Piauí.
Deputado do PT rompe com o Governo e diz que relação com o comando partidário é lastimável.
( Brasília-DF,23/08/2004) A bancada federal do Piauí não cansa de chamar atenção na Câmara Federal.
Em menos de dois anos a bancada teve 20% de sua composição alterada pela morte de parlamentares. Hoje, o deputado Nazareno Fonteles(PT-PI) que virou titular com a morte da então deputada Francisca Trindade, também do PT, acaba de declarar guerra ao Governo alegando que votará contra a MP da blindagem de Henrique Meireles assim como disse que a relação com o Governo e a direção nacional do Partido é “lastimável” ao tempo que alega que fez o “desabafo “ por ter sido traído pelo Governo. Ele disse que fez a tal falação após uma “confissão”.
Confira o discurso feito no início da tarde( às 14hs 45) no plenário da Câmara, logo no grande expediente.
“ Sr. Presidente, Sra. e Srs. Deputados, faço hoje desta tribuna um pronunciamento difícil, pois é de crítica ao Governo Federal e ao Governo do Estado do Piauí, o mesmo que já fiz em Teresina e que já reportei à Direção Nacional do meu partido.
Por cerca de 45 dias, desde o início do recesso de julho, fiz uma avaliação, uma meditação sobre a experiência que estou vivenciando nesta Casa e no acompanhar dos trabalhos do Governo de Wellington Dias, do qual fiz parte até novembro do ano passado, na função de Secretário de Saúde. Fiz até uma oração.
Devo dizer que o PT é o único partido em que tive experiência política, e por cerca de 20 anos. Fiz 4 campanhas para Lula, com paixão. Fui o primeiro Deputado Estadual do PT no Piauí. Candidatei-me duas vezes a Governador, após cumprir o mandato de Deputado, para ajudar o meu partido, em vez de disputar a reeleição, que estava certa, segundo mostravam as pesquisas de popularidade que mediram o aguerrido trabalho que realizei naquela Casa.
As críticas que fiz, inicialmente, ao Governo do Piauí depois farei referências ao Governo Federal se resumem a 2 pontos básicos: o domínio dos aliados do Governo e as práticas antigas dominando as práticas progressistas ensinadas, treinadas e capacitadas pelo PT. Ver essas atitudes serem minadas ferem nossa consciência. Por exemplo, no Piauí, os amigos do Mão Santa que atacam o Governo a torto e a direita e que dominam as Secretarias do Estados dirigidas por petistas colocam em risco a ética partidária. E esse homem público, com formação cristã, que está comprometido com a tradição e com o partido, tem limites de tolerância. Isso poderia ser feito, internamente? Poderia, se existissem oportunidades para o debate democrático, como preceituam as resoluções ditadas no último encontro nacional e no segundo congresso do partido.
Mas se não existir este espaço na Casa, nas reuniões da bancada, para um debate mais profundo, restar-nos-á a tribuna pública, pois o mandato nos permite fazer críticas construtivas, porém com responsabilidade, aos 2 Governos. Por isso, ocupo esta tribuna, neste momento.
Não é justo sermos atacados, quotidianamente, pelos aliados que dominam as rádios do Piauí e que quando estão na Capital ou na Assembléia se dizem governistas.
É duro ver os companheiros serem acusados de forma direta. Os erros, os defeitos do Governo são enfatizados. Dizem: é do Governo do PT; o PT atrapalha, quando sabemos que ocorre o contrário.
Vejo o Governo não ser petista. Vejo que a linha de atuação dos Governos Federal e Estadual não segue a prática petista. Não se honram as decisões do 12º Encontro Nacional, do qual participei como delegado, realizado em dezembro de 2001,
No Piauí as bases partidárias só mandaram solidariedade. Disseram que conseguimos expressar um grito sufocado em sua garganta. Em vários outros Estados do País, as bases do meu partido clamam por mudança e a direção nacional não obedece, não abre o debate nos Estados; dobra-se de modo subserviente ao Governo central. O partido ensinou-me a ser valente, a ser ousado, a lutar contra as dominações. Não posso aceitar as dominações internas do meu partido porque ele está no Governo. Não posso aceitar que tudo o que se critica vira crise e que para evitar isso vamos continuar a praticar mesmos erros, cada vez mais nos desviando da rota que traçamos na campanha. Isso éduro.
