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- Contato Brasil, 26 de abril de 2025 05:05:17
Por Alexandre Lyra*
Está em andamento o julgamento de alguns dos protagonistas dos fatos ocorridos no 08 de janeiro de 2023. Paralelamente, os próprios envolvidos e seus simpatizantes procuram se mobilizar com movimentos e atos a favor de uma dita anistia. Estes movimentos, pelo absurdo que são, não vão além dos seus muros, mas alguns, inclusive um certo juiz da suprema corte, defendem a reflexão em torno da dosimetria, ou seja, a dosagem da pena. Uma vez que o julgamento foi feito e houve condenação, a lei oferece um intervalo de punição para que os juízes pesem os elementos levantados em cada caso, como agravantes ou atenuantes, para o tempo da pena. Para esses a penalidade aplicada aos arruaceiros de janeiro estaria um tanto rigorosa, podendo diminuir para ser mais razoável.
Eu me lembro daquela tarde de domingo quando liguei a tv para ver o que estava passando em alguns canais e me deparei primeiro com aquela marcha e depois com as invasões aos prédios do congresso, do palácio do planalto e do STF. Era inacreditável. Em pleno século XXI, pessoas reivindicando uma intervenção militar, grupos organizados invadindo e depredando as sedes dos três poderes do país, destruindo vários símbolos da pátria numa afronta sem precedentes ao Estado de direito instalado, e consequentemente, à própria sociedade brasileira. Como mensurar um crime desses? Está previsto na legislação e os juízes vão apenas cumprir seus parâmetros, porém há unanimidade que se trata de crimes gravíssimos, daí porque acho que as penas previstas são pequenas. Ridiculamente pequenas.
Quando se atenta contra os poderes constituídos, se atenta contra o povo, contra todos os demais brasileiros, contra suas bases sociais, seus marcos de organização social. Penso que o triplo ou o quádruplo das penas previstas (que ainda são passíveis de redução futura) seria mais próximo do pertinente, mas deve-se compreender essa leveza da lei brasileira como fenômeno maior e histórico. As punições moderadas fazem parte de um pacote maior, a impunidade. Essa é uma marca de nosso país, isso já foi constatado por diversos estudos de vários pesquisadores do direito em várias áreas e em comparações internacionais com países centrais; trata-se de característica de país periférico.
A impunidade ocorre em todos segmentos sociais nas nações periféricas, com maior ou menor intensidade, começa antes mesmo do crime ser registrado, via subnotificação, continua na precariedade das condições de trabalho das polícias, na letargia dos processos, na aplicação desigual da lei, etc. A injustiça se estende ao sistema carcerário, na punibilidade excessiva de alguns (que ficam presos após concluída a pena) e na precariedade e superlotação de presídios. É uma lista bem maior de problemas que tenho que resumir por falta de espaço.
A queixa contra a justiça, por sinal, é uma das principais dos grupos de extrema de direita agora processados. Ocorre que o problema não é a estrutura em si, e sim seu mal funcionamento. O Estado de direito moderno é sistema muito bem pensado e formulado para uma sociedade democrática, problemas diversos relacionados à sua execução, graves que sejam, devem ser corrigidos por melhoras no sistema através de mecanismos diversos existentes na sociedade democrática, e não por sua abolição. A defesa do fechamento e substituição das instituições é regressão garantida para maiores abusos, é defender piorar o que já está ruim. É uma forma periférica de pensar, daí não é de se estranhar que seus líderes tenham uma admiração exagerada, subjugada, ao país central principal, os EUA. É um pensamento saído de um outro tempo, inspirado em intervenções militares anteriores, particularmente a última, que ocorreu num outro contexto, de guerra fria, monitoramento constante e ação ante qualquer ameaça. Hoje o maior país governado por um partido comunista abraça o capitalismo e convive com ele, mas a tecnologia permite a preservação de anacronismos sociais como esse, com a formação das bolhas de grupos sociais nas redes sociais.
Enquadrar essas pessoas na justiça é um mínimo. Os que têm alguma capacidade crítica e cognitiva já entenderam que caíram numa armadilha, já não compartilham de ideias neofascistas, mas ainda há pequenos grupos e esses têm de ser persuadidos pela lei, já que não são sensíveis a uma argumentação razoável. Enquanto isso vou administrando minha alergia braba a essa gente das sombras.
* Professor titular de economia da Universidade Federal da Paraíba, campus I, graduado, mestre e doutor em economia