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Política de Brasília para Brasília
  • 13/11/2017 20h23

    “Sitiado”, de Edmar Oliveira, será lançado na Livraria Visconde; Paulo José Cunha faz apresentação

    Confira um trecho do livro

    Imagem da capa do livro do pesquisador piauiense

    No  próximo dia 24 de novembro, na Livraria Visconde (CLS 405, Bl. C, Loja 38, fone 3542-3119) será lançado pelo autor, o psiquiatra, romancista e pesquisador piauiense Edmar Oliveira, o livro “Sitiado”, que trata da Coluna Prestes, mas segundo Paulo José Cunha, o imaginário é o principal personagem.

    Confira a resenha do jornalista, escritor e professor Paulo José Cunha:

    À primeira mirada, Sitiado (Edmar Oliveira, Chiado Editora, 2017) parece uma obra de ficção, como diz a contracapa, baseada na passagem da Coluna Prestes pelo nordeste do Brasil na primeira metade do século XX, onde ocorreu o único cerco a uma capital brasileira – Teresina, no Piauí.

    Isso até que é verdade. Mas tratá-lo assim é praticar uma redução injusta, porque o livro é mais, bem mais.  

    Na obra, Edmar Oliveira revira o histórico da Coluna e do próprio Piauí. Ele, que já havia feito uma primeira e bem sucedida incursão pela história piauiense em Terra do Fogo (Vieira e Lent, RJ, 2013),  -  seu romance de estréia, -  serve-se do episódio da passagem da Coluna por terras mafrenses para desenvolver sua ficção histórica. Mas uma ficção histórica diferente. Nela, a trajetória e as características físicas e psicológicas dos personagens são menos importantes do que a relevância do painel multifacetado de referências fundadoras do imaginário do povo piauiense exibidas em cada linha do texto. Em Terra do Fogo ele já havia tangenciado esse formato intrigante de desenvolver uma trama para desvelar aspectos constitutivos do imaginário piauiense. Em Sitiado, desnuda por inteiro a intenção de abordar os marcos fundadores da história e sua importância na formação do povo do Piauí utilizando-se de personagens que têm a única finalidade de ajudá-lo nessa tarefa. Ou seja, o livro não é, definitivamente, um thriller. Dele não se espere grandes momentos de ação, rompantes heróicos, arroubos cívicos. A viagem que Oliveira propõe é de outra ordem.

    Um rápido parênteses: a colonização das terras piauienses recebeu influência decisiva dos migrantes sírio-libaneses, que se entregaram no território semi-virgem desde o final do século XIX aos dias de hoje à atividade milenar em que são mestres: o comércio. Desde muito tempo, os nativos do Piauí se acostumaram a conviver com sobrenomes como Adad, Bichara, Bucar, Caddah, Chaib, Cury, Hidd, Kalume, Ommati, Sady, Said, Tajra e tantos outros. O jornalista e escritor Higino Cunha documentou a chegada dos primeiros árabes mascates ao Piauí: “De 1885, começaram a chegar ao Piauí os primeiros sírios, estacionados de preferência nas cidades ribeirinhas do rio Parnaíba e entregando-se ao comércio de modas e fantasias. É uma gente honesta, laboriosa e econômica. Todos sabem ler e escrever na língua árabe e têm muita facilidade de aprender e falar o português” (História das Religiões no Piauí, Teresina, 1924).

    Edmar Oliveira homenageia e distingue a presença decisiva dos migrantes sírio-libaneses na formação econômica no imaginário do povo piauiense no personagem Abdon, mascate que se fascinaria pelas figuras emblemáticas e corajosas que empreenderam a grande marcha liderada pela figura heráldica de Luiz Carlos Prestes. E mais não conto de Abdon  para não fazer o leitor perder o interesse pelo desenrolar do enredo.

    Os integrantes da Coluna são pintados no romance como heróis valentes e românticos daqueles tempos áridos, o que de certa forma transporta obrigatoriamente a narrativa para o cenário dos dias difíceis do Brasil de hoje: “O movimento revolucionário propunha um outro Brasil, livre da corrupção, da exploração e dos desmandos dos opressores, que ainda possuíam a lei e os cartórios para a defesa de seus interesses”.

