Para prazos mais longos, as expectativas têm apresentado relativa rigidez em valores acima da meta de 3,00%. Destaque-se que a manutenção da desancoragem por período prolongado tende a tornar as expectativas mais sensíveis a choques de curto prazo, pressionar a dinâmica de preços e salários e aumentar o repasse cambial para preços.
14. A inércia inflacionária teve papel relevante no desvio da inflação da meta. Em junho de 2025, a inércia inflacionária representou 0,69 p.p. do desvio da inflação da meta. No caso dos preços livres, a inflação passada gerou uma pressão corrente de custos, advinda tanto de outros preços de bens e serviços utilizados como insumos, quanto de mecanismos inerciais informais de indexação salarial. Por exemplo, os reajustes nas negociações salariais não só acompanharam o movimento da inflação passada, como a superaram. Além disso, o salário mínimo em 2025 aumentou 7,5%, o que representa 2,7 p.p. acima da inflação de 2024. No caso dos preços administrados, destaca-se a existência de arranjos institucionais que vinculam o reajuste dos preços à inflação passada.3
15. A inflação importada contribuiu com 0,46 p.p. para o desvio da meta nesse período. Os efeitos defasados da alta do câmbio ao longo de 2024 ainda tiveram forte impacto na inflação medida no segundo trimestre de 2025, como pode ser observado com a inflação de bens industriais e alimentos industrializados pressionada. Em sentido contrário, os preços de petróleo recuaram, atenuando a pressão sobre os preços de combustíveis.
16. Adicionalmente, outros fatores contribuíram com -0,12 p.p. para o desvio da inflação no segundo trimestre de 2025. Esses fatores englobam ajustes específicos em preços administrados, efeitos de anomalias climáticas, além de um resíduo não explicado pelo modelo, representado por choques na curva de Phillips de preços livres e nas equações dos preços administrados. No segmento de preços livres, destacam-se as fortes elevações nos preços do café moído e de carnes, com variações de 77,88% e 23,63%, respectivamente, nos últimos doze meses, pressionando a inflação do grupo alimentação no domicílio, e a alta de 11,21% do etanol, que afeta bens industriais e, indiretamente, o preço da gasolina. Em sentido contrário, destaque para a forte queda nos preços de alimentos in natura (-9,9%), propiciada pelo fim do fenômeno El Niño no segundo trimestre de 2024. No segmento de preços administrados, a piora do cenário hídrico resultou em mudanças da bandeira tarifária de energia que pressionaram a inflação. Medidas necessárias para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos
17. O Banco Central tem definido a meta para a taxa Selic com o objetivo de assegurar a convergência da inflação à meta. Diante da resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, o Comitê de Política Monetária (Copom) iniciou, na 265ª reunião, um ciclo de aperto monetário, com sucessivos aumentos da taxa de juros. Em sua reunião mais recente, indicou que antecipa uma interrupção para examinar os impactos acumulados do ajuste ora realizado, para então avaliar se a manutenção da taxa de juros por período bastante prolongado é apropriada para assegurar a convergência da inflação à meta, salientando que não hesitará em prosseguir no ciclo de ajuste caso julgue apropriado.
18. O Comitê iniciou o ciclo de aperto monetário em setembro de 2024 e seguiu com o ciclo de aperto até a reunião mais recente, somando 4,5 p.p. até junho de 2025. As elevações graduais da taxa Selic em 2024 – 0,25 p.p. em setembro, 0,50 p.p. em novembro e 1,00 p.p. em dezembro – refletiram a deterioração do cenário prospectivo e a necessidade de reforçar o compromisso com a convergência da inflação à meta. Em 2025, diante de um cenário marcado por pressões inflacionárias insistentes, deterioração adicional de expectativas e atividade econômica aquecida, o Comitê prosseguiu com o ciclo, com novos aumentos de 1,00 p.p. em janeiro, 1,00 p.p. em março e 0,50 p.p. em maio. Na reunião de junho, elevou a taxa em 0,25 p.p. e comunicou que antecipa uma interrupção no ciclo de elevação de juros para avaliar os impactos acumulados da política monetária ainda a serem observados. Assim, ao final do segundo trimestre, a Selic alcançou 15,00% a.a., somando 4,5 p.p. de ajuste até junho de 2025, em linha com a estratégia de assegurar a convergência da inflação à meta ao longo do horizonte relevante.
