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Edson Vidigal
  • 14/10/2018 12h32

    A miragem democrática

    No regime semipresidencialista, não há Vice Presidente. Putin tornou-se o sucessor natural quando Iéltsin renunciou.

    Boris Iéltsin e Waldimir Putin( foto: site Smithsonian.com)

    Contemplo a imensidão desta praça e a imagino inteiramente ocupada, como dizem que foi, por uma multidão em plena euforia a festejar a vitória eleitoral de Putin nas eleições presidenciais deste ano.

    Wladimir Putin, ex-agente da KGB, caiu nas graças de Boris Iéltsin, o primeiro Presidente eleito após a renúncia de Gorbachev.

    Iéltsin, um respeitado engenheiro de obras no governo comunista e político de grande simpatia popular, corpulento e despachado, sofrendo de complicações coronárias e incontornáveis pressões politicas, não concluiu o seu segundo mandato. Teve que renunciar.

    Quando fazia tempo frio, agasalhos de lã não lhe bastavam. Iéltsin aquecia-se melhor com bons tragos de um destilado branquinho de uma qualidade impar, que a Rússia produz e exporta para o mundo, menos para a União Europeia.

    Hillary Clinton conta em seu primeiro livro de Memórias sobre o afeto com que foram marcadas as relações pessoais dela e de Bill com o primeiro Presidente eleito da Rússia. Em alguns encontros na Casa Branca, Boris se segurava bem na fala ou no trocar das pernas nunca transparecendo que sua euforia tinha muito a ver com a vodca.

    Uma vez, na Blair, anexo da Casa Branca, onde ficam os hospedes oficiais, o então presidente russo tomou um porre, driblou a segurança, achou um porão e a saída para Avenida  Pensilvânia. Encontrado só de cueca, explicou que sentira vontade de comer uma pizza.

    Hillary, conta que apreciava aquele jeitão meio traquina, de humano dele. Essa vontade do Boris de tomar um porre e sair seminu de madrugada pelo porão da Casa Branca à procura de uma pizzaria não está no livro dela.

    Com aquela aparência de bom garoto, caladão, bem comportado, Putin foi ficando ali na sombra, sem se incomodar e pouco incomodando, como Primeiro Ministro, nomeado por Iéltsin.

    No regime semipresidencialista, não há Vice Presidente. Putin tornou-se o sucessor natural quando Iéltsin renunciou.

    Como Presidente provisório, convocou eleições, candidatou-se e ganhou. De lá para cá vem se revezando na gangorra do poder com Dmitri Medvedev.

    Em 2014, quando concluir o seu atual mandato, Putin terá ultrapassado em tempo no poder o ultimo czar Nicolau II, assassinado por ordem de Lênin, após a tomada do Kremlin pelos comunistas, quando somava 22 anos como Imperador da Rússia.

    Se tudo transcorrer bem com a atual Constituição da Rússia, que dá ao Presidente o alivio de não ter Vice e mandato de 6 anos, mas com direito a apenas uma reeleição consecutiva, Wladimir Putin só terá um mandachuva a ter estado por mais tempo no poder do Kremlin – Josef Stálin, que governou a Rússia por ininterruptos 30 anos.

    Para quem vinha observando os movimentos de Putin como Presidente e candidato à reeleição, o resultado final lhe atribuindo mais de 70% dos votos, deixando para trás 7 concorrentes, não causou surpresa.

    A multidão carregada de euforia a gritar-lhe o nome acenando bandeiras em alegrias de saudações lotou a praça vermelha em referendum ao que saiu das urnas.

    Mas para o blogueiro Alexei Navaluy, 41 anos, não foi bem assim. Houve fraude e abusos de poder. Imagine uma eleição num País com 11 fusos horários. A Rússia tem 11 fusos horários. Disparado nas pesquisas, ameaçando Putin nas intenções de voto, foi tirado da campanha condenado por  um tribunal. Não pôde nem votar.

    Numa pesquisa do The Economist, publicação das mais influentes no mundo, a Rússia se veste com roupas de  democracia, mas ainda é um Estado totalitário. Entre 177 países pesquisados é o 135º em índice de democracia. Só perde para a China, que ainda se assume comunista, sem liberdade de imprensa e sem pluralidade de partidos.

    Putin, 65 anos, candidato independente apoiado pelo partido de centro, Rússia Unida, obteve 76,69% dos votos. O seu mais próximo opositor foi o milionário Pavel Grudinin,57 anos, gestor de um sitio de morangos, candidato pelo Partido Comunista, que obteve 11, 77% dos votos.

    A Constituição da Federação da Russia impõe ao Presidente da República ao tomar posse o seguinte juramento:

    -“Juro, no exercício dos plenos poderes de Presidente da Federação da Rússia, respeitar e proteger os direitos do Homem e do cidadão, vigiar e defender a Constituição, proteger a soberania e a independência, a segurança e integridade do Estado e servir fielmente ao povo.”

    Pelo visto, o comunismo na Rússia não está com nada.

    Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal. Esteve em Moscou recentemente.

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    10.10.18


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