Nordeste e Poder

ESPECIAL DE FIM DE SEMANA - Deus Salve a Rainha – Trono de Dilma no Planalto pode ser usurpado por um “rei” também muito distante da população

País vive a expectativa do início dos trabalhos no Congresso Nacional que pode resultar na cassação do 2º presidente da história do Brasil

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Por Gil Maranhão/Especial para Política Real

(Brasília-DF, 04/12/2015) “Ó Senhor, nosso Deus, venha / Dispersar seus inimigos / E fazê-los cair / Confunda sua política / frustre seus truques fraudulentos / Em ti depositamos nossa esperança / Deus salve a todos nós."

Este trecho do Hino da Inglaterra, mundialmente conhecido como “Deus salve a Rainha” (God Save the Queen), se encaixa exatamente no atual momento político que os brasileiros vivem. Atônitos, alguns, eufóricos, outros. Todos vêm Brasília, o centro nervoso político do País, tomada por um estado de ebulição, com uma guerra declarada entre os poderes Legislativo e Executivo, e vice-versa, a partir do anúncio, feito esta semana, e da deflagração do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Os trabalhos da Comissão Processante estão previstos para começar na próxima terça-feira, 8. A eleição do colegiado deverá ser na segunda-feira, 7, caso haja quórum – 257 deputados. E, se evoluírem os debates da Comissão, pode resultar na cassação do 2º presidente da República do Brasil em 23 anos – o outro presidente cassado foi Fernando Collor de Mello, em 1992.

A primeira fumaça

Os primeiros ensaios de afastamento da presidenta Dilma começaram ainda em outubro do ano passando, com o PSDB, após perder para o PT, pela terceira vez consecutiva, as eleições para o Palácio do Planalto. Os tucanos ainda estão com uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) questionando a chapa vencedora por abuso de poder econômico e outras denúncias.

O tema ganhou as ruas do Brasil numa grande manifestação popular articulada por partidos da oposição, no dia 15 de março, envolvendo cerca de 100 cidades do país – incluindo todas as 27 capitais.

Os primeiros pedidos

A partir de fevereiro deste ano, a Câmara dos Deputados, levantando a bandeira de “Parlamento independente”, passou a receber os primeiros pedidos de impeachment contra a presidente da República.

A luta pró-impeachment começou a ganhar corpo, no dia 17 de julho, às vésperas do recesso parlamentar do meio do ano, quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) anunciou rompimento político com o governo federal – deixando o seu partido, que ocupa a cadeira da vice-presidência da República (Michel Temer) numa saia justa.

Desde então, ficou também mais acentuada a queda de braço entre o Poder Legislativo e o Executivo. Este último, vendo fragilizada a sua base e fracassadas suas negociações na Câmara, passou a namorar com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e a ensaiar “agenda positiva” para o país que não saiu do papel.

A onda cresce

A onda do impeachment saiu das ruas e veio para o Congresso Nacional. Ganhou força total com o lançamento do Movimento Suprapartidário Pro-Impeachment, lançado no dia 10 de setembro, articulado pelo PSDB, DEM, PPS e Solidariedade, e a participação de deputados do próprio PMDB, e ainda do PTB, PP e PSD (todos os quatro, da base aliada do governo).

“Esse é um momento histórico. Estamos aqui para dizer sim ao processo de impeachment”, festejou, à época, o líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE). Já o líder do Solidariedade, Arthur Maia (BA), destacou que “não se trata de movimento do ódio, mas de grandeza e de esperança”, e cobrava uma posição do presidente da Câmara. “Ele (Eduardo Cunha) é obrigado a se posicionar.”

O deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) foi direto ao ponto. “Ou ela (Dilma) sai pela renúncia ou pelo impeachment. As denúncias, o clima, tudo de ruim ao mesmo tempo, vai acabar caindo a ficha da presidente e ela vai renunciar. Mas nada impede que, concomitantemente, a Câmara tome a iniciativa de levar adiante o impeachment. Que o PMDB tome consciência para dar exemplo aos outros partidos. O compromisso de comandar isso é da maior bancada.”

A gota d’água

A rejeição das contas do governo Dilma relativas ao exercício de 2014, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 7 de outubro passado, numa decisão unânime e inédita, contribuiu para colocar mais lenha na fogueira.

A gota d´água veio na noite de quarta-feira, 2, quando Eduardo Cunha, após retardar por vários meses, anunciou seu parecer e acolhimento do mais esperado entre os 34 pedidos de impeachment contra Dilma protocolados na Câmara dos Deputados (um recorde, segundo ele próprio): o pedido produzido pelos juristas Hélio Bicudo (um dos fundadores do PT) e Miguel Reale Jr., assinado ainda pela advogada Janaína Paschoal, tem o apoio dos movimentos populares que pedem o afastamento da presidenta, e aval dos líderes dos partidos de oposição.

O rito do Impeachment

Após ser protocolado pelo cidadão ou movimento social - o rito do impeachment na Câmara começa com a aceitação do pedido – o que foi feito pelo presidente Eduardo Cunha na quarta-feira, 2; protocolo da decisão, no Diário Oficial da Câmara; e a leitura do pedido no Plenário da Câmara. O documento de Bicudo – mais de 200 páginas, foi lido na quinta-feira, 3, durante 3 horas e 10 minutos (das 14h03 às 17h13) pelo 1º secretário da Mesa Diretora, Beto Mansur (PRB-SP).

