Veja a íntegra do discurso do ministro Edson Fachin no encerramento do ano legislativo de 2025; ele assumiu o cargo no lugar do ministro Barroso, hoje aposentado.
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(Brasília-DF, 19/12/2025). A Política Real veiculou em nossa conta do Ao Vivo do site o discurso na íntegra do ministro Edson Fachin, presidente do Supremo Tribunal Federal(STF).
Ele assumiu a presidência no dia 26 de setembro de 2025 em substituição do ministro Luis Roberto Barroso do qual foi vice-presidente no último biênio.
Ele fez questão de citar o ministro Barroso, agora aposentado.
Veja a íntegra do discurso:
Hoje, 19 de dezembro, termina o Ano Judiciário de 2025. Ao encerrar este ciclo de
trabalho, dirijo-lhes algumas palavras que se destinam tanto ao agradecimento
institucional quanto à reflexão sobre o papel constitucional desta Corte.
Cumprimento a Excelentíssima Ministra Cármen Lúcia e os Excelentíssimos Ministros
do Supremo Tribunal Federal, na pessoa de seu Decano, Ministro Gilmar Mendes, pelo
elevado padrão de dedicação e compromisso demonstrado ao longo do ano, bem como
pelo apoio, pela colaboração e pela convivência respeitosa que marcaram os trabalhos
deste colegiado. Registro, igualmente, meu reconhecimento ao Ministro aposentado
Luís Roberto Barroso, que me antecedeu na Presidência do Tribunal e do Conselho
Nacional de Justiça, e cuja atuação foi decisiva na condução de julgamentos relevantes
e na implementação de importantes projetos institucionais.
Da minha parte, o início da gestão à frente desta Corte se deu a partir de 29 de setembro,
período curto em termos cronológicos, mas suficiente para evidenciar a complexidade
das atribuições que a Constituição de 1988 confiou ao Supremo Tribunal Federal, bem
como a responsabilidade inerente ao exercício da jurisdição constitucional em um país
plural, desigual e de dimensões continentais.
Expresso minha gratidão às servidoras e aos servidores do Tribunal, às estagiárias e aos
estagiários, colaboradoras e colaboradores, cujo trabalho técnico, contínuo e muitas
vezes invisível sustenta o funcionamento regular da Justiça constitucional. Este
Tribunal é composto por pessoas concretas, que, para utilizar a expressão do professor
Pietro Barcellona, são “pessoas de carne e osso”, e que, no exercício de suas funções,
contribuem diretamente para a guarda da Constituição e para a efetividade do Estado de
Direito.
Saúdo a todas e a todos na pessoa da Doutora Carmen Lilian, Secretária do Plenário, e
reitero que servir ao Supremo Tribunal Federal é servir à democracia brasileira. É por
meio desse trabalho cotidiano que a Justiça se realiza como prática institucional e não
apenas como promessa normativa.
Cumprimento o Procurador-Geral da República, doutor Paulo Gonet, com quem
compartilhamos a responsabilidade de promover a ordem jurídica, o regime
democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Estendo meus
cumprimentos às defensoras e defensores públicos, às advogadas e aos advogados,
públicos e privados, às servidoras e aos servidores das demais carreiras da Justiça, à
imprensa, às estudantes e aos estudantes que nos visitam e, especialmente, às cidadãs e
aos cidadãos brasileiros, destinatários últimos da atividade jurisdicional.
No ano de 2025, o Supremo Tribunal Federal recebeu 85.201 processos, distribuídos
(38%) ações originárias e (62%) processos recursais – em relação ao ano anterior, houve
um aumento de 21% no recebimento de processos originários e redução de 4,2% no
recebimento de processos recursais.
Foram proferidas 116.170 decisões, tantos em processos originários quanto em feitos
recursais.
