Nordeste e Poder

ESPECIAL DE FIM DE SEMANA - “Não podemos viver esse ambiente de uma sensação de estado de exceção e esgarçamento da economia brasileira”, avalia Luciana Santos

Nova presidente nacional do PCdoB fala das prioridades do partido na agenda do País, critica a desigualdade regional e fala da Operação Lava Jato e Dilma

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Por Gil Maranhão

 

(Brasília-DF, 03/07/2015) A defesa do estado democrático de direito e a economia brasileira são, na opinião da nova presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Luciana Santos (PE), os dois maiores desafios do partido na atual conjuntura política e econômica porque passa o País.

Primeira mulher a assumir a presidência do partido, a parlamentar pernambucana é ex-prefeita de Olinda (PE) – por dois mandatos. E está também no seu segundo mandato na Câmara dos Deputados.

“A nossa preocupação-centro, nós que somos um partido histórico, que sabemos de perto o que é ausência da democracia, porque nossos quadros políticos e militantes foram as maiores vítimas das sucessivas ditaduras que já vivenciamos no Brasil, é a democracia. Nós não podemos ter esse ambiente de uma sensação de estado de exceção”, avalia.

No ato político da sua posse, dia 1º, Luciana Santos conclamava o que ela chamou de ‘forças vivas’ para defender a democracia. Minutos depois, reafirmava sua posição – e ainda alertava sobre problemas que a Operação Lava Jato pode acarretar para a economia, e para a necessidade de um olhar especial para o Nordeste - nesta entrevista exclusiva concedida à Agência Politica Real.

Política Real - Deputada, à frente da presidência do PCdoB, o que a senhora acha que o partido deve priorizar neste momento em que o Brasil atravessa crise em diversas áreas? O que defender na pauta do País?

LUCIANA SANTOS - Primeiro a democracia. Nós estamos diante de um cenário de crise política muito evidente, associado a uma crise econômica, que tem causado muito imprevisibilidade, instabilidade no ambiente político nacional. Portanto, é necessário que a gente defenda o estado democrático de direito, a constitucionalidade do mandato de Dilma.

Toda essa ação dos órgãos de controle, dos órgãos de justiça sobre as empresas nacionais, é necessário que se tire todas as consequências, não se tolerem nem corruptos, nem corruptores. Mas por outro lado, é necessário defender a economia nacional. Afinal, casos como esses não só ocorrem nas empresas brasileiras. Senão nós vamos ter que importar empresas, porque quase todas as grandes empresas de constituição nacional estão de certa forma, envolvidas na Operação Lava Jato.

Política Real - A Operação Lava Jato então expõe um pouco as nossas empresas?

LUCIANA SANTOS - Acho que há aí uma dosagem que é preciso medir. Na minha opinião, deve prevalecer aí a presunção da inocência e não a presunção da culpa. O que nós estamos assistindo no Brasil é uma situação em que se prende, se coage para fazer uma delação que é espontânea, mas na prática você acaba coagindo pra fazer. E, nós estamos assistindo, portanto, o esgarçamento da economia brasileira. Por isso que a nossa preocupação-centro, nós que somos um partido histórico, que sabemos de perto o que é ausência da democracia, porque nossos quadros políticos e militantes foram as maiores vítimas das sucessivas ditaduras que já vivenciamos no Brasil, é a democracia. Nós não podemos ter esse ambiente. Um ambiente de uma sensação de estado de exceção. Na verdade se tem uma situação que em plena democracia você pode está vivenciando situações arbitrárias. E isso nós não podemos permitir

Política Real - Então quais são os grandes desafios do PCdoB, diante de toda essa situação?

LUCIANA SANTOS - Nós temos dois grandes desafios no momento: a defesa da democracia, do estado democrático de direito, e a defesa da economia nacional.

Política Real - Deputada, a Câmara e o Senado estão discutindo o anteprojeto da Lei de Responsabilidade das Estatais (LRE), espelhada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com vistas a criar mecanismo de fiscalização, transparências e governanças das empresas públicas. A senhora é simpática a essa proposta?

LUCIANA SANTOS - Na verdade, nós temos que observar uma ferramenta jurídica que precisa lançar mão em um ambiente como esse. Tem que tentar fazer um acordo de leniência, ou seja, os responsáveis pela corrupção, que eles sejam exemplarmente punidos, mas que a empresa continue, que sobreviva, porque nós não podemos comprometer mais de 13% do PIB nacional, que representa a Petrobrás e toda a cadeia produtiva envolvida com essa estatal, com esse setor. Há economistas que concluem que o impacto disto no crescimento econômico chega a 1% do PIB, num ambiente que o crescimento está sendo na média de 2% a 2,5% nos últimos dos anos, a média do PIB mundial, e o Brasil um pouco abaixo disto. Que dirá se você comprometer mais 1% do PIB. É algo que nós precisamos evitar para o bem do desenvolvimento nacional.

