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Nordeste em Manchete
  • 10/03/2017 15h40

    HISTÓRIAS DO VELHO CHICO – Curiosidades da transposição do rio São Francisco contadas por um nordestino, que foi articulador do projeto

    Paraibano Marcondes Gadelha narra com exclusividade momentos que antecederam a concretização de um megaprojeto

    Por Gil Maranhão/Agência Política Real

    (Brasília-DF, 10/03/2017) Por que as águas de transposição do rio São Francisco, um dos mais importantes do País, tem demorando tanto a lavar o solo de estados nordestinos, que há séculos esperam por uma obra que podem evitar o colapso hídrico na região? Para responder – e entender o que está propor trás de tudo isso, o portal da Política Real foi procurar um paraibano da cidade de Sousa, que foi um dos articuladores do Projeto de Integração do Rio São Francisco, em execução, desde 2007: Marcondes Gadelha.

    Deputado federal por dois mandatos, senador em outro momento, o vice-presidente nacional do PSC, mais que político nordestino influente nesse debate é um acervo vivo da transposição.  Sabe de cor e salteado os fatos, as datas e os nomes dos envolvidos na transposição – curiosidades que ele contou, em resumo, ao jornalista Gil Maranhão.

    D. Pedro: sem dinamite

    “O projeto é da transposição é muito antigo, vem do século XIX. Foi um engenheiro, prefeito da cidade do Crato (CE) que levou a proposta ao Imperador. Mas naquele tempo era inexequível, a dinamite não tinha sido inventada e a ideia foi abandonada. Depois que os americanos fizeram o Canal do Panamá é que acharam que era possível fazer a transposição aqui também.”

    Mário Andreazza: interesse político

    “Vários governos se debruçaram sobre o assunto. Mas a transposição, nos termos que nós entendemos hoje, começou nos anos 80, com o ministro do Interior, Mário Andreazza, governo de João Figueiredo. Ele preparou um projeto que era mais generoso que o atual, previa transpor 300m3/segundo, e colocou isso no seu plano de governo, porque era candidato à presidência da República. Mas perdeu a convenção do PDS para Paulo Maluf, entrou em depressão e acabou morrendo. O projeto da transposição voltou às entranhas do Banco Mundial, nos Estados Unidos, que tinha financiado os estudos.”

    A seca de 1993

    “Em 1993, abateu-se uma seca impiedosa no Nordeste e eu era presidente do Instituto Tancredo Neves de Estudos Políticos, na Paraíba, que pertencia ao antigo PFL. Fiquei imaginando o que eu podia fazer pela Paraíba e o Nordeste naquelas circunstâncias e ai me lembrei do projeto de Andreazza, que estava lá nos Estados Unidos. O próprio autor do projeto, na época de Andreazza, engenheiro José de Ribamar Simas, um cearense, tinha ido para os EUA, estava trabalhando no Banco Mundial. Eu precisava trazer o Simas e o projeto pra cá. Trouxe e fiz toda a logística."

    De Sousa (PB) e Fortaleza (CE)

    “Promovemos uma grande reunião na cidade de Sousa (PB), com a participação da Sudene, Banco do Nordeste, Chesf, representantes dos governos estaduais.  O presidente era Itamar Franco. A reunião atraiu muita gente, devido a presença do Dr. Simas, que era uma espécie de semideus na área técnica. Foi tão bem sucedida, que nós fomos convocados a ir a Fortaleza (CE) e, na Federação das Indústrias do Ceará, redigimos a ‘Carta de Fortaleza’ a ser entregue ao Itamar.  Foi um documento redigido a seis mãos: eu, Paulo Lustosa e Roberto Pessoa.”

    Itamar Franco: De arranque

    “O documento foi entregue por Inocêncio de Oliveira, que era presidente da Câmara dos Deputados, e Itamar pegou de arranque, para surpresa nossa, pois ele era mineiro e Minas era contra a transposição. Ele disse: ‘Olha, esse projeto é tão importante para a integração nacional que eu não vou nem seguir o trâmite burocrático”. Ele queria licitar o projeto antes terminar seu mandato, em janeiro de 1995. O ministro do Interior, Aluísio Alves (RN), favorável ao projeto, acelerou e no dia 21 de dezembro de 1994 entregou o projeto de engenharia e editais de licitação. Itamar convocou todo mundo e anunciou a licitação da obra.”

    “Guerra” entre estados

    “A partir dai começaram as ‘guerras’. O primeiro entrave foi um juiz federal da Bahia, que embarcou o processo de licitação. Imediatamente formou-se um conjunto de forças monumental contra a transposição que envolvia: os chamados ‘estados doadores’ – os poderosos como Minas Gerais e Bahia, e estados menores como Alagoas e Sergipe, também influentes.”

    Elba Ramalho, Sabatela, Osmar Prado

    “Nesses estados tinham também os ambientalistas, que eram contra a transposição, e artistas de televisão, globais, como Letícia Sabatela e Osmar Prado. A cantora Elba Ramalho, que é paraibana, ficou contra. Tinha um segmento muito grande da imprensa, de pressão de toda a natureza. Eles alegavam que a gente ia matar o rio (São Francisco), que não tinha água suficiente, ia haver colapso na questão da energia elétrica. Argumentavam que custo da obra era faraônico, que era uma coisa descomunal."

    Índios contrários

    “Teve até uma tribo de índios contrária, os Trucais, que habitavam na região de Cabrobó (PE). Todo isso atrasou o andamento das obras. Todos diziam que era mais fácil procurar soluções menores, como perfurar poços artesianos, construir barragens subterrâneas ou fazer dessalinização da água do mar.”

