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  • Contato Brasil, 07 de julho de 2025 14:00:28
Edson Vidigal
  • 22/01/2015 08h27

    Isto aqui, o que é?

    O produtor do programa avisa que a entrevista vai recomeçar. Entrevistador e entrevistado se entreolham como se um corisco de desconfiança mutua riscasse o ar no estúdio.

    - Agora que eu sou o chefe maior até imagino que se soubessem o que eu sei sequer poderiam imaginar que do muito que eu sei só me resta calar-me.

    - Então, excelência, por que resolveu nos dar a honra desta entrevista à TV Arara Vermelha com retransmissão da CNN, BBC, Al Jazeera e emissoras de rádio de toda a Europa...

    O chefe maior interrompendo o repórter:

    - A Rádio do Vaticano também?

    O repórter blefando:

    - A Rádio do Vaticano também. O Papa Francisco tem recebido pedidos para incluir o seu país na agenda das próximas viagens.

    - Já nos conhecemos. Fomos apresentados pelo nosso embaixador e até posamos numa foto para a posteridade lá no Vaticano.

    - Mas se o senhor não vai nos falar do que sabe para nós outros aqui da imprensa que quase sempre nem sabemos de nada...

    - Por favor, moreno, compreenda bem...

    Olhar fixo na câmera um, o entrevistador anuncia um breve intervalo para os comerciais. É o momento de insistir.

    - Vossa excelência sabe que a segurança depende da confiança que a gente tem em si e nos outros.

    - Não vou falar de crise no sistema de segurança. Isso é parte da herança maldita.

    - E o senhor não vai perder tempo com o passado...

    - Precisamos é ganhar tempo e só se ganha tempo cuidando seriamente do futuro.

    - Mas quando falei que a segurança depende da confiança, trocando em miúdos, eu quis apenas lhe garantir o sigilo da fonte e que, assim, vossa excelência poderá nos contar o que sabe em “off”. Depois alguém do seu gabinete dá uma declaração negando tudo. Mas até isso acontecer já estaremos cobrindo os efeitos colaterais.

    O chefe maior esboça um sorriso. Passa a mão na cabeça ajeitando o penteado. Chama atenção a simetria dos fios brancos dos cabelos um pouco acima das orelhas. Propõe.

    - Retomaremos a entrevista ao vivo falando sobre abobrinhas da economia ou sobre os dois japoneses que o Estado Islâmico ameaça degolar se não receber dois milhões de dólares como resgate...

    - E o que senhor acha disso?

    - Sou um politico de diálogo. Acho que pelo diálogo é possível encontrar solução para tudo.

    - Menos a morte e para os impostos, como dizia Benjamim Franklin?

    O produtor do programa avisa que a entrevista vai recomeçar. Entrevistador e entrevistado se entreolham como se um corisco de desconfiança mutua riscasse o ar no estúdio.

    - Excelência, o preço do barril do petróleo caiu pela metade. Não seria lógico que os preços da gasolina e do diesel também caíssem pela metade?

    - Isso é nos Estados Unidos, meu camarada.

    - Agora mudando um pouco de pau pra cacete, quais as áreas no seu governo são mais cobiçadas pelos políticos da sua base aliada, além da saúde e da educação?

    - Na nossa base aliada temos excelentes aliados. Confio muito na contribuição como operadores patrióticos de todos eles.

    Agora transpirando indignação:

    - Conosco não tem esse negócio de toma lá, dá cá. Não tem, não!

    A entrevista é encerrada com uma vinheta musical tirada de Ari Barroso – “Isso aqui, iô, iô / um pouquinho de Brasil iá, iá...”

    Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

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