19. Ainda, o Comitê avaliou que a política monetária deve permanecer em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado para assegurar a convergência da inflação à meta em ambiente de expectativas desancoradas. Ao mesmo tempo, considerou que o ciclo atual foi rápido e bastante firme na elevação de juros, o que justifica a estratégia de interrompê-lo e observar seus efeitos sobre a economia, a fim de se avaliar se o nível contracionista vigente é apropriado para assegurar a convergência da inflação à meta. De fato, dadas as defasagens inerentes aos efeitos da política monetária, grande parte dos impactos da taxa mais contracionista ainda está por vir. O Comitê ressaltou, ainda, que a construção da confiança necessária para definir o patamar apropriado de restrição monetária ao longo do tempo passa por assegurar que os canais de política monetária estejam desobstruídos e sem elementos mitigadores para sua ação.
20. O Copom enfatizou que segue vigilante, que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em prosseguir no ciclo de alta, caso julgue apropriado. O Copom reiterou ao longo do processo que a magnitude do ciclo depende da evolução dos indicadores econômicos e reafirmou seu compromisso com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante. Os vetores inflacionários seguem adversos, como resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho, expectativas de inflação desancoradas e projeções de inflação elevadas. A comunicação da política monetária tem destacado a importância da vigilância contínua e da cautela, notando que o cenário prospectivo para a inflação segue apresentando riscos mais elevados do que o usual tanto de alta quanto de baixa, considerando tanto os riscos internos — como a resiliência da atividade e do mercado de trabalho — quanto os externos. O Comitê avalia, seleciona e comunica aqueles fatores de riscos que entende como mais substantivos para a dinâmica da inflação no horizonte relevante, considerando a probabilidade de ocorrência e seu impacto sobre a economia.
Prazo no qual se espera que as providências produzam efeito
21. O Banco Central espera que a taxa de inflação acumulada em doze meses, medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), retorne
aos limites estabelecidos no intervalo de tolerância a partir do final do primeiro trimestre de 2026. Esta avaliação está em linha com as projeções do cenário de referência apresentado no Relatório de Política Monetária de junho de 2025. O Comitê de Política Monetária avalia diversos cenários prospectivos para a inflação, que consideram trajetórias diferentes da taxa Selic e para as expectativas de juros de mercado. Em particular, as projeções do cenário de referência apresentado no Relatório de Política Monetária de junho, que utiliza taxa Selic da pesquisa Focus e taxa de câmbio seguindo a PPC, indicam que a variação do IPCA acumulada em quatro trimestres deve ficar abaixo do limite superior do intervalo de tolerância, de 4,50%, referente à meta de 3,00%, a partir do final do primeiro trimestre de 2026 (Ver Tabela 2.2.1 do RPM). Nesse cenário, projeta-se que a inflação acumulada em quatro trimestres ficará na faixa de 5,4% a 5,5% nos três primeiros trimestres de 2025, cairá para 4,9% no final do ano e atingirá 4,2% no final do primeiro trimestre de 2026, mantendo-se dentro do intervalo de tolerância a partir de então.
22. O compromisso do Banco Central é com a meta de inflação de 3,00%, e suas decisões são pautadas para que este objetivo seja atingido no horizonte relevante de política monetária. O horizonte relevante atual é o quarto trimestre de 2026, e, na reunião 271, de junho de 2025, o Copom avaliou que a condução da política monetária está adequada e compatível com a estratégia de convergência da inflação nesse horizonte. Essa avaliação depende da evolução esperada para a dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos. Cabe adicionar que as projeções do cenário de referência que utilizam a trajetória da Selic extraída da pesquisa Focus apontam que a inflação acumulada em quatro trimestres atinge 3,6% ao final de 2026, 3,4% no primeiro trimestre de 2027 e 3,2% ao final de 2027. O Banco Central se manterá atento à evolução das pressões inflacionárias e não hesitará em tomar medidas adicionais, caso julgue apropriado.
23. Em síntese, o Banco Central tem tomado as devidas providências para que a inflação retorne à faixa definida para o intervalo de tolerância e atinja a meta para a inflação de 3,00% estabelecida pela Resolução CMN nº 5.141, de 26 de junho de 2024, dentro da sistemática de meta contínua estabelecida pelo Decreto nº 12.079, de 2024. Além disso, durante o período de desenquadramento, o Banco Central investirá no reforço da comunicação sobre as razões do descumprimento da meta, sobre as medidas adotadas e sobre a evolução do cenário de convergência da inflação.
Atenciosamente,
Gabriel Muricca Galípolo Presidente
( da redação com informações de assessoria. Edição: Política Real)