As bases do PT que estejam me escutando aqui e agora pela TV Câmaraacordem, ousem falar, pressionem as direções regionais para que a direção nacional obedeça à instância máxima que nos dirige, que é o Encontro. A esse Encontro precisamos ser fiéis. A direção está infiel. A direção trai o Encontro quando aceita que o Governo se desvie, principalmente no que se refere à política econômica. Cadê a renegociação da dívida externa? Cadê a renegociação da dívida externa e a da interna dos Estados? Está lá o Piauí quebrado. Faço a crítica, mas reconheço que o Governador não está podendo honrar a folha de pagamento porque o nosso Governado teima em não renegociar as dívidas dos Estados. O Governo está quebrando muitos Estados e o Piauí é um deles porque está obedecendo à política neo-liberal contra as quais bateram duro nossos Deputados e Senadores ao longo de anos na Oposição nesta Casa e no Senado. Eles nos ensinaram a ser contra essa política.
Como é que aqui somos obrigados, feito cordeirinhos, a votar contra o que nosso partido decidiu em instância máxima, ouvidas as bases. Estaremos traindo nosso consciência. Isso acaba com a nossa dignidade. Alguns se acomodam, porque o mandato é uma coisa complexa, a trajetória de vida de cada um é construída a duras penas. Por isso, muitos se calam.
Mas eu vejo a humilhação por que passam muitos dos nossos Deputados. Aliados ao Governo são bem tratados, certos Senadores têm grande influência sobre o nosso Governo, e nós não temos a oportunidade sequer de debater os grandes projetos que o Governo envia ao Congresso Nacional. Não podemos avaliar a política econômica porque isso desagrada o capital financeiro especulativo internacional, desagrada os banqueiros.
Mas não é isso que diz o Encontro. Aqui diz que quem tem que comandar o desenvolvimento é o eixo social. E quem comanda são os burocratas da área econômica, que nos enchem de humilhação. Agora, esse casuísmo da medida provisória sobre Henrique Meirelles foi a gota dágua. Como é que podermos votar um casuísmo desse?
Há alguém suspeito dirigindo o Banco Central, e para blindar o assunto esta Casa recebe uma medida provisória. Isso me mata de vergonha! Prefiro não ter mais mandato depois que concluir este. Mas este mandato tem de ser concluído com dignidade, honrando a história do meu partido.
Ninguém nesse partido, de Lula ao simples militante, é maior do que o outro na condição de militante: foi o que nos ensinaram. Como é que podemos aceitar isso? É traição, sim, e não dá para calar.
No primeiro ano disseram que iam mudar, no segundo não mudaram e agora sentimos um massacre eleitoral. Os defeitos, as pragas, os maus costumes dos aliados dominaram, estão deseducando o partido e os militantes. É a rotura da ética partidária, patrimônio deste partido.
Não escrevi este pronunciamento, porque quis falar desta tribuna com a alma, com a profundidade do coração. Há anos ajudamos a construir este partido para agora sofrermos essa decepção! Acordem, petistas, não se deixem enganar pelas direções, pelas cúpulas que estão capitulando junto aos banqueiros, ao mercado especulativo, que tanto criticamos, à política de emprego abandonada! Não pode haver um pequeno agrado de crescimento porque acham que está tudo bem. Não está. Podem usar a mídia para calar. Podem usar a mídia para apresentar versões. Posso não ter a mídia, mas o espaço que tiver vou honrar, porque a prudência me fez segurar essa situação difícil até então. Mas não vou ouvir calado às críticas da Oposição. Sinto-me envergonhado em defender o Governo, porque vejo que não está seguindo as linhas mestras do nosso plano, dos nossos documentos.
Mostrarei alguns fatos mais graves. Não vou detalhar sobre o Piauí. Quero ajudar o Governo, quero que ele se conserte, porque ainda há tempo para isso.
