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- Contato Brasil, 08 de julho de 2025 05:14:14
Dom Quixote e Sancho Pança seguiam juntos movidos cada um por um sonho, unidos pela amizade e tendo que dar provas, a cada hora, de sua coragem e integridade. Eram do bem.
Num certo dia num dado momento, Pança cansado daquela estafante jornada falou que o melhor seria voltar pra casa. O fidalgo e engenhoso cavaleiro de La Mancha discordou tentando convencer Pança a desistir daquela ideia.
Dom Quixote, pensou Pança, está me enrolando. A promessa de que alcançariam uma ilha onde Pança seria o Governador foi confirmada pelo fidalgo e engenhoso cavaleiro.
Então prosseguiram mundo adentro por paragens que ainda nem estavam, muitas delas, nos mapas da Espanha.
Reféns da sua obsessão, desafiando o imponderável, Dom Quixote só pensava em Dulcineia. E Sancho Pança só naquilo. Em ser Governador.
Sancho Pança parecia não acreditar no que lhe acontecia. Era, enfim, o Governador de Baratária, uma ilha - Estado de pouco menos de mil moradores que o receberam com muita alegria.
Naquele tempo, em Baratária, o poder político, como na Roma antiga e ainda hoje no Maranhão, enfeixava tudo – executivo, legislativo, judiciário, mídia, revendedoras de pipocas e de churrasquinhos de gato.
Pança, diga-se de passagem, provou que estava preparado para aquelas funções de Governador.
Logo no primeiro dia, numa audiência, teve que resolver uma pendenga entre um criador de porcos e uma mulher com quem depois de embaralharem as coisas cobrou mais dinheiro do que o combinado antes.
O Governador mandou que o homem entregasse tudo que tinha na bolsa à mulher. Feliz da vida, ela saiu agarrada à bolsa. Em seguida, Pança mandou que o homem tomasse a bolsa com o dinheiro das mãos da mulher. O criador de porcos partiu pra cima dela e não conseguiu o dinheiro de volta.
Sancho então, com bons modos, pediu que a mulher lhe desse o dinheiro. Ela atendeu. Após restituir o dinheiro ao homem que criava porcos, o Governador deu o seu veredito – se a senhora defendesse a sua honra com a mesma garra com que defendeu aquela bolsa com dinheiro, nem Hércules a dominaria. Cabisbaixa, a mulher se retirou. E o homem agradecido foi embora.
Os áulicos, os interesseiros, os negocistas, os arrecadadores de campanhas, afora a chatice das solenidades e os favores que lhe pediam a toda hora, aquilo tudo foi brotando em Pança, um sentimento de nojo, de decepção absoluta com os exercícios daquela política para manter-se no cargo tão sonhado. Sancho Pança era um homem competente e honrado.
Não passara uma semana nas funções de Governador e as forças ocultas por trás do poder lhe passaram um informe sobre uma iminente invasão e saques de piratas à ilha.
O Governador teria que resistir. Vestiram-no com dois escudos, um à frente, outro atrás, de modo que ele, baixinho e pançudo, ficou parecendo uma tartaruga, quase nem podendo andar. O primeiro a ser pisoteado pelos invasores foi o Governador.
Salvo por aquelas armaduras tão improprias quanto ridículas, Pança foi se desiludindo até que confessou ao seu amigo Quixote a sua vontade de ir embora.
Sancho Pança provou que estava muito bem preparado para o cargo, tanto que no seu período recebeu muitos elogios e carinhosas manifestações de apoio da população.
Naquelas circunstâncias, porém, o poder não mais lhe interessava. Estava claro para Sancho Pança que, naquelas circunstancias, de nada lhe servia ser Governador se as engrenagens do poder em Baratária em tudo lhe obstaculizavam no serviço às aspirações populares.
O Governo de Baratária era apenas uma saló, um Estado de mentirinha. Tudo não passara de um trote engendrado por seu amigo Dom Quixote e o Duque dono de tudo, das terras e do mar.
Sancho Pança decepcionado, beirando a frustração, renunciou em caráter irrevogável.
Houve um momento em que Dom Quixote disse – não há derrota quando não se perde a honra.
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