Do total de decisões, 80.5% foram proferidas monocraticamente, e 19.5% de forma
colegiada. Houve, em relação a 2024, um aumento de 5,5% no número de decisões
colegiadas, o que revela o esforço institucional de fortalecimento da colegialidade e
da deliberação plural.
No Plenário, foram realizadas 74 sessões presenciais, além de 41 sessões plenárias
virtuais e 15 sessões plenárias virtuais extraordinárias. Ao todo, foram julgados e
finalizados 6.177 processos, sendo 61 no sistema presencial.
Na Primeira Turma, foram realizadas 38 sessões presenciais e 47 sessões virtuais, nas
quais foram julgados e finalizados 8.206 processos.
Na Segunda Turma, foram realizadas 14 sessões ordinárias e 44 sessões virtuais, nas
quais foram julgados e finalizados 8.158 processos.
O acervo atual contabiliza 20.315 processos em tramitação, representando redução de
2,1% em relação ao estoque existente ao final de 2024. É o menor acervo dos últimos
31 anos.
Em 2025, foram baixados 85.629 processos, número que, embora demande análise
contextualizada, indica a manutenção de um fluxo significativo de julgamento e
racionalização do acervo.
Também faço registro da realização de audiências públicas e audiências judiciais,
instrumento essencial para o aprimoramento da jurisdição constitucional em
matérias de alta complexidade fática, técnica e social. Destacam-se, nesse contexto,
as audiências públicas realizadas sobre temas como execução de emendas
parlamentares, políticas ambientais, regulação sanitária, transformações nas relações de
trabalho e direitos autorais na era digital.
Em 2025, foram distribuídas 13.882 Reclamações, um aumento de 37% em relação ao
ano passado.
Quanto à Repercussão Geral, 75 novos temas foram afetados à sistemática, com o
reconhecimento da existência de Repercussão Geral em 40 deles e reafirmação de
jurisprudência em outros 13. Em 22 dos novos temas, foi afirmada a ausência de
Repercussão Geral da controvérsia, o que evitou a subida de milhares de processos.
Entre as repercussões gerais já reconhecidas, 51 temas tiveram o mérito julgado,
liberando com isso mais de 220.257 processos sobrestados nos tribunais de origem.
Ainda foram concretizadas 28 audiências de conciliação pelo Núcleo de Solução
Consensual de Conflitos (NUSOL), com seis acordos homologados. E, no momento,
o Núcleo de Processos Estruturais Complexos (NUPEC) monitora 10 processos.
No que diz respeito ao diálogo direto com a sociedade, informo que a Ouvidoria do
STF recebeu 49.657 manifestações em 2025.
Também foram computados 148 registros de competência da Ouvidoria da Mulher,
que oferece atendimento especializado no acolhimento de vítimas de assédio e violência
contra a mulher, bem como de demais questões relacionadas a gênero e diversidade.
No exercício da jurisdição constitucional, a Corte concluiu, ao longo do ano,
julgamentos de elevada relevância institucional, nos quais reafirmou a centralidade da
Constituição como parâmetro de validade das leis e dos atos do poder público, bem
como o compromisso com a proteção dos direitos fundamentais, a preservação da
democracia e a observância do princípio da separação de Poderes.
Além da atividade jurisdicional, o Tribunal avançou em projetos institucionais voltados
ao fortalecimento dos direitos humanos, à modernização administrativa, à
sustentabilidade ambiental e à ampliação do diálogo institucional e acadêmico,
tanto no plano nacional quanto internacional, inclusive no contexto da diplomacia
constitucional e da cooperação entre Cortes.
O Supremo Tribunal Federal não faltou ao dever de aplicar e guardar a
Constituição.
No âmbito do Conselho Nacional de Justiça, foram implementadas iniciativas
voltadas ao aprimoramento da transparência, da integridade institucional, da inovação
tecnológica e da promoção dos direitos humanos, com destaque para ações afirmativas,
políticas de equidade racial e instrumentos de prevenção à violência doméstica e
familiar contra a mulher.