Quero que a Direção Nacional reconheça suas falhas e cobre do Governo o que está na resolução ou tenha a coragem de convocar um encontro extraordinário para rasgar isto ou fazer outro com debate democrático, e não com imposições de cúpula, não com o silêncio para o baixo clero, porque éum desrespeito aos direitos de cidadania parlamentar. Sentimos a discriminação por pensar diferente. Isso é contra a democracia.
Aí vem o casuísmo da reeleição dos Presidentes desta Casa e do Senado. Já estão falando nisso de novo. Já votei contra e vou votar contra de novo.
Com relação à medida provisória do Henrique Meireles, votarei contra pela dignidade, pela ética, pela história do meu partido. Não há instância nenhuma que tenha mais respaldo do que esta.
Infelizmente, na estrutura partidária, não existe o Judiciário para, de forma independente, analisar se a Direção obedece à instância máxima do encontro até ter novo encontro.
É preciso criar isso porque muitos que estão calados aqui sei do sofrimento deles - sabem do risco de retaliação, de amanhã não poder ser candidato, de perder isso, aquilo e aquilo outro.
No entanto, talvez seja mais frágil para suportar isso e prefira honrar, enquanto tenho este mandato, a história do partido cobrando um rumo deste Governo que eu e outros companheiros ajudamos a eleger e deste partido que ajudamos a construir pacientemente, com cada um se doando como podia, para ganhar a credibilidade da Nação, assim como do povodo Estado do Piauí.
Já pensaram na minha situação? É Governo do PT no Estado e na Nação pela primeira vez, e vemos o desmantelo, os maus costumes penetrando nas fendas burocráticas do aparelho do Estado e contaminando a nossa política.
Vi a dificuldade de ser gestor da saúde lá no Estado pela própria pressão dos aliados. Segurei. No entanto, depois que saí, infelizmente, muita coisa já foi desmontada. Depois, o prejuízo vai ser visto por essa influência perversa.
Quero relembrar mais. Onde está o orçamento participativo, que faz parte desse documento? Onde está o esforço para pô-lo em prática em pleno segundo ano? Nem aqui, nem lá.
São compromissos históricos que nos diferenciam do que já existia antes. As experiências que tivemos nas Prefeituras, como a de Porto Alegre, e até no Governo de Olívio Dutra parece que foram esquecidas. Por quê? Porque os aliados mandam mais do que o PT e põe a culpa no nosso partido. O PT é que atrapalha o Governo. Quem atrapalha o Governo não é o PT; são as práticas ruins que estão dominando o Governo.
Um coisa que escutei uma vez aqui um companheiro Parlamentar comentar: Olha, para ter uma audiência com um Ministro nosso, às vezes, leva 1 ano. Eu estou com 1 ano, mas fulano disse que basta ligar para o Sarney que a audiência é obtida.
Isso é humilhante.
Sentimos essa força. Imaginem o seguinte: Temos uma bancada de 90 Deputados, e vemos que muitos deles não têm força junto ao Governo como tem um Senador de um partido aliado, como o Senador José Sarney. Fiz campanha para Governador do Piauí em 1986, depois fiz campanha novamente em 1994, e a crítica era sempre sobre o modelo do Governo Sarney.
É claro que a história mudou. No entanto, estou dizendo que essas contradições tão grandes terminam desvirtuando o patrimônio do nosso partido.
O PT não pertence a si mesmo. O PT pertence ao povo. Ele é uma construção histórica que a Nação fez, e a responsabilidade maior com este partido é nossa. Ele é um instrumento da nossa democracia que não pode fracassar. O Governo pode até fracassar, mas não pode ser legitimado dando rumo errado pelas instâncias partidárias.
Esse é o desabafo da minha consciência diante desses fatos.
Posso enumerar muitos outros, mas um merece ser mencionado. Cito uma pequena experiência na Comissão Mista de Orçamento.
Está aqui o relatório inicial, do dia 21 de junho, feito pelo Senador Garibaldi Alves Filho. Havia uma emenda que tínhamos proposto exatamente para aumentar, como manda a Constituição Federal, os investimentos para os Estados e Municípios mais pobres. Propus na área social. Modificaram a emenda, mas aprovaram que deveria obedecer ao seguinte critério: 50% proporcional ao inverso da renda per capita. Portanto, quanto mais baixa a renda per capitamais recursos os Estados e os Municípios iriam receber. O outro critério era o populacional. Pois no dia da votação ouvi o seguinte nos corredores: O Ministro ligou dizendo que é para cancelar. E aí aparece a errata.