    Entremeando o texto e o entrecho, Oliveira envolve o leitor nas referências do imaginário mágico dos heróis da literatura de cordel, como o imperador Carlos Magno e seus Doze Pares de França, personagens do cordel mítico de Leandro Gomes de Barros. Trechos daquele livrinho vendido e declamado nas feiras, que embalou os sonhos dos nordestinos delirantes por tantas e tantas décadas funcionam como epígrafes/preâmbulos aos capítulos do livro. Com isso, a própria narrativa se encharca da epopéia dos heróis e vilões  medievais, item obrigatório de exame a quantos freuds e jungs  se atrevam a estudar os arquétipos do imaginário nordestino.

    Com a precisão do pesquisador dedicado, que vasculhou cuidadosamente os compêndios que relatam a história nordestina e piauiense, o autor ambienta seus personagens nos marcos fundadores dessa história. E faz com que o leitor dialogue e se envolva com a realidade social da época. Teresina, a capital sitiada, é apresentada na inteireza de um tempo que o progresso engoliu. Como se tomasse o leitor pela mão, Edmar Oliveira o conduz pelas ruas e avenidas de barro batido daquele tempo, quando as vias ostentavam os nomes ingênuos e poéticos com que foram batizadas, antes que fossem trocados pelos nomes sem graça das autoridades de ocasião.

    O livro é leve, e se mais não me aprofundo no enredo, como disse, é para não privar o leitor do prazer da viagem.

    Reza a lenda, entre os críticos de literatura histórica que, depois de A Guerra do Fim do Mundo, de Vargas Llosa, que mergulhou nas profundezas da epopéia dos beatos de Canudos (que já tinha sido retratada sem retoques romanescos no antropológico/sociológico Os Sertões, de Euclides da Cunha), qualquer pretensão de ficção histórica no Brasil já nasce frustrada. Pois Edmar Oliveira frustrou a lenda. E, de quebra, ainda ofereceu ao povo brasileiro e sobretudo ao povo do seu Piauí, tão carente de referências que alavanquem sua auto-estima, um retrato romanceado e épico de um momento único de sua história.

    A boa literatura brasileira só tem a agradecer ao autor por esse belo presente.

    Trecho de SITIADO:

     

    Os heróis atravessaram o rio que separava as

    terras já conquistadas pelos cristãos e as terras dos infiéis

    do Maranhão. Nas terras de Mormionda a muralha dos

    castelos dos infiéis tremia sob os cascos dos cavalos do

    exército de Carlo Magno e seus Doze Pares de França.

    A batalha derradeira aconteceria na tomada do castelo

    defendido por Ferrabrás. Catapultas do exército de Carlo

    Magno ativavam bolas de fogos sobre as muralhas do

    castelo. Gigantes aríetes eras arrastados por fortes homens

    e a cabeça do carneiro, desenhada na ponta da gigantesca

    árvore, facilmente colocava abaixo a porta do castelo.

    Homens armados de elmos e espadas invadiram o castelo

    e travavam sangrentas batalhas de corpo a corpo contra

    os infiéis. Roldão se encarregou de travar combate com

    o temível Ferrabás, o filho do almirante Balão. Oliveiros

    combatia bravamente, ao mesmo tempo, contra todo um

    pelotão do exército dos infiéis. Teodoro se esgueirava entre

    as ruelas do interior do castelo e via homens de turbantes

    tomados de bexigas da varíola, perdendo membros

    destroçados pela peste. Um pestilento tombou por cima de

    Teodoro e sussurrou que ele estava na trincheira errada.

    Enquanto tinha medo de contrair a varíola do pestilento que

    estava por cima do seu corpo e já sem vida, Teodoro assistia

    a luta heroica de Roldão e sua espada Durindanda contra

    Ferrabrás nos seus trajes sarracenos. Ao mesmo tempo que

    Oliveiros brandia sua espada Alta Clara contra o pelotão

    de infiéis que morriam atravessados pela lança do bravo

    cavaleiro. Enquanto o pelotão mouro sucumbia aos golpes

    de Oliveiros, Roldão obrigava Ferrabrás a converter-se à

    fé cristã. Os gritos dos mouros que habitavam o Maranhão

    eram ensurdecedores. Os infiéis zombavam dos cristãos.

    Um maranhense com sotaque de carcamano gritava: “seus

    ceroulas, a batalha está perdida”. Não sabia quem ia

    ganhar aquela guerra.

     

    ( da redação com informações de assessoria ) 


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