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  • Contato Brasil, 26 de abril de 2024 18:39:43
Jorge Henrique Cartaxo
  • 19/05/2021 20h05

    O fosso que nos consome

    Comer, onde comer, o que comer e como comer é, além de uma celebração ancestral, um gesto do bom gosto e símbolo de poder, estilo, riqueza e status

    Gólgota - Edvard MunchGólgota - Edvard Munch( Foto: arquivo do colunista)

    O restaurante Eleven Madison Park, em Manhattan, figura entre uma das melhores cozinhas do mundo. Seu chef, o suíço Daniel Humm, já foi agraciado com quatro estrelas pelo New York Times e três da Michelin. Famoso pelas suas iguarias com leitão, ouriços-do-mar, pato com lavanda, raiz de aipo, miúdos de porco e caviar, o Eleven reabrirá sua cozinha, depois de ter lacrado suas portas em março do ano passado diante da pandemia, com um novo conceito: os vegetais.

    Humm, como ele mesmo explica, chegou a essa conclusão observando os caminhos e descaminhos que abraçaram o mundo nos longos e tortuosos dias da pandemia que ainda nos atinge a todos, de uma forma mais evidente, desde o inicio de 2020. O refinado chefe da Confederação Helvética compreendeu, com mais evidência nos últimos 18 meses, que a dieta alimentar à base de carnes e frutos do mar vem acirrando nossas urgências ambientais e exaltando nossos desafios sociais. “Ficou muito claro para mim que a nossa ideia do que é luxo precisava mudar. Não podíamos voltar a fazer o que fazíamos antes”, disse Humm ao explicar o novo cardápio do Eleven Madison Park.

    Comer, onde comer, o que comer e como comer é, além de uma celebração ancestral, um gesto do bom gosto e símbolo de poder, estilo, riqueza e status. A decisão de Daniel Humm, o grande goumert contemporâneo da ainda exuberante e encantadora Manhattan, foi muito mais do que uma opção mercadológica ou uma excentricidade típica de uma cidade que, ainda, se pretende referência dos meios e modos prevalentes no ocidente.  Como a poesia e a delicadeza das suas elogiadas obras gastronômicas, Humm sublinhou uma tendência de um tempo que se avizinha de forma inexorável e surpreendente, revirando pelo avesso nossa forma de ser e viver no chamado mundo moderno.

    Assim como Humm sugere essa grande mudança no seu cardápio, empresas, centros de pesquisas e organismos multilaterais mergulham na compreensão dos novos tempos. Na charmosa Lausanne (Suiça), o Institute for Management Development (IMD), uma das melhores escolas de administração da Europa, em estudo recente, concluiu que os países com mais chances de sucesso nas próximas décadas serão aqueles que tiverem instituições capazes de construir consenso social em torno de políticas públicas necessárias, as pequenas economias com integração e proteção de nações ou regiões poderosas como a China e a Europa e os países financeiramente estáveis. No mesmo estudo, os prováveis grandes perdedores no novo cenário serão os países exportadores e sem um mercado interno consistente e próspero, as economias dependentes de produtos de baixo valor agregado como as commodities agrícolas e os dependentes da exportação de petróleo. Nos dois cenários, podemos ver o Brasil, a Índia, a África e o Oriente Médio.

    Na Europa e nos EUA, agora em clara reaproximação estratégica, discute-se ajustes nas cadeias globais de valor – o mercado de bens e serviços internacionais – com destaque para novos e maiores impostos sobre as multinacionais, emissão de carbono e os conglomerados digitais e investimentos profundos em ciência e tecnologia. Nos dois Continentes há também um consenso sobre a urgência de política públicas e macroeconômicas no sentido de recuperar as classes médias empobrecidas. Tudo isso no bojo de uma reviravolta na globalização com um fortalecimento das economias nacionais e dos Estado-Nação. Na outra ponta, a China continuará como a senhora do comercio mundial com os maiores valores de importação e exportação do planeta. Esses dados, e muitos outros mais ilustrativos e esclarecedores, podem ser encontrados, com vantagens na cobertura solitária do correspondente do jornal o Valor na Europa, o sempre brilhante Assis Moreira.

     Mercado, tecnologia, meio-ambiente, estabilidade institucional, preparação de quadros, segurança alimentar e sanitária. São esses os temas que movem as reflexões e ajustes para o mundo pós-pandemia. Uma pauta densa, rica e desafiadora, mas, ao mesmo tempo repleta de extraordinárias possiblidades. Enquanto isso, na pátria tupiniquim, nos desperdiçamos com a linguagem de monturo de Jair Bolsonaro que se diz imorrível, imbrochável e incomível. Convivemos com o espetáculo de mentiras, irrelevâncias e despreparos de toda ordem na CPI da Covid que não consegue se impor diante dos crimes e criminosos do governo. Como se fosse pouco o piromaníaco Ricardo Salles, que se assenta na cadeira de ministro do meio ambiente, sente as garras da Justiça e da Policia Federal e o filho do presidente, o famoso Carlos Bolsonaro, se faz presente numa estranha compra de aparelhos de espionagem. Como os fatos demonstram, vivemos numa decadência bem particular e paralela ao mundo real. E nada acontece!

    Portanto, Bolsonaro é sim o mal evidente. Mas ele é apenas a cereja do bolo. Nesse momento ele é o Brasil que prevalece. A face mais sórdida e até então não evidenciada da nossa Nação!


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