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( Publicada originalmente às 16h 51 do dia 13/05/2025)
Com agências
(Brasília-DF, 14/05/2025) Na tarde desta terça-feira, 13, foi confirmada a morte do ex-presidente do Uruguai José "Pepe" Mujica, aos 89 anos. Ele estava em estágio terminal de um câncer de esôfago e recebia cuidados paliativos. O atual presidente do Uruguai, Yamandu Orsi, falou logo em seguida. "Obrigado por tudo que nos deu e por seu profundo amor por seu povo", escreveu ele na postagem.
No auge da carreira como presidente do Uruguai, Mujica recebia um salário de 12,5 mil dólares. Desse valor, escolhera receber apenas um décimo. O restante doava, pois afirma que 1.250 dólares eram "mais do que suficiente" para viver, dividindo seu tempo entre o gabinete do Executivo e o trabalho no campo. Apesar de ter alcançado o posto mais desejado por muitos políticos, Mujica creditava à agricultura a verdadeira liberdade. Sempre a bordo de um fusca azul-claro, o qual ele se recusou a vender mesmo por um milhão de dólares, o líder político carregava na carona a austeridade como símbolo de vida.
Fazendeiro da região oeste da capital uruguaia Montevidéu, Mujica jamais imaginou alcançar tamanha popularidade – e isso provavelmente nunca foi seu objetivo. Contrariando o previsto, tornou-se um dos mais emblemáticos líderes latino-americanos deste século, um personagem que ultrapassou a efemeridade de cinco anos de mandato como presidente e permanece como figura carismática e adorada nas redes sociais até a sua morte.
Presidente do Uruguai entre os anos de 2010 e 2015, Mujica se definiu como um "zoon politikon", um animal político, em entrevista que deu à DW pouco antes do fim do seu governo. "Estou na política desde os 14 anos de idade. E se eu não perder a cabeça, continuarei na política até que me carreguem para fora", afirmou à época, sabendo que a parte mais tumultuada da sua vida já havia ficado para trás.
'Este mundo está louco'
A curva ascendente de sua fama internacional alcançou o ápice em junho de 2012, quando Mujica discursou na cúpula Rio+20 da ONU, no Rio de Janeiro, sobre desenvolvimento sustentável.
Diante de dezenas de chefes de Estado e governo, criticou a sociedade de consumo que, segundo ele, leva as pessoas a trabalharem mais para pagar dívidas.
"Essas coisas são muito elementares: o desenvolvimento não poder ser contra a felicidade. Tem que ser a favor da felicidade humana, do amor sobre a terra, das relações humanas, de cuidar dos filhos, de ter amigos", afirmou.
Embora ele mesmo tenha definido suas palavras como "elementares", o discurso fez sucesso na internet e foi reproduzido milhões de vezes no YouTube — algo impressionante para um presidente que nem sequer usava redes sociais.
Em maio de 2024, Mujica foi diagnosticado com um tumor maligno no esôfago e iniciou um tratamento com radioterapia que, por opção, foi realizado no Uruguai para ficar próximo da esposa, da fazenda e de seus colegas políticos. Tudo começou com um desconforto no trato digestivo. Na época prestes a completar 89 anos, Mujica também convivia com uma doença imunológica e insuficiência renal. "Enquanto aguentar o tranco, estarei aqui. Quero agradecer e transmitir aos jovens deste país que a vida é bela e difícil. E que se houver raiva, que a transformem em esperança. Lutem pelo amor", recomendou Mujica à época.
No início de julho de 2024, a médica pessoal de Mujica, Raquel Pannone, afirmou que um tratamento como o que o ex-presidente fez não permitia que ele estivesse em perfeitas condições de um dia para o outro. Mujica chegou a enfrentar uma infecção respiratória nesse período. Em janeiro, ele revelou que o câncer havia se espalhado por seu corpo e que ele não iria mais se submeter a tratamentos.
Caminhada
Mujica nasceu em Montevidéu, em 1935, em uma família de agricultores de origem basca e italiana. Aos cinco anos, perdeu o pai e, desde cedo, trabalhou com a irmã na fazenda de flores da família. Apesar da origem humilde, conseguiu ir à escola e estudou direito, mas não concluiu a formação superior. O período da universidade, porém, o aproximou do movimento estudantil.
Em pouco tempo, Mujica e outros fundaram o grupo de guerrilha urbana conhecido como Tupamaros. Naquela época, início da década de 60, havia desemprego em massa no Uruguai. Mujica sonhava com "uma sociedade sem classes sociais". Para isso, ele e os companheiros de grupo roubavam bancos, sequestravam políticos e colocavam bombas.
Mujica, no entanto, sempre afirmou que nunca havia matado ninguém. "Éramos ingênuos, mas nunca perdemos de vista o objetivo", disse Mujica certa vez em uma entrevista à DW.
Seus objetivos o levaram à prisão. Mujica chegou a ser detido quatro vezes, entre as décadas de 70 e 80, mas conseguiu escapar duas vezes, uma delas entrando em um túnel que dava para uma casa próxima ao presídio. Ele foi condenado pelo assassinato de um policial após um tiroteio com a polícia, em 1971. Ao todo, passou 14 anos preso, a maior parte desse período em uma solitária. Na prisão, foi torturado. Mais tarde, Mujica descreveu essa fase da vida como "rotina para aqueles que decidem mudar o mundo", comentando: "Durante esses anos na prisão, tive muito tempo para me conhecer".
Da solitária à presidência
De 1973 a 1985, o Uruguai foi governado por uma ditadura militar. Com a queda do regime ditatorial, foi aprovada uma lei de anistia sob a qual Mujica e outros presos políticos foram libertados. Ele e sua futura esposa, Lucía Topolansky, uma colega tupamara libertada na mesma época, se mudaram para uma pequena fazenda onde vendiam tomates e crisântemos e se dedicavam à atividade política.
Os Tupamaros evoluíram para o partido político de esquerda Movimento de Participação Popular (MPP) e, dez anos após sua libertação, Mujica foi eleito membro do Congresso. Em seu primeiro dia, foi ao parlamento de motocicleta, segundo uma história contada entre a população local. O porteiro, confundindo-o com um entregador, perguntou: "Você vai ficar muito tempo?". Mujica respondeu: "Espero que sim".
Suas esperanças se concretizaram. Em 2005, pela primeira vez em sua história, o Uruguai elegeu um presidente socialista: Tabaré Vázquez, líder da coalizão de esquerda Frente Ampla. Vázquez nomeou Mujica como ministro da Agricultura. Cinco anos depois, o próprio Mujica foi eleito presidente com 52% dos votos.
Mesmo no mais alto cargo do Estado, Mujica permaneceu fiel a si mesmo e frequentemente aparecia nas reuniões do gabinete vestindo um casaco, sandálias e uma calça velha. Nunca usava gravata, nem mesmo em ocasiões oficiais.
Tanto que quando usou um terno como convidado da Casa Branca, em 2014, a roupa estava mais curta do que o ideal. Apesar disso – ou talvez por causa disso – seu anfitrião, Barack Obama, o descreveu como uma pessoa de "credibilidade extraordinária". Para o renomado escritor uruguaio Eduardo Galeano, o compatriota "é um homem simples. As pessoas se reconhecem nele, e é por isso que ele inspira tanto entusiasmo e esperança".
( da redação com agências, DW. Edição: Política Real)