    Do rio para o mar

    "A gente argumentava que o projeto o projeto era muito seguro do ponto de vista ambiental, porque não íamos tirar nenhuma cota d´água do rio. As águas que ia usar já iam sair para o mar de todo jeito. Apenas estavam desviando para Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Íamos usar apenas 1,4% do total do rio. Não ia acarretar nenhum problema ambiental."

    Custo da obra

    “Quanto ao custo da obra, a gente dizia que o custo de fazer é menor que o custo de não fazer, porque não fazendo o governo já está gastando com carros-pipas, frentes de serviços, com assistência social, e obras que são apenas paliativas e não resolvem. Com a transposição o governa gastaria de uma vez só e resolvia o problema.”

    Bispo/Greve de fome

    “Mas essa nossa argumentação não adiantava nada, porque eles estavam explorando o lado emocional da coisa e jogando a população contra nós. Fazia comícios na beira do rio, novenas, tinha história de abraçar o rio e até uma greve de fome de um bispo, dom Luís Capio, da cidade de Barras-BA. Ele fez duas greves de fome e comoveu o país todo contra a gente. Na primeira foram 11 dias.”

    Código de Água

    A nossa expectativa era apenas a legalidade. A Constituição diz que todo rio que cruza mais de um estado não pertence a nenhum estado ou grupo de estados, é patrimônio da União. Qualquer estado da União se encontrado em situação de necessidade pode recorrer a essas águas do rio São Francisco. Por outro lado, o Código de Águas diz que a prioridade da água é para consumo humano e defesa da sobrevivência animal.

    Pancadaria em Aracajú

    “O Ibama, que dava a palavra final, precisava fazer 09 audiências públicas. A primeira foi em Aracajú. O centro de Convenções de apinhado de gente, autoridades, e quando o presidente do Ibama deu inicio à audiência, levantou-se o deputado Augusto Bezerra, um brutamonte de uns 4 metros e disse: ‘Eu quero dizer que essa reunião não pode acontecer que isso é uma traição à Sergipe e nós não vamos permitir’. O presidente pensou que ele estava brincando e disse: ‘Você já deu o seu recado, agora se sente que nós vamos começar a reunião’. O deputado rebateu: ‘Começar coisa nenhuma. Não tô dizendo que essa reunião não pode acontecer e me dê logo esse microfone’. E tomou o microfone do presidente, arrancou os fios, jogou tudo pra cima, numa fração de segundo tinha 12 capangas cercando o presidente e nós fomos acudi-lo e começou a sessão de pancadaria, socos, pontapés, cadeirada. Ai o presidente disse: ‘Devido o clima de insegurança declaro encerrada a audiência’.”

    Polícia em AL, PE e BA

    “No dia seguinte haveria audiência em Penedo (AL). Foi a Polícia Federal lá e nos avisou para não irmos, porque o mesmo grupo que tinha badernado em Aracaju ia fazer a mesma coisa lá. Em Cabrobó (SE) nós tivemos que fazer, mas com a polícia ocupando a metade do auditório, porque o secretário de Segurança era o Sergio Guerra e mandou polícia pra lá. Em Salvador (BA) não conseguimos fazer, porque eles conseguiram uma liminar judicial que impediu e em Belo Horizonte (MG) não deu.”

    FHC: 1º estudo ambiental

    “O projeto Essa situação, então, ficou insustentável. Só veio mudar quando o Fernando Henrique assumiu e encomendou o primeiro EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) da transposição, que foi contratado por um consórcio estrangeiro formado por uma empresa da Finlândia e outra de Israel. Fizeram o estudo e verificaram que não haveria nenhum passivo ambiental, nem para o rio nem par a sua bacia. Com FHC avançou em dois sentidos: questão ambiental e por ser dividido em dois eixos – Leste e Norte.”

    Lula: Do papel à prática

    “No governo Lula, em 2007, ele iniciou a obra e disse: ‘Eu vou fazer essa transposição nem que eu tenha que levar lata d´água na cabeça’. Ele comprou a briga efetivamente. A disputa entre os estados foi em escala menor.”

    Intervenção do Papa

    “Teve um fato nesse governo, que foi a 2ª greve de fome do bispo dom Luís Capio. Ele disse que se iniciassem a obra ficaria assim até morrer. Foi outro drama, que nós tivemos que buscar, através do núncio apostólico do Brasil, uma intervenção do papa – que era Bento XVI. O bispo parou a greve e as coisas andaram, com mais facilidade. Depois de iniciada a oba, tinha resistência, mais bem menor.”

    Dilma: Dinheiro para estádios

    “Lula evoluiu com a obra, mas não conseguiu concluí-la em governo dele. No governo de Dilma a gente esperava que concluísse e não concluiu também, provavelmente por escassez de dinheiro. Há quem diga, eu não tenho como afirmar e nem provar, que as fontes de recursos que seriam para a transposição foram aplicadas na construção das arenas de futebol para a Copa do Mundo, porque ela queria fazer arenas padrão Fifa. Depois disso a coisa ficou muito devagar, aí começar a questão do Lava Jato e isso atrasou muita coisa.”

    Temer : 1º debate no Congresso 

    “O presidente Michel Temer não está se apropriando indevidamente, da transposição. Não é um intruso nessa história. Ele teve um papel que muito importante nesse processo que poucos imaginam. A participação dele vem lá de trás. Foi ele quem levou pela primeira vez o debate da transposição, que antes era só nas ruas, nos estados, para dentro do Congresso Nacional.” 

    (Por Gil Maranhão – Agência Política Real. Edição: Genésio Jr.)


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