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  • 24/11/2023 06h51

    REAÇÃO: Ministro Gilmar Mendes disse que a Suprema Corte não admite intimidações

    Veja a íntegra da fala de Mendes
    Foto: Carlos Moura/SCO/STF

    Gilmar Mendes no Plenário do STF

    ( Publicada originalmente às 16h 45 do dia 23/11/2023) 

    (Brasília-DF, 24/11/2023)  O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), na abertura da sessão do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira, 23, fez um “duro” pronunciamento por conta da decisão dos senadores e senadoras que aprovaram uma Proposta de Emenda Constitucional que limita decisões monocráticas no STF e nos tribunais federais.

    Mendes disse que a Supremo Corte não aceita intimidações.

    “Cumpre dizê-lo com a serenidade e com o desassombro que esse tipo de investida exige de todos nós, membros desta Casa multicentenária: este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações.”, disse.

     

     

    Veja a íntegra da fala de Mendes:

     

     

    Senhor Presidente, Ministro Luís Roberto Barroso,

     

    Na data de ontem, 22 de novembro de 2023, o Senado Federal

    aprovou, por quórum ligeiramente acima do imposto pela Constituição, a

    PEC 8/2021. Trata-se da ressureição de um cadáver outrora enterrado, eis

    que o seu teor é mera reprodução de proposta de emenda à Constituição

    que já havia sido rejeitada pelo Parlamento em 2020 (PEC 82/2019).

    Originalmente, a PEC 8/2021 possuía, dentre outros pontos, o escopo

    de (i) estipular prazos para pedidos de vista e para conclusão de

    julgamento, (ii) proibir decisões monocráticas em ações do controle

    concentrado e contra atos dos Presidentes da República, do Congresso

    Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, (iii) aumentar o

    quórum necessário para tomada de decisões que interfiram na tramitação

    de proposições legislativas, que afetem políticas públicas ou criem

    despesas para quaisquer dos Poderes.

     

    É importante ressaltar que os diálogos institucionais, em qualquer

    Estado de Direito, são sempre bem-vindos e fazem parte da democracia,

    desde que permeados por atitudes ponderadas e sóbrias, estando, nessa

    hipótese, amparados em procedimentos advindos da teoria dos poderes

    implícitos dos checks and balances.

     

    Com efeito, a jurisprudência desta Suprema Corte, em relação aos atos

    praticados pelo Poder Legislativo – matéria claramente interna corporis –,

    acolhe a fórmula da separação dos poderes, tradicionalmente citando-a de

    forma expressa como vetor de concretização do sistema constitucional de

    freios e contrapesos com deferência à própria independência e relevância

    do Poder Legislativo. Mesmo quando isso não ocorre por questão de

    economia de sentido, a menção à separação dos poderes encontra-se

    implícita na “norma do caso” formulada pela decisão da Corte, a servir,

    ainda, como paradigma a ser observado por deliberações jurisdicionais

    futuras.

     

    A mesma postura deve ser igualmente observada de forma inversa, a

    impedir que Parlamento pretenda imiscuir-se nas normas de organização,

    de procedimento decisório e julgamento do STF.

     

    Pontuo que a separação de poderes é cláusula pétrea (art. 60, § 4º, III,

    da CF), e não pode ser objeto de emenda constitucional que busque aviltála, sob pena de clara violação do pressuposto básico do exercício de um

    dos Poderes da República. Vale dizer, atenta contra a Constituição

    qualquer atitude do Poder Legislativo que vulnere o postulado da

    separação de poderes em acintoso menoscabo às atribuições essenciais do

    Poder Judiciário (entre as quais se encontra o controle de

    constitucionalidade).

     

     

    O Poder Judiciário livre, independente e ciente de seu papel

    institucional é pressuposto para o adequado adimplemento dos objetivos

    da República, para fiel cumprimento dos postulados em que se fundam o

    Estado de Democrático de Direito e para o devido respeito à cláusula

    constitucional da separação de poderes.

     

    É relevante vaticinar, mesmo na atual conjuntura histórica de nosso

    país, como já o fazia nosso sempre Decano, Ministro Celso de Mello, que

    “esta Corte Suprema, atenta à sua alta responsabilidade institucional, não

    transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo

    sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando

    incondicional reverência ao primado da Constituição, ao império das leis e à

    superioridade ético-jurídica das ideias que informam e animam o espírito da

    República”, pois, continua Sua Excelência, “sem juízes independentes, não há

    cidadãos livres”, sendo inquestionável que “inexiste na história das sociedades

    políticas qualquer registro de um Povo que, despojado de um Judiciário

    independente, tenha conseguido preservar os seus direitos e conservar a sua própria

    liberdade”.

     

    O fato é que este Supremo Tribunal Federal, sempre atento às suas

    responsabilidades institucionais e ao contexto que o cerca, está preparado

    para enfrentar, uma vez mais e caso necessário, as investidas desmedidas

    e inconstitucionais provenientes, agora, do Poder Legislativo.

    Lembro aos Ministros: recados da rua chegam a todos nós dando

    conta de que o projeto de emenda aprovado é mal menor, tendo sido

    endereçado a esta Casa agora como forma de impedir possíveis reformas

    ainda mais drásticas ao funcionamento da Corte, ou, mesmo, a instauração

    de processos de impeachment contra membros deste Tribunal.

    No particular, senhor presidente, é preciso altivez para rechaçar esse

    tipo de ameaça.

