OPINIÃO: Mundo e submundo dos mercados
Há necessidades humanas objetivas e subjetivas. As objetivas dizem respeito à manutenção de condições de vida digna, orgânicas e sociais, já as subjetivas dizem respeito às leituras do mundo pelo ser humano
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Por Alexandre Lyra*
Os mercados existem para a oferta, dar o que a demanda quer, via liberdade de produção e de iniciativas. Esse é o princípio geral, mas há algum tempo agentes participantes do jogo econômico perderam a inocência e perceberam que podem induzir gostos, criar novos mercados ou explorar territórios sombrios do desejo humano. Em certos momentos históricos estávamos satisfeitos com cavalos para o transporte, até alguém oferecer transportes automóveis. Antepassados ficaram assombrados com a invenção do rádio, mas logo se acostumaram com ele. E assim foi com o telefone, a televisão, o computador, a internet, etc. Inventores e cientistas desenvolvem engenhocas que têm utilidade para a humanidade e são incorporados ao cotidiano das pessoas.
Há necessidades humanas objetivas e subjetivas. As objetivas dizem respeito à manutenção de condições de vida digna, orgânicas e sociais, já as subjetivas dizem respeito às leituras do mundo pelo ser humano. A subjetividade começa na interpretação de como resolver as necessidades básicas e se estende ao universo do supérfluo, conferindo diversos tons às alternativas. O mercado vem explorando as possibilidades dos desejos, a base das necessidades em geral, seguindo tendências, mas frequentemente também ditando tendências, pois a linha entre uma coisa e outra é tênue. É sabido que os desejos têm meandros delicados, podem levar a caminhos traiçoeiros, pois todos temos anjos e demônios dentro de nós; a questão é quem vai ser nutrido.
O desejo vem de dentro e de fora. Curiosos que somos, podemos ser estimulados a querer o novo por uma oferta dele, muitas vezes o estímulo é importante na definição do consumo. Pesquisadores estudam nossa frágil capacidade de escolha, enfatizando como podemos ser sugestionados por ideias e imagens diversas, e maior é nossa susceptibilidade a sugestões quanto menos idade temos. Nesse ponto há unanimidade: crianças e adolescentes devem ser protegidos de pessoas mal-intencionadas e suas ofertas sedutoras.
Há mercados mais sensíveis porque dizem respeito à produção de bens e serviços que atendem a desejos no mínimo discutíveis. Em torno de uns já se bateu o martelo, como a pedofilia, mas mesmo assim sociedades contemporâneas, como a nossa, tem tergiversado na questão, com receios de limitações ao mercado, e isso permitiu o crescimento de iniciativas que exploram as fronteiras desse terreno com a adultização das crianças e adolescentes. Na década de 1980, a publicidade infantil foi proibida no Brasil, e junto caíram os programas que enfatizavam a sensualidade adolescente, porém agora na internet proliferam outras iniciativas. Só após a recente denúncia de um youtuber a sociedade se mobilizou, alcançando a câmara federal, que aprovou uma lei contra a adultização.
Há outras áreas sensíveis para a sociedade sob as quais ainda não há unanimidade, como as armas, as drogas e a prostituição. Que se discuta, mas é preciso enfatizar que a discussão madura passa pelo abandono de um parâmetro sorrateiro que tem acompanhado debates: o tabu. Preconceitos não devem ser considerados para se chegar a resultados consistentes, pois os pontos devem ser colocados e examinados sob a ótica das argumentações razoáveis, profundas; particularmente as derivadas de estudos científicos. Todos campos citados não devem ser acessíveis a menores, podendo se discutir e revisar a idade limítrofe da adolescência, porém entre adultos todas repercussões devem ser analisadas com cautela e responsabilidade social, algo que não tem sido feito ultimamente devido à influência crescente de grupos radicais que distorcem a verdade em nome de ideologias arcaicas com roupagem moderna/liberal.
Sempre haverá pessoas dispostas a se arriscar e empreender algum negócio no submundo, há uma teoria do risco que explica isso (investem pelo maior lucro), de modo que a sociedade sempre precisará ficar atenta a movimentos suspeitos. Sempre vai ter quem queira ganhar em cima da destruição do outro, por serem indiferentes ao próximo. As novas mercadorias modernas, como a internet, facilitam a comunicação, praticamente instantânea agora, ao mesmo tempo em que dificultam a identificação de criminosos, restando um esforço de articulação mundial para alcançar os braços das organizações do submundo. Sempre se pode dar um uso bom ou inadequado às coisas.
O submundo exterior é resultado do submundo interior, e não adianta demonizar o próximo. Isso está dentro da humanidade de cada um de nós. Não se sabe ainda os mecanismos exatos desses meandros internos, os gatilhos que fazem desenvolver os seres das sombras que nos atormentam, mas é preciso ter clareza de sua toxidade para a sociedade e alimentar apenas a convivência saudável. É preciso ter clareza de certos fundamentos para não deixar crescer os monstros da humanidade, como o mercado da pedofilia agora em evidência, amparados na falha de caráter de uma direita que brada por uma liberdade irresponsável, e duas ou três bigtecs que só querem ganhar rios de dinheiro a qualquer custo. Como estamos vendo, a um preço moral muito alto. Que os mercados possam oferecer alternativas e novidades, mas sempre para o bem-estar das pessoas.
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.