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  • 28/01/2025 06h46

    ESPECIAL: A dura pergunta sobre Auschwitz que permanece sem resposta após 80 anos

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    Foto: X

    Portal da entrada, hoje, do antigo campo de Auschwitz

    ( Publicada originalmente às 16h 23 do dia 27/01/2025) 

    Por BBC

     

    O dia 27 de janeiro foi declarado Dia da Memória do Holocausto por uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 2005.

     

    Mas a forma como nos lembramos do Holocausto evoluiu ao longo das décadas e, mesmo agora — 80 anos depois — a história da lembrança ainda está inacabada.

     

    "Querido garoto", começa a curta nota manuscrita de 1942, "Fiquei encantado com sua mensagem de maio. Estou saudável. Espero poder ficar aqui e vê-lo novamente. Continuo esperançoso. Por favor, escreva. Saudações, seu pai."

     

    A nota é um dos milhares de documentos mantidos pela Biblioteca do Holocausto de Wiener em Londres, um dos maiores arquivos do Holocausto do mundo.

     

    O judeu que a escreveu se chamava Alfred Josephs e a estava enviando para seu filho adolescente Wolfgang, que havia escapado com sua mãe para a Inglaterra. Alfred havia sido preso e estava detido no campo de detenção de Westerbork, na Holanda.

     

    Ele ainda conseguia, na época, passar mensagens curtas através da Cruz Vermelha.

     

    O que Alfred não sabia era que Westerbork era um campo cujos internos seriam transportados para Auschwitz. Wolfgang nunca mais ouviria de seu pai.

     

    A princípio, Auschwitz foi usado pelos alemães para abrigar prisioneiros de guerra poloneses.

     

    Depois que a Alemanha nazista atacou a União Soviética, tornou-se um campo de trabalho, onde muitos internos trabalhavam até morrer.

     

    Os nazistas chamavam isso de "aniquilação pelo trabalho".

     

    Mas em 1942 Auschwitz se tornou aquilo que ficou em nossa memória coletiva para sempre: um campo de extermínio, cujo principal propósito era o assassinato em massa.

     

    Uma reportagem filmada pelos aliados após a libertação da Europa mostra civis alemães sendo forçados a visitar os campos pelas tropas.

     

    "Era apenas uma curta caminhada de qualquer cidade alemã até o campo de concentração mais próximo", diz a voz americana.

     

    O filme mostra alemães relaxados e elegantemente vestidos rindo e conversando enquanto caminham.

     

    Eles passam por cadáveres, pilhas de homens e mulheres — que podem até ter sido seus vizinhos, colegas, amigos no passado. A câmera que havia capturado seus sorrisos relaxados antes de entrarem nos campos agora registra seu horror.

     

    O choque está estampado em seus rostos. Alguns choram. Outros balançam a cabeça, cobrem o rosto com lenços e desviam o olhar.

     

    A Europa do pós-guerra olhou para esse horror e reconheceu a profundidade do sofrimento. Mas como a Europa do pós-guerra tratou os perpetradores?

     

    Quando falamos de matança industrializada, não queremos dizer apenas a escala dela, por mais vasta que fosse.

     

    Também queremos dizer a sofisticação de sua organização: a divisão do trabalho, a alocação de tarefas especializadas, a eficiente mobilização de recursos, o planejamento meticuloso que era necessário para manter as rodas da máquina de matar girando.

     

    Essas mesmas reportagens mostram guardas nazistas bem alimentados — homens e mulheres agora sob custódia dos aliados.

     

    Qual foi a natureza do colapso moral que transformou esse horror em uma normalidade para os nazistas que comandavam esses campos — uma normalidade na qual o assassinato em massa se tornou, para eles, apenas um dia de trabalho?

     

    Evitando uma pergunta difícil

    Por anos após a guerra, a atenção pública evitou essa pergunta. Embora alguns criminosos de guerra nazistas tenham sido processados, a nova prioridade, em uma Europa dividida pela Guerra Fria, era transformar a Alemanha Ocidental em uma aliada democrática.

     

    O Holocausto quase desapareceu da memória popular, em grande parte do mundo ocidental. O público do pós-guerra queria virar a página da guerra.

     

    Na cultura popular, no Reino Unido, por exemplo, o apetite era por histórias que pudessem ser celebradas e aplaudidas.

     

    "A cultura da memória da Segunda Guerra Mundial ainda enfatizava o heroísmo", diz Toby Simpson, diretor da Biblioteca do Holocausto de Wiener.

     

    "Houve uma ênfase nos desembarques na Normandia, por exemplo. E nas histórias que os sobreviventes queriam contar, havia muito pouco heroísmo. Era uma história em que eles foram despojados de sua humanidade, agência, sua escolha. Eles foram transformados em não-pessoas."

     

    O sobrevivente italiano, Primo Levi, escreveu É isto um homem?, suas memórias de Auschwitz imediatamente após a guerra. Ele era um dos poucos milhares que ainda estavam em Auschwitz quando as tropas soviéticas chegaram em 27 de janeiro de 1945.

     

    A maioria dos prisioneiros foi forçada a marchar para o oeste, em direção à Alemanha, no inverno congelante.

     

    Já enfraquecidos pelas condições do campo de concentração, muitos morreram no caminho no que veio a ser conhecido como Marchas da Morte.