     

    Cumpre dizê-lo com a serenidade e com o desassombro que esse tipo

    de investida exige de todos nós, membros desta Casa multicentenária: este

    Supremo Tribunal Federal não admite intimidações.

    De resto, cabe lembrar a estes propagadores do caos institucional

    que os processos de responsabilidade dos Ministros desta Corte hão de

    estar submetidos ao crivo judicial garantidor do devido processo legal,

    impedindo que acusações mambembes turvem a independência judicial –

    cânone inafastável do Estado democrático de Direito.

     

    Ainda, é desnecessário dizer que, ao realizar essa forma de controle,

    este Tribunal certamente não estará inovando em sua atuação jurisdicional,

    pois foi esse mesmo proceder que, num resgate da boa política, afastou do

    cenário institucional a ameaça a inúmeros agentes públicos representadas

    por tantos falsos heróis como aqueles que compuseram a chamada

    “República de Curitiba”.

     

     

    Quanto ao seu conteúdo, a PEC 8/2021, aprovada na data de ontem,

    não possui – em absoluto - qualquer justificativa plausível, notadamente

    em face das alterações regimentais realizadas por este Supremo Tribunal

    Federal (ER 58/2022), a demonstrar a ausência de qualquer vácuo

    normativo que a legitime. Assim, é forçoso reconhecer que tal tentativa de

    alteração constitucional interfere direta e incisivamente no ato de

    julgamento, na validade e na eficácia das decisões do Poder Judiciário, em

    especial deste STF.

     

    Com o devido respeito, chega a ser curioso, quiçá irônico, que após

    os bons serviços prestados por esta Suprema Corte no decorrer dos últimos

    anos, especialmente no curso da pandemia, esta instituição fundamental

    do Estado de Direito seja o primeiro alvo de alterações – casuísticas –

    engendradas no seio do Poder Legislativo, sem qualquer reflexão mais

    vagarosa e acurada, e que conte com a participação do principal ator

    institucional afetado.

     

    O trabalho desenvolvido por este Tribunal não só foi fundamental

    para enfrentamento da pandemia, como foi e continua sendo de

    importância singular para o enfretamento do autoritarismo, motivos pelos

    quais, certamente, desagradou muitos atores que sobrevivem em meio ao

    caos.

     

    Nesse sentido, causa perplexidade que o texto aprovado pelo Senado

    Federal tenha sido cirúrgico ao proibir decisões monocráticas no curso de

    ações que questionem políticas públicas - como facilitação do acesso a

    armas de fogo pela população (ADIs 6.675, 6.676, 6.677, 6.680 e 6.695, Rel.

    Min. Rosa Weber, decisão monocrática, DJe 05.09.2023) ou desmonte de

    políticas ambientais (ADPF 623, Rel. Min. Rosa Weber, decisão

    monocrática, DJe 07.01.2022) - mas não tenha previsto idêntica vedação

    para ações constitucionais que são usualmente manejadas no interesse de

    agentes políticos investigados em procedimentos criminais. Curiosamente,

    a PEC não impede decisões monocráticas em habeas corpus, mecanismo

    muitas vezes utilizado pela defesa de agentes políticos que, ontem mesmo,

    se articularam para restringir as competências da Corte Constitucional.

     

    É necessário ter em perspectiva que, caso a proposta que limita as

    decisões monocráticas já estivesse em vigor, o Tribunal teria sido impedido

    de interromper políticas públicas altamente lesivas para a sociedade. É o

    caso da abertura indiscriminada do comércio durante o auge da pandemia

    (ADPF 672, Rel. Min. Alexandre de Moraes, decisão monocrática, DJe

    15.04.2020) e do estímulo a tratamentos ineficazes de combate ao

    coronavírus (ADPF 669, Rel. Min. Luis Roberto Barroso, decisão

    monocrática, DJe 02.04.2020). Não é necessário muito esforço

    argumentativo para demonstrar os danos que teriam sido impostos à

    sociedade, caso a Corte estivesse limitada, num passado recente, pelas

    amarras burocráticas desta PEC.

     

    Por fim, senhor Presidente, é preciso deixar claro à Nação Brasileira:

    este Supremo Tribunal Federal não se curvou à ditadura militar nas quase

    três décadas de escuridão que mancham a história nacional; este Tribunal,

    num passado recentíssimo, ainda presente entre nós por força da memória

    dos mais de setecentos mil mortos na pandemia da COVID, não sucumbiu

    ao populismo iliberal responsável pelo trágico 8 de janeiro – o dia da

    Infâmia, conforme a sempre lúcida visão da Min. Rosa Weber; Esta mesma

    Corte, senhor Presidente, não haverá de submeter-se ao tacão autoritário –

    venha de onde ele vier, ainda que escamoteado pela representação de

    maiorias eventuais.

     

     

    As ditaduras são sempre deploráveis, e elas podem existir tendo

    como marco o Executivo ou, também, o Legislativo. Hans Kelsen já

    ensinava, em 1928, que a jurisdição constitucional era a matriz principal de

    defesa das minorias parlamentares contra abuso da maioria.

    Afinal, sem uma Corte Constitucional livre e independente, não há

    democracia nos termos exigidos pela Constituição de 1988. Estou certo,

    Presidente, que os autores desta empreitada começaram-na travestidos de

    estadistas presuntivos, e a encerram, melancolicamente, como inequívocos

    pigmeus morais.

     

     

    ( da redação com informações de assessoria. Edição: Genésio Araújo Jr.)

     

     

     

     


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