Política Real - O PCdoB foi o primeiro partido da base aliada a publicamente a se manifestar contra o impeachment da presidente Dilma, quando essa onda estava no auge, em março. A oposição continua com esse tema na cabeça. A senhora acha que ainda há clima para isso? Como o PCdoB vê o governo federal?

LUCIANA SANTOS - Há um certo inconformismo dos setores de oposição. Na verdade isso são questões eminentemente políticas. Não tem nada a ver com combate à corrupção, até porque se fosse por isso, a Operação Lava Jato envolve a maioria dos partidos. Envolve o PSDB, agora mesmo nessa última delação premiada entrou o senador Aloysio Nunes. Então não é esse o debate. Aliás, e é também: as pessoas envolvidas tem que se apurar e se punir.

Agora o que está em discussão nesse País é se a gente avança para projeto mais consistente de inclusão social e crescimento ou se a gente retrocede. Quando a oposição fala de impeachment, sob o manto da corrupção, esconde vontades inconfessas de impor para o País um projeto político de estado mínimo, privatização, diminuir investimentos e dos recursos sociais, dos programas iniciado nesse ciclo político de Lula para cá, que tem garantido, por exemplo, o enfrentamento da desigualdade regional

Política Real -  Então, a senhora acha que a oposição não quer ver o que mudou no País?

LUCIANA SANTOS - Eu sou de um estado que é dividido antes do clico político iniciado por Lula, com a parceria do então governador Eduardo Campos, e depois. Hoje nós vivemos uma situação que Pernambuco se insere nas principais atividades dinâmicas do País: é cadeia do petróleo e gás, indústria automobilística, naval.

Completamente uma nova matriz econômica. E isso não caiu do céu. É fruto de vontade política, de decisão política. Por exemplo, os programas que deram acesso a mais de 5,5 milhões de jovens às universidades, isso é decisão política. Ou você ter 40 milhões de brasileiros que saíram da situação abaixo da linha da pobreza, isso foi decisão política. O que nós queremos debater no Brasil é isso. E a oposição, sem ter autoridade de questionar a corrupção, quer impeachment. Isso é não respeitar a democracia. É querer dar um golpe na democracia. Nós somos uma democracia muito jovem. Nós só temos 30 anos após um regime autoritário em nosso País e é necessário, portanto, que a gente prossiga com muita firmeza, muita determinação a normalidade da situação, na perspectiva de, apurando a corrupção, o Brasil seguir adiante.

Política Real - Tem uma pauta de interesse do Nordeste tramitando no Congresso Nacional. O PCdoB pretende encampar alguns temas e quais?

LUCIANA SANTOS - Nós sabemos que esse tratamento de desigualdade regional é secular. Dentre as figuras que mais denunciaram isso e reivindicaram um olhar mais para o Nordeste está o nosso saudoso Celso Furtado, um dos homens desse País que tinha a visão da necessidade do Brasil ter um plano de desenvolvimento que considere as regiões.

É necessário que se surjam vários planos. Por exemplo, eu sou relatora de uma Subcomissão que trata de uma política de ciência e tecnologia para o Nordeste. Nós temos o debate para questões do Semiárido nordestino. Nós temos debate sobre quais são as vocações da região, do diagnóstico do Nordeste e que medidas precisam ser tomadas para desenvolver novas plataformas econômicas. Nós temos, por exemplo, a situação da energia solar, as energias renováveis.

Ou seja, um conjunto de iniciativas e aspectos indutores do desenvolvimento econômico que poderiam calar fundo na questão da qualidade de vida dos nordestinos. Vale ressaltar que graça às essas decisões que foram tomadas, que o Nordeste, principalmente os estados de Pernambuco, Bahia e Ceará, cresceu, e hoje a região cresce mais que o Brasil. O que revela um rumo certo, mas que para que se continue nesse rumo, há de haver mais disposição, mais vontade política e a retomada do crescimento no Brasil.

Política Real - O PCdoB, um partido que acaba de completar 93 anos, parece que está se renovando pelo Nordeste, onde fez o primeiro governador, Flávio Dino (Maranhão), e a agora senhora (Pernambuco) assumindo a presidente nacional da legenda. A senhora acha que por essa região que o partido vai de reoxigenar?

LUCIANA SANTOS - Não apenas. O Brasil é um continente, um país esplendoroso, de muito futuro e muitas possibilidades. É um país que tem jeito. Mas, como sou pernambucana e não posso deixar de ser barrista, eu diria que o Nordeste, de certa maneira, sintetiza o Brasil. Somos um partido jovem. Temos uma composição social de muitos jovens, mulheres e trabalhadores. Nós queremos ainda mais fortalecer o papel político que o partido, historicamente, sempre honrou.

Apesar de ter uma representação pequena no Congresso Nacional, é um partido capilarizado, que participa de tudo que é frente de massa, do bairro às escolas e universidades. É um partido que está na vida do povo, cotidianamente, independente de eleições. E isso faz diferença.

 

(Por Gil Maranhão, Especial para Agência Política Real. Edição: Genésio Jr.)