31 de julho de 2025
Brasil e Poder

Supremo Tribunal Federal entende que Marco Civil da Internet tem inconstitucionalidade e redes sociais poderão se responsabilizadas por ilegalidades

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( Publicada originalmente às 20 h 00 do dia 26/06/2025) 

(Brasília-DF, 27/06/2025) Nesta quinta-feira, 25, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou finalmente, com o placar de 8 a 3, o julgamento que endurece a regulamentação das plataformas digitais no país. Corte decidiu que as empresas podem ser responsabilizadas por conteúdos criminosos postados por terceiros. Ou seja, as companhias poderão ser punidas se não atuarem para apagar esses conteúdos com agilidade.

O STF estabeleceu diferentes graus de responsabilidade: certos conteúdos criminosos deverão ser apagados após notificação dos usuários.

No entanto, conteúdos considerados mais graves — como mensagens antidemocráticas, postagens de instigação a suicídio, pornografia infantil, entre outras — deverão ser removidos ativamente pelas empresas, independentemente de notificações.

Após seis sessões seguidas para julgar o caso, a Corte decidiu pela inconstitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), norma que estabeleceu os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

O dispositivo estabelecia que, "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura", as plataformas só poderiam ser responsabilizadas pelas postagens de seus usuários se, após ordem judicial, não tomarem providências para retirar o conteúdo ilegal.

Dessa forma, antes da decisão do STF, as big techs não respondiam civilmente pelos conteúdos ilegais, como postagens antidemocráticas, mensagens com discurso de ódio e ofensas pessoais, entre outras.

Com o final do julgamento, a Corte aprovou uma tese jurídica, que contém as regras que as plataformas deverão seguir para retirar as postagens.

O texto final definiu que o Artigo 19 não protege os direitos fundamentais e a democracia. Além disso, enquanto não for aprovada nova lei sobre a questão, os provedores estarão sujeitos à responsabilização civil pelas postagens de usuários.

Pela decisão, as plataformas devem retirar os seguintes tipos de conteúdo ilegais após notificação extrajudicial:

Atos antidemocráticos;

Terrorismo;

Induzimento ao suicídio e automutilação;

Incitação à discriminação por raça, religião, identidade de gênero, condutas homofóbicas e transfóbicas;

Crimes contra a mulher e conteúdos que propagam ódio contra a mulher;

Pornografia infantil;

Tráfico de pessoas.

 

 

Por outro lado, a Corte estabeleceu que as novas regras não serão aplicadas sobre mensagens trocadas privadamente em provedores de serviços de mensagens instantâneas, como o WhatsApp.

 

 

Votos

 

Oito ministros votaram pelo endurecimento das regras: Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Flavio Dino, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia.

Eles entendem que a previsão atual do Marco Civil da Internet "não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância (proteção de direitos fundamentais e da democracia)".

Por isso, declararam a lei parcialmente constitucional e estabeleceram as novas regras, prevendo que elas terão validade até que o Congresso aprove uma nova legislação. A decisão, inclusive, faz um apelo para que o Parlamento legisle.

O último voto sobre a questão foi proferido na sessão desta quinta pelo ministro Nunes Marques, que votou contra a responsabilização direta das redes. O ministro defendeu que a responsabilização direta deve ser criada pelo Congresso.

Segundo Nunes, a liberdade de expressão é clausula pétrea da Constituição e deve ser protegida. Dessa forma, a responsabilidade pela publicação de conteúdos é de quem causou o dano, ou seja, o usuário.

"A liberdade de expressão é pedra fundamental para necessária troca de ideias, que geram o desenvolvimento da sociedade, isto é, apenas por meio do debate livre de ideias, o indivíduo e a sociedade poderão se desenvolver em todos os campos do conhecimento humano", afirmou.

Os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli votaram para permitir a exclusão de postagens ilegais por meio de notificações extrajudiciais, ou seja, pelos próprios atingidos, sem decisão judicial prévia.

Luís Roberto Barroso diz que a ordem judicial é necessária para a remoção somente de postagens de crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria"). Nos demais casos, como publicações antidemocráticas e terrorismo, por exemplo, a notificação extrajudicial é suficiente para a remoção de conteúdo, mas cabe às redes o dever de cuidado para avaliar as mensagens em desacordo com as políticas de publicação.

Casos julgados

O STF julgou dois casos concretos que envolvem o Marco Civil da Internet e que chegaram à Corte por meio de recursos.

Na ação relatada pelo ministro Dias Toffoli, o tribunal julga a validade da regra que exige ordem judicial prévia para responsabilização dos provedores por atos ilícitos. O caso trata de um recurso do Facebook para derrubar decisão judicial que condenou a plataforma por danos morais pela criação de perfil falso de um usuário.

No processo relatado pelo ministro Luiz Fux, o STF discute se uma empresa que hospeda um site na internet deve fiscalizar conteúdos ofensivos e retirá-los do ar sem intervenção judicial. O recurso foi protocolado pelo Google.