Esses dados e iniciativas refletem o cumprimento de um dever constitucional que se
expressa não apenas no ato de julgar, mas também na obrigação de prestar contas
à sociedade. Como observa Norberto Bobbio, a legitimidade democrática das
instituições depende da publicidade dos atos do poder e da possibilidade de controle por
parte da cidadania. A transparência, portanto, não é um atributo acessório, mas um
elemento constitutivo do Estado Democrático de Direito.
O exercício da jurisdição constitucional exige equilíbrio entre sensibilidade
institucional e racionalidade jurídica. Julgar implica decidir com base em fatos,
provas e argumentos, observando o devido processo legal, a ampla defesa e a segurança
jurídica, sem perder de vista o impacto concreto das decisões sobre a vida das pessoas.
Nesse sentido, a Constituição não é apenas um texto normativo, mas um projeto de
sociedade que se realiza na experiência histórica.
Nossa legitimidade decorre da fidelidade à Constituição e do respeito aos limites
institucionais que ela estabelece. Como advertiu Montesquieu, a concentração de
poderes representa risco permanente à liberdade, razão pela qual a separação funcional
entre Executivo, Legislativo e Judiciário constitui pressuposto essencial do
constitucionalismo moderno. Cabe ao Judiciário exercer sua função contramajoritária
com prudência, autocontenção e respeito às competências dos demais Poderes.
Desde há muito se realça que a consolidação da democracia depende da internalização
de práticas institucionais impessoais e da superação de personalismos que fragilizam as
estruturas republicanas. Essa reflexão permanece atual e orienta a atuação de uma Corte
Constitucional que deve decidir com base no Direito, e não em expectativas
circunstanciais ou pressões externas.
Ao mesmo tempo, a Constituição impõe a proteção de direitos que se projetam sobre a
vida concreta, o território e o meio ambiente. Davi Kopenawa nos lembra que não há
separação absoluta entre pessoas, natureza e futuro coletivo, advertência que reforça a
responsabilidade institucional do Judiciário na tutela do meio ambiente ecologicamente
equilibrado e dos direitos das presentes e futuras gerações.
Não fomos eleitos pelo voto popular, mas somos o Poder incumbido, pela Constituição,
de guardá-la e de assegurar sua supremacia. Essa missão exige serenidade, diálogo
republicano e compromisso com o sistema de freios e contrapesos, sem o qual a
democracia constitucional se enfraquece.
A democracia constitucional é, como já se observou com acerto, uma construção
permanente, que demanda vigilância institucional, responsabilidade decisória e
permanente atenção à legitimidade das Cortes. Cabe-nos exercer nossas atribuições
com rigor técnico, sobriedade e consciência histórica.
Não poderia, nessa direção, deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de
debatermos um conjunto de diretrizes éticas para a magistratura.
Considerando o corpo expressivo que vem espontaneamente tomando o tema no debate
público, dirijo-me à eminente Ministra e aos eminentes Ministros, e, também, à
sociedade brasileira, para dizer que o diálogo será o compasso desse debate.
O País precisa de paz — e o Judiciário tem o dever de semear paz. Mas sem ignorar o
dissenso, que é elemento vital da democracia. Divergências fundamentadas enriquecem
o trabalho jurisdicional, aperfeiçoam a técnica e reforçam a legitimidade das decisões.
O diálogo qualificado é instrumento de maturidade republicana.
O respeito ao dissenso exige também respeito às decisões regularmente proferidas, aos
votos divergentes e ao papel de cada instância. A autoridade de uma decisão reside
na força da razão pública que a sustenta.
No ensejo, expresso desde já meus agradecimentos pelo apoio e compreensão nesse
início de gestão.
