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  • Contato Brasil, 25 de abril de 2024 14:18:28
Jorge Henrique Cartaxo
  • 30/04/2020 18h46

    O períssodactilo do poder

    O Brasil, como um personagem de Ionesco pós-moderno, tem renunciado a um dos mais nobres e raros prazeres da existência: o pensar!

    O rinoceronte ( foto: arquivo do colunista)

    “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê. Eu sou Messias, mas não faço milagres”. A frase do presidente Jair Bolsonaro, diante dos mais de cinco mil mortos vítimas do coronavírus no País, mais uma de suas flagrantes demonstrações de absoluta indiferença com a vida e o destino dos brasileiros, nos remete a Bérenger, personagem de “O Rinoceronte” de Eugéne Ionesco.  “A vida é anormal, só a morte é normal”, diz Bérenger dirigindo-se a Jean, no diálogo banal que se segue no café, naquele final de manhã de um  domingo de verão, após o barulhento e surpreendente tropel do primeiro rinoceronte pela cidade.  

    Como o Existencialismo, o Teatro do Absurdo emergiu no cenário intelectual europeu nas brumas e emanações do silêncio das bombas de Hiroshima e Nagasaki e da explosão de pavor dos campos de concentração nazistas, dentre outros horrores e destruições da Segunda Guerra Mundial. A solidão e o vazio do pós-guerra, o temor de uma guerra nuclear, evidenciam uma geração pessimista que digladia-se  com as instituições, a linguagem, o cotidiano e os padrões estabelecidos. Ionesco, que ao lado de Arthur Adamov e Samie Beckett, é um dos ícones da estética do “Absurdo”, escreve textos preciosos no período. Em o “Jogo do Massacre” , como numa inusitada inspiração bolsonarista, numa cidade qualquer em um tempo indefinido, sem aviso, uma devastadora epidemia explode. A morte prevalece e as pessoas sucumbem em série tendo o olhar dos vivos como cúmplice. No texto, o destaque é para a manipulação, o receio e o que pode acontecer com os seres humanos vivendo numa sociedade que está sob o medo.

    Mas é a partir de “O Rinoceronte” que a dramaturgia de Inoesco passa a refletir, com cenas irônicas e desconcertantes, as situações, absurdas e vazias, de pessoas e comunidades impotentes ao se depararem com o surpreendente, o incontrolável e o violento. Enquanto os rinocerontes chegam e tomam a cidade,  com o consentimento e a submissão de todos, naquela manha de domingo imaginária, numa alegoria ao surgimento e consolidação do nazismo na Alemanha e parte da Europa, Bérenger e Jean confiam tolices.

    O Brasil, como um personagem de Ionesco pós-moderno, tem renunciado a um dos mais nobres e raros prazeres da existência: o pensar! Movido pelo ódio, pela incompetência, pela sede autoritária e pela brutalidade que brotam das palavras do presidente Bolsonaro diariamente, o País caminha para o triunfo da barbárie, na junção sinistra de coronavírus, crise econômica e a postura bovina da Nação, como uma nova inspiração indevida para o espírito, inquieto e rebelde,  de Eugéne Ionesco.

                                                              

                                                  


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