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- Contato Brasil, 21 de novembro de 2024 06:01:39
Texto de Gilmar Corrêa
Os acontecimentos de sábado, no Recife, são mais um ato de um constante amadurecimento da rebeldia militar. Ao atirar contra manifestantes e praticamente cegar dois deles (dizem que nem estavam no protesto contra Jair Bolsonaro), a Polícia Militar de Pernambuco mostra como as polícias estão politizadas.
Há anos que greves pontuais de militares são realizadas sob a bandeira de melhores salários. É provável que a primeira manifestação política recente das tropas aconteceu em 1997, em Minas Gerais. Foi o maior movimento grevista, incluindo a morte de um soldado.
Depois aconteceram outros aquartelamentos, como no Espírito Santo, onde posteriormente 703 soldados, graduados e oficiais foram anistiados pelo motim. No Ceará, um senador foi baleado no peito após tentar passar por uma barreira de amotinados.
Na Bahia, um soldado levou um fuzil para a praia e ameaçou populares e os próprios colegas. Foi morto após atirar contra a tropa de choque. Bolsonaristas aproveitaram para turbinar o episódio semeando ingredientes políticos da extrema direita. O mesmo discurso que povoa a caserna dos efetivos estaduais e, certamente, federais.
Há algum tempo, analistas observam que os governadores não têm mais o comando sobre as tropas estaduais. A lenta e gradual falta de autoridade sobre batalhões de cerca de 416 mil policiais militares, ocorre com a política partidária. Nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional, há dezenas de policiais eleitos. A democracia permite, mas o resultado a longo prazo vai cobrar o preço.
O presidente Jair Bolsonaro tem feito um trabalho de aproximação com as tropas estaduais. Suas ideias estão impregnadas na farda.
Na segunda-feira (31), policiais militares prenderam um professor que se recusou a retirar um adesivo no carro dele contra Bolsonaro. Estaria infringindo a Lei de Segurança Nacional, a mesma que o Supremo Tribunal Federal usou para enquadrar críticos da Corte num inquérito contaminado pela inconstitucionalidade.
No Distrito Federal, é possível perceber a diferença no tratamento da tropa nas manifestações bolsonaristas e da oposição. Nos protestos bolsonaristas, até os caminhões puderam estacionar ao longo da Esplanada dos Ministérios. Na manifestação do último sábado, um cordão de policiais e grades metálicas impediram a aproximação do público do Congresso Nacional.
A Polícia Militar, desde a sua criação, sempre foi uma força auxiliar das Forças Armadas. Entretanto, nem por isso deixou de ocorrer insurreições. A mais famosa foi a de 1924, com a adesão maciça da Força Pública de São Paulo, que manteve sob o controle da capital paulista por um mês. Seguiu-se depois revoltas no Mato Grosso e Sergipe.
A historiadora Isabel Aragão, na sua pesquisa “Revoltas na caserna e a criação da polícia política no Brasil”, conta que o ano de 1924, inaugurava, então, um período de incontáveis prisões de militares revoltosos, não apenas na capital federal, mas de todas as partes do Brasil, revelando a face cruel de um estado de exceção implementado no país, repleto de perseguições, prisões ilegais, torturas e arbitrariedades no sistema jurídico-político.
A Polícia Militar de hoje está bem mais aparelhada. Tem sistemas de vigilância e controle complexos, possuem sistemas de grampos e conhecem melhor o sistema de segurança. Há tropas específicas para emprego em situações de emergência e, em boa parte dos casos, o pessoal é mais especializado que os membros do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica.
A Força Nacional, integrada por integrantes de várias polícias, é outra força preparada. Hoje, é comandada por um coronel ligado a Bolsonaro, e casado com uma deputada federal de primeira linha do bolsonarismo.
Não é o caso de se afirmar que estamos chocando o ovo da serpente, mas é certo que a politização das forças públicas é superior às Forças Armadas. Não há dúvidas disso. E talvez quando abrirmos os olhos, seja tarde demais para a nossa democracia ainda em construção, mas sempre desafiada.