     

    Levi estava muito doente e as tropas soviéticas o encontraram perto da morte na enfermaria do campo.

     

    'Não perdoando e não esquecendo'

    Hoje, É isto um homem? é considerado uma obra-prima de testemunho de sobreviventes e uma das memórias mais importantes de toda a era. Mas em 1947, Primo Levi teve dificuldade em encontrar uma editora, mesmo em sua Itália natal.

     

    Finalmente, uma pequena editora independente em Turim publicou a obra com uma tiragem de 2,5 mil. Foram vendidas 1,5 mil cópias e depois a obra desapareceu.

     

    Para as editoras e para o público, ainda era muito cedo. Poucos, ao que parecia, queriam olhar para o Holocausto.

     

    "Primo Levi não vendeu porque não era o momento certo e porque ele era um escritor muito bom para dar uma resposta heroica. Sua resposta é maior que o heroísmo", diz Jay Winter, professor emérito de história na Universidade Yale. Muitos da família da mãe de Winter foram mortos no Holocausto.

     

    Ele acrescenta: "Muitas pessoas transformaram Primo Levi em um santo, mas tudo o que você precisa fazer é ler o poema no começo de É isto um homem? para ver que ele não está perdoando ninguém — ele não está perdoando e não está esquecendo."

     

    "Houve um esforço de memorialização do Holocausto na década de 1950", diz o professor David Feldman da Birkbeck University em Londres, "mas isso foi algo feito pelos próprios judeus, em pequenos grupos fragmentados."

     

    "Essas foram ocasiões de luto mais do que memorialização. A ideia que temos agora, de memorialização, de que de alguma forma há lições a serem tiradas do Holocausto, não era comum naquela época".

     

    De acordo com Winter, "os países que estavam se reconstruindo... precisavam de um mito de resistência, de conflito armado heróico contra os nazistas ou fascistas italianos".

     

    Esse mito de resistência "não tinha lugar para presos de campos de concentração".

     

    Uma mudança cultural nas atitudes

    Somente na década de 1960 o interesse popular sobre o assunto voltou. Quando agentes israelenses capturaram Adolf Eichmann, uma figura-chave na campanha de extermínio, eles o levaram a julgamento em Jerusalém e televisionaram os procedimentos. A memorialização do Holocausto começou a atingir o público em geral.

     

    Por meio do julgamento de Eichmann, a televisão, que era um meio de comunicação de massa novo, levou o testemunho dos sobreviventes para as salas de estar do mundo ocidental.

     

    Coincidiu também com uma mudança cultural nas atitudes públicas em relação à guerra. Uma geração nascida após a Segunda Guerra Mundial estava chegando à maioridade na década de 1960.

     

    O War Requiem, composição do músico britânico Benjamin Britten, apresentou as palavras do poeta da Primeira Guerra Mundial Wilfred Owen — cuja poesia também havia desaparecido da consciência popular — para uma nova geração. O sentimento antiguerra foi alimentado ainda mais pelo envolvimento dos EUA no Vietnã.

     

    "Eu diria que o julgamento de Eichmann também levou os perpetradores para as salas de estar das pessoas", diz Feldman. "O testemunho dos sobreviventes e a ênfase nos sobreviventes como centrais para a memorialização do Holocausto vieram depois. Isso se desenvolveu lentamente na década de 1960. Na década de 1990, já estava bem estabelecido."

     

    A história do Holocausto finalmente tomou seu lugar em nossa consciência coletiva.

     

    A partir da década de 1960, as memórias de Levi encontraram um público global. O pai de Anne Frank, Otto, também teve dificuldades, no início do período pós-guerra, para encontrar uma editora para o diário de sua filha. Até o momento, ele vendeu cerca de 30 milhões de cópias.

     

    O que aconteceu com Alfred Josephs

    Quanto a Wolfgang Josephs, em agosto de 1946, ele ainda tinha esperanças de encontrar seu pai vivo. Ele recebeu uma nota datilografada da Cruz Vermelha Britânica.

     

    A nota informava, com pesar, que os funcionários da Cruz Vermelha na Europa haviam pesquisado as listas de sobreviventes, e o nome de seu pai não estava entre elas.

     

    Wolfgang anglicizou seu nome para Peter Johnson e se estabeleceu no Reino Unido, numa época em que poucos no mundo ocidental queriam ouvir as histórias daqueles que testemunharam ou sobreviveram ao Holocausto.

     

    Ele doou seus papéis de família para a Biblioteca do Holocausto de Wiener, que continua sendo um vasto repositório de evidências do período mais sombrio da história da Europa.

     

    Agora, 80 anos depois, restam pouquíssimos sobreviventes. Em breve o dever de lembrar passará para a posteridade.

     

    "Acho que lembrar do Holocausto é ainda mais importante agora", diz Simpson, "porque aconteceu em tal escala, e com tal intensidade de ódio, que a necessidade de entender, de explicar esse evento continental em que seis milhões de judeus foram assassinados, onde tantas pessoas tentaram, e ainda tentam, negar que isso aconteceu, em um mundo onde a desinformação está em todo lugar, há uma necessidade cada vez maior de lembrarmos do Holocausto: que isso aconteceu. E a evidência está aqui."

     

    Como Primo Levi escreveu: "A ferida não pode ser curada. Ela se estende ao longo do tempo."

     

     

    ( Por BBC)


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