ESPECIAL DE FIM SEMANA.
Presidente da Comissão da Reforma Universitária, deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), faz uma análise do projeto e dá um diagnóstico sobre as dificuldades da educação no Brasil Parlamentar maranhense é um dos componentes do legislativo que mais conhece o s
( Brasília-DF, 04/08/2006) No mês de junho o Executivo enviou para Câmara o Projeto de Lei 7200/06, que prevê a reforma do ensino superior. O projeto está sendo analisado por Comissão Especial, que tem como presidente o deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), e vai ser relatado pelo deputado Paulo Delgado (PT-MG). Entre os principais pontos do projeto, estão a autonomia administrativa, pedagógica e financeira das instituições e a criação de autarquias para gerir os hospitais universitários.
Em entrevista especial para a Agência Política Real, o deputado Gastão Vieira, que já foi secretário de Educação do governo do Maranhão (1995-1998), faz uma análise dos pontos positivos e negativos da proposta enviada a Câmara. “Acho que o ponto fundamental é o entorno social, de levar as Universidades a ter um papel destacado na inclusão social, na compreensão das soluções dos problemas sociais”, afirma na entrevista se referindo ao ponto do projeto que prevê uma reserva de 9%% das verbas das universidades para assistência aos alunos mais carentes.
O deputado discorda ainda de um ponto do projeto que define a vinculação de 75%% dos recursos da educação à manutenção e ao desenvolvimento do ensino (em vez dos atuais 70%%). “Eu sou contra que esse percentual não pensar nos outros níveis de ensino. Por exemplo, se eu consigo 500 milhões a mais para o Fundef eu vou ter que colocar pelo menos 300 milhões no ensino superior”, explica.
A expectativa do Executivo é que com o aumento do percentual de vinculação de recursos vá influenciar no aumento no número de vagas, exigência prevista no Plano Nacional de Educação (PNE). Dados do Plano mostram que no ano de 2000 cerca de 11,5 %% dos jovens nessa faixa etária estavam matriculados no ensino superior. Em 2003 o número de matriculados cresceu para 15,7 %% nessa faixa da população. A expansão de vagas, entretanto, se deu principalmente no ensino particular.
Outro problema apontado pelo PNE é a distorção na distribuição de vagas do ensino superior entre as regiões brasileiras. Entre 1998 e 2003 a região Nordeste duplicou a sua oferta de vagas nas universidades, 310 mil matrículas para 625 mil. Esse aumento, entretanto, ainda não é suficiente para atender a população local.
Gastão Vieira, que está em seu terceiro mandato de deputado federal, afirma que dentro do próprio Nordeste existem realidades diferentes, onde alguns estados tem boas universidades e outros não. “O critério de distribuição de recursos ele não considera o fator regional, mas o fator do mérito. Quem tem mais doutores leva mais recursos”, critica o parlamentar.
Por fim o deputado faz uma análise das políticas públicas na área de educação nessa última legislatura e defende uma maior atenção para a qualidade do ensino, ao invés da expansão. “Nenhum dos governos teve a coragem atacar a questão da qualidade. Todos eles ficaram na quantidade. Tantos meninos estão na escola, mas não estão aprendendo”, declarou. Veja abaixo os principais trechos da entrevista do parlamentar do Maranhão.
Política Real - Como você avalia o PL 2700, que prevê a de Reforma Universitária?
Dep. Gastão Vieira - Eu acho que o PL 7200, a proposta do Executivo, de certa forma reúne o que foi possível estruturar em termos de projeto. Muita gente achava até que o Executivo não chegaria numa proposta, por conta das dificuldades, dos interesses divergentes. Mas a proposta que chegou é uma boa proposta. Acho que o ponto fundamental é o entorno social, de levar as Universidades a ter um papel destacado na inclusão social, na compreensão das soluções dos problemas sociais. Mas, como todo projeto, traz alguns problemas que precisam ser discutidos e com certeza resolvidos no âmbito do Poder Legislativo.
PR - Quais os problemas da proposta?
Dep. Gastão Vieira - Do ponto de vista das instituições privadas o projeto deixa o entendimento de que elas significam um problema para o país. Se nós temos 75 %% dos alunos matriculados nas instituições privadas do ensino, obviamente temos que considerar que a instituição privada tem um papel importantíssimo no país. Mas ela é vista como vilã no projeto. Em segundo lugar tenta-se reproduzir no ensino privado critérios institucionais que são da pública, como os Conselhos, representatividade, definição do papel da mantenedora. Isso é algo que me parece absolutamente inócuo, que está na contra-mão da modernidade do pensamento econômico, limitando a entrada do capital estrangeiro nas atuais instituições privadas. Do ponto de vista das instituições públicas, o grande problema que vejo é a questão da definição de autonomia. Não me parece que a autonomia está sendo concedida às instituições. Pelo contrário, me parece que é uma autonomia limitada visto que as instituições públicas não têm um orçamento aprovado por um período mais longo. Ou seja, não há um orçamento plurianual para as instituições públicas Enquanto essas instituições públicas não tiverem a capacidade de administrar a sua política de pessoal, com liberdade completa, eu acho que essa autonomia vai continuar capenga. Do ponto de vista geral da matéria, eu tenho discordância de fixar o percentual de 75 %% de recursos para o ensino superior. Ou não sou contra que se garanta recursos para o ensino superior. Eu sou contra que esse percentual não pense nos outros níveis de ensino. Por exemplo, se eu consigo 500 milhões a mais para o Fundef eu vou ter que colocar pelo menos 300 milhões no ensino superior. Podemos melhorar esse entendimento, melhorar o texto e chegar há um consenso que garanta ao ensino superior recursos necessários, mas que não retire dos outros níveis de ensino que hoje são insuficientes.