Votei de acordo com o Governo, contrariando tudo aquilo que pensava, na segunda votação do salário mínimo porque exatamente aqui havia um choque social, e também o Presidente terminou por vetar o aumento do salário mínimo, que modificado a correção com o PIB, e essa emenda.
Foram 3 pauladas que recebi pensando que era um acordo para valer.
Nobre Deputado, peço-lhe desculpas por não conceder o aparte. A complexidade do tema obriga-me a falar em tempo contínuo.
Sr. Presidente, a relação do Governo e da Direção Nacional com a bancada é lastimável. A sensação que temos é que nosso Presidente nacional é uma espécie de Ministro extraordinário do Lula para cuidar do PT, e não um dirigente que expressa as minorias, as facções internas.
Infelizmente, é preciso dizer isso para corrigir rumos. Às vezes, temos que falar duro com um irmão, como um pai, às vezes, fala com um filho, para dizer que está errado. Às vezes, épreciso falar duro, mas o amor e a fraternidade permanecem.
O que me move a fazer esse desabafo é a fraternidade com o povo brasileiro, com a base deste partido importante para a democracia no Brasil. Por ver naufragar esse projeto é que grito desta tribuna para que outros acordem e possamos ajudar este Governo a retomar aquilo que foi uma decisão nacional do partido, aquilo que foi discutido antes da campanha.
Sei que tem muito mérito em muita coisa que está sendo feita. No entanto, hoje estou botando o dedo na ferida. Hoje estou trazendo as minhas convicções e a minha percepção do processo.
Faço um apelo às bases partidárias para que, refletindo juntos, possamos dar um rumo adequado, coerente, aos documentos do partido, às decisões partidárias.
A mesma coisa desejo para o Governo do Estado do Piauí. A crítica que fiz lá e que tem repercutido muito é para ajudar a corrigir os rumos. Não podemos deixar que a responsabilidade seja colocada em nossos ombros, enquanto outros tomam conta do Governo e dizem que o que esta ruim é culpa do PT e o que está bom é mérito dos aliados.
É isso que tem acontecido no Piauí. É isso que se propaga na mídia nacional.
Meu protesto, Sr. Presidente, minha fraternal indignação em nome da liberdade de expressão que o PT nos ajudou a defender, em nome do poder de divergir, do pensar, do refletir e até de amar as causas nobres. É isso que me faz dizer essas palavras, emocionado.
Àqueles que estão em casa me assistindo, desculpem-me a força de expressão, mas são anos de experiência e vivência na construção desse partido. Só quem faz parte dele hámuito tempo sabe a dor, a dificuldade de expressar isso.
Passei 45 dias, Deputado Padre Luiz Couto, em meditação e oração. E antes de dizer as primeiras palavras, fiz questão de me confessar o que é minha rotina: ir à missa e comungar novamente, para no dia seguinte dar entrevistas. Sei que para aqueles que não têm fé isso pode não ter importância, mas tenho certeza de que falei à luz da verdade, com o espírito da verdade, com o desejo de fazer nosso partido acertar, de fazer o Governo Lula assumir seu histórico papel e sua missão, e que o companheiro Wellington Dias entenda minha crítica fraternal para ajudar a corrigir os rumos antes que seja tarde e sejamos responsabilizados por não termos gritado: Chega de mudança!
Que Deus abençoe todos aqueles que têm a mesma indignação que eu e ainda não a expressaram. Que se organizem para cuidar do nosso PT com zelo, como se fosse um abraço maternal, a fim de que o partido não fuja à missão nobre, à história política, econômica e cultural do Brasil
Muito obrigado.
Durante o discurso do Sr. Nazareno Fonteles, o Sr. Wagner Lago, § 2º do art. 18 do Regimento Interno, deixa a cadeira da presidência, que é ocupada pelo Sr. Luiz Couto, § 2ºdo art. 18 do Regimento Interno.
( da redação com informações da taquigrafia da Câmara Federal)