Para 2026 creio termos um encontro marcado com alguns temas relevantes, dentre eles:
- atuação firme do tribunal para garantir a independência e a autonomia do Poder
Judiciário;
- aprofundamento da colegialidade e julgamentos ‘per curiam’;
- proteção da institucionalidade, do Estado de Direito democrático e consolidação de
uma rede latino-americana e caribenha de defesa da independência e autonomia judicial;
vale dizer, projetos voltados para as relações institucionais com as Cortes Supremas e
Tribunais Constitucionais dos países da América Latina;
- atuação pelos direitos humanos e fundamentais, inclusive no sistema interamericano
de direitos humanos;
- proteção da infância e da juventude, dos idosos e da mulher contra as inúmeras formas
de violência
- compromisso com a segurança jurídica, transparência, sustentabilidade;
- remuneração da magistratura; reiteremos: transparência é a chave quanto às
modalidades de remuneração. Nosso respeito intransigente à dignidade e valorização da
carreira, irá na mesma medida conter abusos;
- reafirmação do compromisso com ações fundadas na acessibilidade, na inclusão e no
respeito às diferenças e à diversidade;
- diretrizes e normas de conduta para os tribunais superiores, a magistratura em todas
as instâncias e no Supremo Tribunal Federal;
- reforma administrativa no âmbito da Presidência do tribunal e consolidação do Centro
de Estudos Constitucionais;
- ações conjuntas para o sistema prisional, defendendo gestão e financiamento como
ferramentas para reduzir o fortalecimento de facções e reiterando que políticas de
segurança pública devem andar juntas com proteção de direitos fundamentais;
- equidade racial e combate ao racismo;
- acesso à justiça aos mais vulneráveis.
Reitero hoje nossos compromissos assim sintetizados:
• segurança jurídica como base da confiança pública;
• sustentabilidade como dever intergeracional;
• diversidade, igualdade e respeito à pluralidade;
• transformação digital para aproximar a Justiça do povo;
• e, a permear tudo o mais, colegialidade na pauta, porquanto a força desta Corte está
no colegiado.
Enfatizo o compromisso com a plena liberdade de imprensa e a liberdade de
pensamento e de expressão.
É sabido quão exigente se mostra a tarefa de presidir. Recordo prontamente diversos
assuntos e procedimentos complexos que desafiaram as Presidências nos últimos dez
anos. Tais cenários surgem, com frequência, de modo grave e inesperado. O propósito
é fazer o melhor possível.
Tenho certeza de que assim pensaram meus antecessores e minhas antecessoras ao se
depararem com casos difíceis; assim também penso. A complexidade, por natureza,
tudo alcança. Quando não se acerta plenamente, espera-se ao menos errar da forma
mais sábia possível (à luz do ‘fail better’), buscando aperfeiçoar a cada passo.
Procura-se lidar com desconfortos escolhendo, entre as alternativas viáveis, o caminho
que melhor concilie os interesses e que seja, dentro do possível, o menos problemático
para a instituição e o mais próximo possível da harmonia.
Renovo o agradecimento pela colaboração e prestimosa atuação do Vice-Presidente
Ministro Alexandre de Moraes, registrando que Sua Excelência comigo dividirá, como
tem sido de praxe, o período de recesso para o exercício da Presidência do tribunal na
segunda quinzena de janeiro próximo.
Ao concluir, renovo meus agradecimentos a todas e a todos que integram este Tribunal.
Que o período de festas permita a renovação das energias e o fortalecimento dos
vínculos institucionais, para que possamos seguir desempenhando nossas funções com
responsabilidade, prudência e compromisso com o povo brasileiro, e que esta Corte
jamais se dobre a ameaças, venham de onde vierem, registrando, portanto, ao final
deste ano, o levantamento da injusta e inadmissível aplicação da Lei Magnitsky a Sua
Excelência, ministro Alexandre de Moraes, e seus familiares.
Desejo a todas e a todos um Feliz Natal e um ano de 2026 fraterno, produtivo e
comprometido com a Constituição da República.
( da redação com informações de assessoria. Edição: Política Real)