PR - Como você avalia a situação das Universidades hoje no Brasil?
Dep. Gastão Vieira - Ninguém pode negar que as instituições públicas do ensino superior vivem uma crise muito grande. Elas mal conseguem pagar as despesas do dia a dia. Se elas não conseguem pagar os custeios nem se imagina que elas estejam conseguindo fazer investimento. Não há novos cursos, a abertura de vagas é insuficiente, equipamentos de laboratórios e de pesquisa são quase inexistentes. Por outro lado a própria expansão que o governo faz do ensino superior me parece não planejada. Tem estado como Minas Gerais que tem um excesso universidades, e ainda cresce muito mais. Foi criada uma instituição no ABC que pode ser modelo, mas dentro do critério de prioridade nacional, outros lugares como o Maranhão precisam muito mais. Então me parece que o critério de expansão do ensino superior brasileiro tem um viés político muito forte. O que nós precisamos ter é a compreensão do que é fundamental. É fundamental os aspectos administrativos? Ou nós precisamos pensar nos aspectos acadêmicos e da qualidade? Nesse sentido, me parece que o projeto não atende as expectativas daqueles que querem uma universidade aberta para o mundo, com um padrão internacional, com investimentos na pesquisa, com grande intercâmbio de professores, com centros mais avançados. Eu acho que o projeto, nesse ponto, não traz nenhuma novidade. Eu até diria que é um projeto atrasado com relação às nossas expectativas.
PR - Como é a realidade das Universidades na região Nordeste?
Dep. Gastão Vieira - Dentro do próprio Nordeste temos duas realidades. Temos instituições que se aproximam de boas universidades, como a Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Federal do Ceará e Universidade Federal da Bahia. Mas temos outras universidades que não estão no mesmo padrão, como do Maranhão, do Piauí, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e etc. Então mesmo dentro do Nordeste nós temos concentrações de recursos de ciência e tecnologia nessas universidades melhores e falta corrente de recursos nessas outras universidades, que ainda não atingiram patamares mais avançados. O critério de distribuição de recursos ele não considera o fator regional, mas o fator do mérito. Quem tem mais doutores leva mais recursos. E Pernambuco tem muito mais recursos do que o Maranhão. Então o Maranhão está sempre atrás. Porque o critério não é regional. Então é muito desigual o tratamento dado nas universidades do Nordeste. Mesmo se você pegar Pernambuco, que tem um padrão de Universidade muito superior e comparar com algumas universidades como a Federal do Rio de Janeiro, mesmo assim Pernambuco está muito distante em termos de recursos.
PR - A atual legislatura foi positiva para a área de educação?
Dep. Gastão Vieira - A opinião pública considera essa legislatura perdida, envolvida em escândalos, que nada produziu. Esse conceito, às vezes exagerado, não se aplica na política educacional. No que diz respeito a educação essa legislatura avançou muito. Aprovamos o Pro-Uni, aprovamos quase por unanimidade o Fundeb, aprovamos um ano a mais para o ensino fundamental, estamos trabalhando rapidamente na reforma universitária. Então, o conjunto de medidas na área educacional foi extremamente importante para o país. Mas se você me pergunta onde está o fracasso: não atacar o problema da qualidade do ensino fundamental. È uma verdadeira catástrofe. Quando há uma catástrofe você tem que olhar ela de frente. O governo não olha. O índice de reprovação na primeira série é muito forte. E o governo não faz nada. Então o grande fracasso é não se buscar qualidade no ensino fundamental. O ensino profissionalizante é um fracasso, não temos experiências bem sucedidas fora do CEFET. Mas eu acho que na soma o governo fracassou mais no ensino médio.
PR - Esta falta de visão de investimento na qualidade é um problema atual, ou persiste ao longo da história política do país?
Dep. Gastão Vieira - Nenhum dos governos teve a coragem atacar a questão da qualidade. Todos eles ficaram na quantidade. Tantos meninos estão na escola, mas não estão aprendendo. O ensino médio está colocando muito mais alunos na universidade. Mas para estudar numa escola particular? E o pai pagar uma mensalidade que não pode? Para o governo ser obrigado a abrir mão de impostos e de receita para financiar programas como o Pro-uni para os jovens estudarem em escolas particular? Isso é porque o aluno não aprende no ensino médio. O fracasso da qualidade promove um custo adicional para o país. Se nós tivéssemos um bom ensino fundamental, os alunos fariam um bom ensino médio e os alunos podiam aspirar entrar numa universidade pública.
PR - Você acha que é preciso mobilizar mais recursos para educação?
Dep. Gastão Vieira - Temos recursos suficientes. Temos que encarar de frente uma questão que me parece fundamental: por que o brasileiro não aprende a ler? Onde está o erro? È preciso acender uma luz vermelha no governo, no Ministério da Educação, no Congressso para as pessoas se indignarem. São 64 %% das crianças na primeira série do ensino fundamental que não passam de ano. Ninguém liga e a maioria faz mais salas de aula, mas esse não é o problema. Se com os recursos que temos hoje nós atacarmos o que tem que ser atacado, com certeza nós avançaremos muito.
( por Liana Gesteira com edição de Genésio Araújo Junior)