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Jorge Henrique Cartaxo
  • 16/04/2020 11h10

    O camelô de farmácia

    Esse alvorecer fantasmagórico do século XXI, talvez por ironia, se nos apresenta com sombras similares às do início do século XX, em décadas quase coincidentes.

    A pesta( Foto: arquivo do colunista)

    “Visito os fatos, não te encontro/Onde te ocultas, precária síntese”. O verso indagativo e angustiado de Carlos Drummond de Andrade, no Poema “Nosso Tempo” coligido em “A Rosa do Povo”, resgatado pelo professor João Cesar de Castro Rocha em seu artigo, de elegância instigante, “Guerra cultural bolsonarista – a retórica do ódio”, servirá, sim, como epitáfio sombrio desses nossos dias tenebrosos.  

    Esse alvorecer fantasmagórico do século XXI, talvez por ironia, se nos apresenta com sombras similares às do início do século XX, em décadas quase coincidentes. Em 1918, enquanto o mundo ardia suas últimas feridas da primeira guerra mundial – 1914/1918 – o Brasil elegia, pela segunda vez, Rodrigues Alves como presidente da República, em meio a uma pandemia da Influenza A ( H1N1 ), que ficou conhecida como Gripe Espanhola, quando, na verdade, havia surgido no Texas, nos Estados Unidos. Alves substituiria Venceslau Brás ( 1914-1918 ), que viu a Gripe Espanhola chegar ao Brasil em setembro de 1918. Em novembro, Rodrigues Aves foi eleito, mas viria a falecer em janeiro de 1919, vítima da gripe. Assumiu o vice Delfim Moreira. Entre um momento e outro, a pandemia se expande e a população, até então indiferente ao vírus, apavora-se. O diretor de Saúde Pública da época, Carlos Seidl foi chamado de “cretino” pelos jornais. “O mal de Seidl”, assim passou a ser chamada a gripe no Rio de Janeiro. Numa reunião na Academia Nacional de Medicina, fundada em 1829, Carlos Seidl disse que a gripe era “apenas um tipo de influenza, só um resfriado.” A demora em reconhecer a gravidade da pandemia, assim como a insegurança em assumir as medidas necessárias, aconteceram em 1918, sublinha a médica e historiadora Dilene Raimundo do Nascimento, autora de textos e estudos sobre a Gripe Espanhola. No século XX,  diversos tratamentos, sem o devido respaldo científico, apareceram no rastro de propagandas milagrosas de médicos oportunistas.  Águas Purgativas Queiroz, as Pílulas Sudorificas de Luiz Carlos e as Balas Peitorais inundavam os classificados dos jornais em 1918. Já naquela época o quinino ( substância com funções antitérmicas e analgésicas, retirada da casaca da árvore cinchona), muito eficaz no combate à malária, foi também apresentado como uma solução milagrosa contra a gripe, mesmo sem nenhuma comprovação científica.  O quinino é o precursor da cloroquina, que é o mesmo alcaloide quinino sintetizado artificialmente. Esse é o medicamento que anima o estilo camelô de farmácia  de Jair Bolsonaro.

    Delfim Moreira, que teve uma espécie de surto no exercício da presidência, foi substituído, oficiosamente, pelo também mineiro  ministro Afrânio Arinos de Melo Franco.  Reza a crônica que Moreira, durante as reuniões no Catete, ficava batendo portas, desfilava de fraque e costumava urinar nas cortinas. Hoje, parece ter reencarnado em Jair Bolsonaro no século XXI.

     

     

     


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