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  • Contato Brasil, 22 de dezembro de 2024 05:04:14
Jorge Henrique Cartaxo
  • 22/04/2020 20h22

    Um abutre no cerrado

    Enquanto Pereira Passos conduzia a reforma urbana, derrubando mais de 600 edifícios e abrindo avenidas em poucos meses, Oswaldo Cruz impôs a vacinação compulsória, criou a “brigada mata-mosquito”

    Osvaldo Cruz( Imagem: arquivo do colunista)

    Rodrigues Alves , presidente do Brasil por duas vezes – 1902/1906 e 1918/1921 – viveu dois problemas sanitários expressivos no País. O primeiro, a famosa Revolta da Vacina, em 1904. O segundo, a Gripe Espanhola, em 1918, que acabaria  roubando-lhe a vida em 1919. Dos dissabores da Gripe Espanhola e da já famosa cloroquina, – tão ao gosto do bolsonarismo de cátedra – tratamos em nosso  artigo anterior  “O Camelô de Farmácia”.

    Paulista, ex-ministro da Fazenda de Prudente de Moraes (1894-1898), cafeicultor, Francisco de Paula Rodrigues Alves chega ao Rio de Janeiro, como presidente da República, em 1902 trazendo no alforje  duas urgências clamadas pelas elites paulistas e mineiras: embelezar e modernizar a cidade do Rio de Janeiro, com destaque para o aprimoramento do porto da capital.

    Para a função de  nosso “Haussmann tropical”, Rodrigues Alves convoca o engenheiro Pereira Passos. Filho do Barão de Mangaratiba,  Passos estudou em Paris de 1857 ao final de 1860, onde assistiu, com o olhar de engenheiro civil – na época com os títulos de físico e matemático – à grande reforma da capital francesa planejada e executada pelo Barão Georges-Eugéne Haussmann, sob o entusiasmo de Napoleão III. Mas a nossa antiga capital federal, ainda com todos os traços do Império recém destituído e da diáspora dos escombros da escravidão esparramadas pelos casebres e ruelas urbanas, precisava de uma intervenção sanitária.  Os contornos neoclássicos  da nossa Petit Paris das margens do Atlântico Sul, não poderiam conviver com a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. “Dêem-me liberdade de ação e eu exterminarei a febre amarela dentro de três anos”, comprometeu-se o médico sanitarista Oswaldo Cruz ao ser convidado para o desafio.

    Enquanto Pereira Passos conduzia a reforma urbana, derrubando mais de 600 edifícios e abrindo avenidas em poucos meses, Oswaldo Cruz impôs a vacinação compulsória, criou a “brigada mata-mosquito” que invadia as casas para desinfecção e inventou o cargo de “comprador de ratos” – os ratos eram os hospedeiros do piolho da peste bubônica. Instaurava-se uma espécie de “virtude terrorista” na República.

    O inescapável incômodo popular inspirou florianistas – saudosos do militarismo dos primeiros anos da República – liderados pelo senador e militar Lauro Sodré, com o apoio de Barbosa Lima, Barata Ribeiro e, meio na sombra, de Rui Barbosa. Revolta, quarteladas, tiros, prisões e mortes. Rodrigues Alves, Passos, Cruz e a saúde venceram!

    Hoje, numa situação ligeiramente inversa, Bolsonaro e o coronavírus  procuram o seu “Lauro Sodré” da ocasião, para vencer a saúde, conferindo vitória ao autoritarismo com a glorificação da morte.


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