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Jorge Henrique Cartaxo
  • 01/04/2020 21h17

    O Ulrich do Alvorada

    Jair Bolsonaro é o nosso Urilsch desta pós-modernidade que se desintegra nessa globalização virótica e fúnebre

    O Inferno de Dante( Foto: arquivo do colunsta)

    Ulrich é o personagem central do romance O homem sem qualidades, de Robert Musil. Considerada uma das principais obras do século XX, o livro de Musil faz-se acompanhar, pelos críticos, das  obras de Marcel Proust, James Joyce, Stefan Zweig e Thomas Mann,  por exemplo.

    Matemático, com 32 anos, Ulrich vive na imaginária Kakânia  - na verdade a Viena do Império Austro-Hungaro em plena Primeira Guerra Mundial -  onde os sinais de uma nova era se expandiam ante o aroma ácido das fuligens dos fuzis e canhões que esculpiam, com macabro requinte, a destruição  da suavidade elegante da Belle Époque europeia. “É em meio a esse mundo de fragmentos contraditórios da civilização europeia que Ulrich faz desfilar o seu senso elementar de compreensão sobre uma realidade que ele não entende exatamente: emergência e decadência.”, observa o professor José Salvador Faro.

     Prisioneiro da sua nulidade e limitado pela ausência de qualquer horizonte, Ulrich, na sua compulsão vazia de ser importante – uma espécie de refúgio para a vaidade e a ignorância – lembrou das admiráveis glórias de Napoleão e, tão logo concluiu a primeira fase escolar tornou-se alferes de um regimento de cavalaria com o firme propósito de emular o bravo corso de Fontainebleau . “ Participava de corridas de cavalo, duelava, e distinguia apenas três espécies de pessoas: oficiais, mulheres e civis; os últimos eram uma classe fisicamente não desenvolvida e espiritualmente desprezível, cujas mulheres e filhas eram arrebatadas pelos oficiais.  Entregou-se a um pessimismo sublime: parecia-lhe que se a profissão de soldado é um instrumento aguçado e ardente, era preciso queimar e cortar o mundo com esse instrumento, para seu próprio bem”, vai burilando Musil, o seu espírito de um tempo sem qualidade naquele início de século.

     Jair Bolsonaro é o nosso Urilsch desta pós-modernidade que se desintegra nessa globalização virótica e fúnebre. “Surpreendam-me!”, bradou Serguei Diaguilév – o inventor do famoso Ballets Russes – para os seus coreógrafos numa noite na primeira década do século XX, impingindo no tempo o mais célebre slogan do modernismo que teria seu primeiro susto no rufar dos tambores em 1914. Sem a ousadia estética do modernismo, Bolsonaro é o nosso cavaleiro do apocalipse que nos surpreende a todos com a sua compulsão do mal e da morte. Com o seu desdém pela vida e o seu apego vazio, inútil e sem glamour, ao poder, ele se nos apresenta como uma espécie de Urilch de Dante, onde boçalidade se enternece com as trevas.


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