Entenda a seguir melhor quatro pontos da decisão do STF.

1) Obrigação de apagar conteúdos criminosos por notificação

O STF estabeleceu que conteúdos criminosos deverão ser apagados a partir de notificação. Isso também valerá no caso de contas denunciadas como inautênticas (perfis falsos).

No entanto, foi estabelecida uma exceção: plataformas não serão obrigadas a apagar conteúdos com crimes contra a honra, como injúria e difamação.

Nesse caso, a empresa poderá deletar eventual conteúdo ofensivo se contrariar as regras da própria plataforma, mas não sofrerá punição se optar por manter no ar, a não ser que haja uma decisão judicial determinando a remoção.

O tema dividiu os ministros.

"A minha dúvida é como tratar [um conteúdo] assim: 'fulano enriqueceu dando golpes na praça'. Aí o sujeito se sente injuriado, é a plataforma que tem que decidir se isso vai ser removido ou não? Aí eu prefiro que seja uma briga privada entre o ofendido e o ofensor [na Justiça], e não a plataforma intervindo", argumentou o presidente do STF, Luiz Barroso, durante o julgamento.

2) 'Dever de cuidado' contra circulação massiva de conteúdos graves

A Corte incorporou em sua decisão o "dever de cuidado", princípio previsto na legislação da União Europeia que obriga as plataformas a atuarem sistematicamente para evitar a circulação de conteúdos criminosos.

Segundo o STF, essa obrigação vai ser aplicada em caso de conteúdos considerados mais graves. A decisão lista quais são e aponta as leis que estabelecem esses crimes:

certas condutas e atos antidemocráticos previstos nos Código Penal;

crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo tipificados em lei;

crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação previstos no Código penal;

incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (condutas homofóbicas e transfóbicas), passíveis de enquadramento na Lei do Racismo;

crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio ou aversão às mulheres, conforme previstos em leis;

crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes, nos termos do Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente;

tráfico de pessoas, conforme código penal.

A decisão esclarece que, nos casos acima, as empresas serão punidas caso se comprove falha sistêmica para coibir esses conteúdos. Dessa forma, eventuais casos pontuais, isolados, não devem gerar punição.

"Considera-se falha sistêmica, imputável ao provedor de aplicações de internet, deixar de adotar adequadas medidas de prevenção ou remoção dos conteúdos ilícitos anteriormente listados, configurando violação ao dever de atuar de forma responsável, transparente e cautelosa", estabeleceu a Corte.

O STF prevê ainda que uma pessoa que tenha seu conteúdo deletado poderá contestar a ação da plataforma judicialmente para que sua postagem volte ao ar.

"Ainda que o conteúdo seja restaurado por ordem judicial, não haverá imposição de indenização ao provedor", ressalvou a decisão.

3) Quem vai fiscalizar e punir as empresas que descumprirem as novas regras?

O STF não esclareceu objetivamente em sua decisão como as empresas serão fiscalizadas.

Ao longo do julgamento, ministros sugeririam algumas opções, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ou a Procuradoria-Geral da República. A falta de uma decisão indica que não houve consenso.

Para Filipe Medon, da FGV, a decisão abre a possibilidade de que diferentes instituições possam atuar denunciando as plataformas. A mais óbvia seria o Ministério Público.

"O Ministério Público vai poder entrar com uma ação dizendo: 'Justiça, está acontecendo aqui uma violação sistêmica, a empresa não está fazendo nada, responsabilize essa empresa'", exemplifica.

Na sua visão, as novas regras entram em vigor com a publicação no Diário Oficial da Justiça.

"Mas obviamente as empresas vão correr com isso, porque, se elas perderem tempo, pode ser tarde demais".

4) Canais para contestar remoções

A decisão estabelece ainda que cada plataforma tenha sua autorregularão, prevendo "sistema de notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência em relação a notificações extrajudiciais, anúncios e impulsionamentos".

Segundo Filipe Medon, o "devido processo" previsto pela Corte é a obrigação de as empresas oferecerem canais para que pessoas possam contestar eventuais remoções de seus conteúdos.

"Tanto quanto possível, [plataformas deverão] oportunizar que as pessoas afetadas pela decisão de excluir o conteúdo sejam ouvidas e se defendam, por exemplo, para dizer que o conteúdo é lícito e não deveria ser removido", explica.

A decisão do STF estabelece ainda que as empresas deverão disponibilizar a usuários e não usuários "canais específicos de atendimento, preferencialmente eletrônicos, que sejam acessíveis e amplamente divulgados nas respectivas plataformas de maneira permanente."

Além disso, toda empresa com atuação no país deverá manter sede e representante legal no país, com identificação e informações para contato facilmente acessíveis.

( da redação com informações da Ag. Brasil e BBC. Edição: Política Real)