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- Contato Brasil, 21 de novembro de 2024 07:22:59
(Recife-PE) Lamentada no País inteiro, com repercussão no Exterior, a morte de Marco Maciel, sábado passado, simboliza também, na verdade, um ciclo que está se fechando em Pernambuco como celeiro exportador de políticos com DNA nacional para atuar em favor do Brasil com assento no Congresso. A Câmara já foi presidida por três pernambucanos – Inocêncio Oliveira, Severino Cavalcanti e o próprio Maciel.
Nilo Coelho, maior expressão política do clã petrolinense, comandou o Senado. Também presidiu a Casa Alta o usineiro João Cleofas, que disputou três vezes o Governo de Pernambuco, perdendo para Agamenon Magalhães, Cordeiro de Farias e Miguel Arraes.Das lideranças forjadas no combate à ditadura – e Pernambuco foi grande protagonista – apenas o senador Jarbas Vasconcelos (MDB) cumpre mandato, hoje, aos 78 anos. Da sua geração, igualmente com visibilidade nacional, Roberto Magalhães, Inocêncio Oliveira, Joaquim Francisco, Egídio Ferreira Lima e Gustavo Krause estão sem mandato.
Deste ciclo, morreram Marcos Freire, Ricardo Fiúza, Carlos Wilson, José Mendonça, Sérgio Guerra, Eduardo Campos, Fernando Lyra, Cristina Tavares, Osvaldo Lima Filho, Maurílio Ferreira Lima, Osvaldo Coelho, Mansueto de Lavor, Antônio Farias e Severino Cavalcanti, todos com mandato de alta relevância, linhas de atuação antagônicas e ideologias as mais dispares. No velho ditado, cada macaco no seu galho, cumpriram papéis relevantes.
O ciclo que se fecha foi inspirado lá atrás. Estado revolucionário, Pernambuco mantém uma tradição em dar pitaco na cena nacional de longe. Já na Constituinte de 1824, tinha 11 representantes, entre eles Manuel Inácio Cavalcanti de Lacerda e Manuel Caetano de Almeida Albuquerque. Em 1946, Gilberto Freyre foi eleito deputado federal constituinte, recebeu vários prêmios e acabou contemplado com o título de Cavaleiro do Império Britânico, concedido pela Rainha Elizabeth II, da Inglaterra.
Eleito duas vezes deputado federal por Pernambuco, Josué de Castro destacou-se no cenário brasileiro e internacional não só pelos seus trabalhos ecológicos sobre o problema da fome no mundo, mas também no plano político em vários organismos internacionais. Outros nomes pernambucanos brilharam no plano nacional, viraram símbolos, como Joaquim Nabuco, líder da bancada abolicionista na Câmara dos Deputados.
Estácio Souto Maior, médico formado em 1935 pela Faculdade de Medicina de Pernambuco, ingressou na vida política filiando-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Elegeu-se deputado federal no pleito de outubro de 1954 e reelegeu-se quatro anos depois. Após a renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961, votou contra a Emenda Constitucional nº 4, que implantou o sistema parlamentarista de governo, sob o qual foi empossado o vice-presidente João Goulart.
Interrompeu o mandato em setembro de 1961, quando foi nomeado ministro da Saúde do governo de João Goulart (1961-1964). Esteve à frente da pasta até junho de 1962, quando retornou à Câmara. Em outro plano, seja ocupando mandato federal ou não, são grandes referenciais políticos como o abolicionista José Mariano, o senador José Ermírio de Moraes, os ex-governadores Etelvino Lins, Barbosa Lima Sobrinho e Agamenon Magalhães.
Conde da Boa Vista, Cruz Cabugá, Rosa e Silva, Estácio Coimbra, Dantas Barreto, José do Rego Maciel, Francisco Julião, os irmãos Suassuna, Armando Monteiro Filho, Francisco do Rego Barros, Miguel Arraes e tantos outros que escapam da minha memória deram a Pernambuco o status da sua vocação: gerar para o Brasil uma geração de benfeitores.