O próximo passo é a constituição da Comissão Especial Processante, que será composta por 65 membros. As lideranças dos partidos têm até às 14 horas da segunda-feira, 7, para protocolarem a lista com os nomes dos seus representantes.

A Comissão

De acordo com o secretário Geral da Mesa (SGM) da Câmara, Silvio Avelino, a lei de impeachment determina que todos os partidos devem ter representatividade na Comissão Especial. Das 65 vagas, 59 foram distribuídas aos maiores partidos, pelo critério de proporcionalidade, e ouras seis entre os pequenos partidos.

A Comissão deverá ser eleita (os componentes) em sessão marcada para as 18 horas de segunda-feira, no Plenário Ulysses Guimarães.

Os trabalhos deverão começar já na manhã da próxima terça-feira, 8, com a escolha do presidente, dos vices e a indicação do relator do processo. Alguns deputados defendem que os trabalhos iniciem na noite mesmo de segunda.

A estratégia

O governo corre contra o tempo. Desde quinta-feira, 3, vem realizando reuniões estratégicas com vistas a garantir a maioria na Comissão, através dos partidos que integram a sua base. A ideia é atrapalhar o processo, protelar o debate e até mesmo inviabilizar o impeachment. No Supremo Tribunal Federal (STF), já tiveram rejeitadas duas, das três ações protocoladas por partidos da base. 

Entre os homens-de-ferro estão o líder do governo José Guimarães (PT-CE) e o líder da bancada petista, Sibá Machado (AC).

Já os maiores partidos de oposição – como PSDB, PPS, DEM e Solidariedade, e até mesmo boa parte do PMDB, se articulam para colocar seus melhores quadros. Figuras preparadas e carimbadas no enfrentamento do governo, a começar pelo líder da Minoria, Bruno Araújo (PSDB-PE), além de Rubens Bueno (PPS-PR), Carlos Sampaio (PSDB-SP), Arthur Maia (SD-BA) e Mendonça Filho (DEM-PE), passando por nomes da “tropa de choque” de Cunha, como Manoel Junior (PMDB-PB), Paulinho da Força (SD-SP), André Moura (PSC- SE).

A cota de cada partido

O número de vagas estabelecidas para cada partido, de acordo com a Secretaria Geral da Câmara, está assim distribuído:

O PMDB e PT, que são as maiores bancadas da Câmara, terão 8 deputados, cada um. O PSDB, maior partido da oposição, ficará com 06 vagas.

O PP, PSD, PR e PSB terão, cada um, 4 vagas no colegiado. O PTB terá direito a três vagas. Já o DEM, PRB, Solidariedade, PSC, PROS e PDT tem, cada um, direito a dois membros na Comissão.

As bancadas dos partidos PHS, PTN, PMN, PEN. PCdoB, PPS, PV, PSOL, PTC, PTdoB, REDE e PMB terão, cada uma, um representante na Comissão.

O rito da Comissão

Segundo Silvio Avelino, a contar da data da eleição da Comissão Especial Processante (prevista para segunda), a presidente Dilma terá o prazo de até 10 sessões do grupo para apresentação da sua defesa.

Após a defesa da presidenta, a Comissão terá até 5 sessões para apresentar o seu Relatório Preliminar.

Depois de publicado no Diário da Câmara, tem-se até 48 horas para o relatório entrar na Ordem do Dia do Plenário. E então será votado.

Sendo aprovado o processo de impeachment na Câmara, segue para o Senado Federal – onde deverá obedecer o mesmo procedimento de análise.

Quem é o “rei”?

Se o Senado decidir instaurar o processo de impeachment, a presidenta Dilma terá que se afastar do cargo de presidente da República por até 180 dias.

Nesse período, assume a Presidência da República o vice-presidente Michel Temer (PMDB).

A partir de então, o processo de impeachment passará a ser presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski.

Deus Salve...

“God Save the Queen” (Deus Salve a Rainha) ou “God Save the King” (Deus Salve o Rei) é um hino usado em certos países dos Reinos da Comunidade de Nações, territórios e dependências da coroa britânica. As palavras e título são adaptados para o gênero do atual monarca do Reino Unido, por exemplo, a substituição de "Rainha" (Queen) com "Rei" (King), "ela" (She) com "ele" (Him), e assim por diante, quando um rei reina. O autor da música é desconhecido, mas uma atribuição de 1619 é feita à John Bull como autor da canção.

No caso do Brasil, o clamor do hino inglês serve para a atual mandatária do cargo maior da Nação, a “rainha” dos petistas e da Bolsa Família, Dilma Rousseff.  Mas serve também para o “rei” que vier a assumir a sua poltrona no Palácio do Planalto – que pode ser o Michel Temer, do “partido-rei” do municipalismo – tem o maior número de prefeituras do País: 1.041, entre os 5.575 municípios brasileiros. Ou, em último caso, o próprio Eduardo Cunha. Ambos do PMDB. Ambos, impopulares, muito distantes da população.

Qualquer que seja o desfecho dessa história cabe aos brasileiros, o clamor do último verso, da segunda estrofe do Hino da Inglaterra: “Deus salve a todos”.

(Por Gil Maranhão, para Agência Política Real. Edição, Genésio Jr.)