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- Contato Brasil, 22 de novembro de 2024 04:33:25
(Brasília-DF, 09/11/2013) O professor Francisco Jácome Sarmento da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), afirmou com exclusividade para a reportagem da Política Real, que sem capacitação dos milhares de nordestinos que viverão nas margens da transposição das águas do Rio São Francisco, a situação no semiárido não mudará.
A declaração de Francisco Jácome Sarmento ocorreu após ele afirmar também que as novas áreas agricultáveis que serão disponibilizadas do Nordeste não serão usadas apenas pela agricultura comercial. Ele acredita que o principal uso das novas terras agricultáveis, por conta da interligação de bacias hidrográficas, ficará com os assentados da reforma agrária.
Entretanto, o professor universitário salienta que não adianta o governo federal oferecer apenas terra e água para os agricultores familiares, sem oferecer meios que proporcionem “domínio da cadeia produtiva” aos futuros agricultores das áreas que terão os recursos hídricos da transposição.
Todas as afirmações de Jácome Sarmento aconteceram após responder o questionamento da reportagem se ele teria o temor de que as novas áreas agricultáveis da região poderiam ser destinadas, como aconteceu no passado, ao cultivo único e exclusivo da monocultura expansiva.
Estas e muitas outras declarações estão disponibilizadas na íntegra da entrevista que a Política Real publica a seguir.
Política Real: O discurso ambientalista fundamenta que um dos problemas do desenvolvimento brasileiro incorre na prática da monocultura. Isto é verdade ou é mito?
Jácome Sarmento: A monocultura é de fato problemática. A cana-de-açúcar é fato que tem que ter manejos adequados para evitar que os efeitos nocivos da monocultura se efetivem. Mas tudo isso é controlável. Existem hoje práticas agronômicas adequadas para se contornar isso e esta insistência na monocultura em alguns setores, ela hoje já não convive tão diretamente com consequências deletérias que estas práticas têm. Nós temos hoje sistema de rodízio, onde se planta cana-de-açúcar, passa ali por um processo de descanso para uma reposição dos nutrientes do solo, sob pena de o proprietário daquelas áreas perder aquele solo. Então estas práticas hoje são contornadas por tecnologia. As consequências nocivas destas práticas são contornáveis por tecnologia. Mas, agora, o que existe hoje nos projetos de irrigação é uma fuga desta questão da monocultura e quando não há outra alternativa, senão por questões econômicas, a opção da monocultura, isso é feito sob controles tecnológicos mais rigorosos, principalmente na tecnificação do setor privado. É preciso lembrar o seguinte: irrigação não é água e solo. Irrigação é água, solo e domínio da cadeia produtiva. Sem o domínio da cadeia produtiva, (a produção rural) está fadada ao fracasso. Porque (este) é o fator mais importante. Se pode dar água e se pode dar o solo, mas se não der a educação e a capacitação necessária para lidar com a cadeia produtiva como um todo, (o projeto rural) estará fadado ao fracasso em qualquer investimento feito.
Política Real: E com as obras da transposição do São Francisco finalizada, o Nordeste não corre o risco de voltar a viver, por exemplo, a monocultura da cana-de-açúcar, ou até mesmo da soja, nas áreas adjacentes da interligação de bacias hidrográficas? Até porque com a finalização das obras, as áreas agricultáveis próximas dos canais da transposição serão valorizadas, não?
Jácome Sarmento: Primeiramente nesta questão da valorização das terras adjacentes aos eixos da transposição, isso é natural que ocorra. Está se fazendo um investimento elevado que valora, evidentemente, porque numa região onde a água é predominantemente escassa, se passa a ter um artificial cortando estas terras, então é natural que se valorize estas terras. Mas o governo federal já há mais de uma década, acredito eu, tomou a iniciativa de fazer uma declaração de área de interesse público, 2,5 quilômetros para cada lado dos eixos da transposição. Então nós temos uma faixa com a largura de cinco quilômetros com os eixos correndo no meio desta faixa em que estas áreas declaradas de interesse público e não há aí condições de especulação fundiária e coisa desta natureza. Hoje eu acredito no seguinte: se áreas aproveitáveis forem efetivadas para irrigação ao longo dos eixos, fora desta área dos 2,5 quilômetros para cada lado do canal, certamente seguirão as práticas de composição de cultura. Normalmente não se planta só uva, manga, e hoje está plantando até figo no Nordeste. Então normalmente se faz composições de culturas e foge assim do monoculturismo que de fato pode chegar a ser nocivo.
Política Real: Mas não há o risco de as novas áreas agricultáveis do Nordeste, devido à transposição, serem adquiridas pela agricultura comercial, prática em outras regiões do Brasil, como no Centro-Oeste uma agricultura baseada na monocultura, basicamente, da soja?
Jácome Sarmento: Não. Porque há projetos que foram preconizados desde a inserção regional do projeto (da transposição) em que se estudou exatamente o que nome denota de como o projeto se inseria na região Nordeste. Desde os primórdios destes estudos feitos em 2002, em que eu tive a honra de coordenar, a grande preocupação foi essa aí também de ao longo dos eixos identificarem manchas de solos aptas para serem desapropriadas e destinadas à reforma agrária, em grande parte dela. E o governo na época se preconizava isso também em dar toda a assistência técnica e apoio para que se instalem ali polos produtivos, de preferência com projetos integrados que racionalizem o uso da água e que minimizem os desperdícios.
Política Real: Para que o Nordeste possa aproveitar esse novo momento que está por surgir com a conclusão da transposição, o que é necessário fazer para que a partir das novas áreas agricultáveis a região alcance o seu desenvolvimento pleno?
Jácome Sarmento: Olha, isso que eu digo não é clichê. No Brasil inteiro e, no mundo inteiro, é assim. Tudo passa pela educação. Não adianta se tecnificar, entregar os equipamentos mais avançados do ponto de vista tecnológico, se não preparar as pessoas, se não educar as pessoas. No caso específico da irrigação, se não der acesso a elas ao domínio da cadeia produtiva, a coisa não vai se resolver. Porque hoje não se pode, simplesmente, ter a água, o solo e plantar e não pensar na questão que está lá na frente e que é a mais importante, que é o mercado. Então hoje o que é que a iniciativa privada faz? Na hora em que um empresário da iniciativa privada resolve plantar banana, ele já fechou um contrato pela internet lá com a Europa com um grande distribuidor para fornecer aquela banana. O padrão de fornecimento daquela fruta é determinado pelo mercado lá. No dia em que ele (empresário) falhar com este padrão e a banana for de um jeito diferente daquele que está padronizado, ele perde o contrato e, ainda, paga multa. Então este controle, que vai desde a escolha da semente até a comercialização, é um controle que exige preparo e que exige pessoas antenadas, inseridas no contexto, inclusive, do alfabetismo digital. O contato com a internet, com as mídias e, então, tudo isso tem que ser levado para o campo, para o homem do semiárido, no caso do Nordeste.
(Por Humberto Azevedo, especial para Agência Política Real, com edição de Valdeci Rodrigues)