O vice dos sonhos – Homenageado por lideranças de todos os matizes, Marco Maciel era uma unanimidade pelo seu perfil conciliador. Fernando Henrique Cardoso disse que teve o vice dos seus sonhos. Se somados os dias alternados em que governou de fato nos oito anos de governo de FHC, Maciel ficou mais de um ano na Presidência. Fernando Henrique lhe dedicou espaço em seu “Diários da Presidência — 1995-1996”, lançado em 2015. Em suas 936 páginas, o ex-presidente cita seu vice 122 vezes. Considerado um coordenador político, recebia discretamente levas e levas de políticos em seu gabinete, aliviando o presidente de desgastes desnecessários.
Mal de Alzheimer – A família não divulgou a causa mortis de Marco Maciel, mas o ex-senador perdeu a vida pelas consequências nefastas do Mal de Alzheimer. Após deixar a Vice-Presidência, Maciel seguiu na política até 2011, quando terminou o mandato de senador pelo DEM. Com 20 anos no Senado em dois períodos, sua derrota na última tentativa de reeleição foi como um prenúncio da doença. O que parecia uma depressão foi se agravando.
O início do isolamento – O diagnóstico correto de nada adiantou, mas preparou a família. Até 2014, a doença pouco o afetava, mas Ana Maria, agora viúva, percebeu que o marido não conseguia acompanhar conversas e não lembrava de fatos históricos. “Ele percebia o esquecimento e ficava constrangido. No fim de 2014, não quis mais sair [de casa], só para consultas e coisas corriqueiras”, contou. Como os cuidados especiais exigem o trabalho de uma equipe, o casal mudou do apartamento que possui em Brasília para uma casa alugada onde pudesse acomodar os cuidadores.
Uma ave rara – Junto com Michel Temer, Marco Maciel era um dos ex-vice-presidentes brasileiros ainda vivos. Só que ao contrário do sucessor de Dilma, Maciel jamais rompeu com o titular do mandato, nem tentou ir além de suas atribuições. Visto como uma figura protocolar pelos detratores, seu verdadeiro papel foi de conciliador e de correção. Nunca brigou com FHC, diferente de Itamar Franco, que rompeu com Collor, e José Alencar, peça decorativa de Lula. O atual de Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão, já derrapou com as palavras algumas vezes. Maciel primava pela lealdade e jamais foi duro com o superior hierárquico acomodado na cadeira presidencial.
Amansou até ACM – Diplomático, o maior feito de Maciel é praticamente desconhecido. A ele é creditada a capacidade de conter o explosivo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL/DEM-BA), que presidiu a Casa de 1997 a 2001. Ele também ajudou a dissipar o escândalo da pasta Rosa, que denunciava o financiamento ilegal de campanhas de aliados do governo. Seus críticos diziam que ele jamais se expunha. Durante os governos Sarney e Collor, o deputado Ulysses Guimarães (PMDB) afirmava que o senador Maciel era capaz de falar por horas sobre os assuntos mais complexos sem proferir nenhuma opinião ou se posicionar, mesmo sendo presidente do PFL.
CURTAS
Alternativa – Não era de todo verdade. Egresso do movimento estudantil no início dos anos 60, Marco Maciel entrou na Arena, partido de sustentação da ditadura militar, sendo eleito deputado estadual e federal. No ocaso dos militares, defendeu abertamente a volta da democracia e chegou a ser cogitado como alternativa civil à Presidência do general João Figueiredo (1979-1985).
O rompimento – Depois, Maciel rompeu com o PDS, sucessor da Arena, ajudando a criar o PFL, que se alinhou com Tancredo Neves contra Paulo Maluf na eleição indireta para suceder Figueiredo. Nessa época, era presidente da Câmara. Foi conservador, claro, mas nem de longe era omisso ou um mero cortesão político. É uma triste ironia que um mestre do diálogo tenha sido enclausurado no labirinto de sua mente deteriorada, chegando a morrer, justamente nesses tempos de tamanho embate político.
Perguntar não ofende: Marco Maciel será lembrado em logradouros públicos, a partir de agora, tanto como Eduardo Campos?