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Humberto Azevedo
  • 04/05/2017 12h10

    A reforma da Previdência no “pós-verdade”

    Enquanto boa parte da população diz não a perda de seus direitos previdenciários, proposta vence o primeiro round

    Reforma da Previdência: Das páginas do best seller "O Horror Econômico" da década de 90 ao premiadíssimo "Eu, Daniel Blake" do cineasta marxista Ken Loach que retrata as perdas de direitos ao ser humano sem função

    A crise sem precedentes na história do capitalismo arrasta para a lata do lixo teses que até ontem serviam de acomodação entre o capital e o trabalho. Mecanismos encontrados após a 2ª Grande Guerra e experimentados em nações desenvolvidas e capitalistas começam a sofrer uma série de desmanches. A reação, natural da plebe, encontra em defensores do capital e nos próprios capitalistas a guarida para o sonho da manutenção do status quo que os elevou da condição proletária degradante para uma sociedade plebeia com acesso a bens, produtos e serviços.

    Em tempos de “pós-verdade” as perdas dos direitos trabalhistas e previdenciários em todos os cantos é a solução encantada para prometer as gerações futuras o sonho do pleno emprego e da condição de consumista. O proletário abstrai sua condição de trabalhador e vê suas chances como um agente do capital. Não percebendo que sua condição jamais deixará de ser proletária.

    Com base nesta vã esperança do proletário são preparados os cardápios que serão servidos à mesa com a retirada dos benefícios sociais, que longe de igualar o jogo entre possuintes e os despossuintes, garante um mínimo de dignidade a plebe.

    Neste sentido, os dados apresentados pelo Comitê de Oxford de Combate à Fome (Oxfam) que mostra, desde 2015, que o 1% mais rico da população mundial detém mais riqueza que o resto do planeta é totalmente ignorado pelo debate que sustenta no mundo a “necessidade” imperiosa destacada por agentes do mercado de rever as concessões do Estado e benesses sociais aos mais desprotegidos socialmente.

    Como demonstrado pelos economistas Gabriel Galípolo e Luiz Gonzaga Belluzzo no ensaio preparado para o 1º Boletim de Conjuntura Econômica editada pela revista Carta Capital em fevereiro de 2017 com o título “O fim da globalização como a conhecemos? – O Fórum de Davos e o FMI apontam os efeitos perversos do processo”.

    A crença de que a saída para as mazelas causadas pelo capital se dará com mais força destinada aos agentes do capital vai rapidamente contaminando e corroendo o ambiente democrático de nações que até pouco tempo atrás não vislumbravam riscos de atropelos às sociedades democráticas. O que se vê é o efeito inverso que neste exato momento coloca as nações que eram as maiores defensoras do livre-comércio mundial como países adeptos do isolacionismo e de medidas protecionistas como os Estados Unidos de Donald Trump e a Inglaterra pós-Brexit.

    O mesmo se vê no debate eleitoral que coloca na França a extrema-direita galgando alcançar êxito com iniciativas que ganharam o coração dos proletários ingleses e norte-americanos contra uma direita que se diz desideologizar do velho conceito direita-esquerda estabelecido pós Revolução Francesa que separou girondinos de jacobinos. Mas que aposta na mesma receita estabelecida já há quatro décadas em vigor para oferecer a plebe francesa esperança e dias melhores. Nada diferente do que propõe de maneira oposta Trump e Marie Le Pen.

    E também nada destoante do que décadas atrás pregava com sua varinha mágica a primeira-ministra Margaret Thatcher como denuncia com frequência o cineasta inglês Ken Loach vencedor do prêmio Palma de Ouro de 2016 com o seu filme “Eu, Daniel Blake”.

    A saída proposta pela revisão capitalista da década de 70 por ora aprofundada em todos os cantos do planeta mostra uma sociedade sem coletivos, onde “reina” o indivíduo. Essa era a máxima da dama-de-ferro Thatcher que em suas próprias palavras afirmava como mantra: “Não existe sociedade, apenas indivíduos e família”.

    Em brilhante entrevista concedida ao repórter Silio Boccanera que foi ao ar no último mês de fevereiro no canal fechado GloboNews, o cineasta-militante traçou um paralelo dos tempos difíceis do pós-guerra, situado na década de 60, para os dias atuais.

    “Está pior. Um dos principais motivos é que, depois da guerra (...) e, naquela época, a consciência de guerra ainda estava presente na mente das pessoas. Nós a mantivemos presente e essa dizia que o bem comum era o que almejávamos. Trabalhávamos para o bem comum, para o benefício de todos. (...) Tudo isso mudou quando Thatcher foi eleita. O bem comum foi substituído pela ganância particular, pelo individual. Deixou de ser coletivo. Isso levou ao surgimento de ‘você não me interessa. Só me importo comigo’”, refletiu.

    Após estas constatações recordo um pequeno trecho retratado no livro de muito sucesso na década de 90, que assim como nos tempos atuais era varrido por governos que seguiam direitinho a cartilha encomendada pelo mercado, da jornalista Viviane Forrester: O Horror Econômico. “Segundo o costume secular, atua aqui um princípio fundamental: para um indivíduo sem função, não há lugar, não há mais acesso evidente à vida, pelo menos ao seu alcance”.

    A esperança é que as etapas civilizatórias das sociedades humanas acontecem em ciclos que se alternam e se repetem entre si. O princípio norteador de hoje será o modelo contestado de amanhã. Uma hora ou outra os coletivos que formam a maioria perceberão que enquanto persistimos no modelo capitalista que não aceita reformas para sequer corrigir suas distorções como a concentração de renda já em escala brutalmente inaceitável, corroerá, inclusive, àqueles mais abastados. Se a solução encontrada não for democrática, será outra por meios já conhecidos da humanidade. E a reforma da Previdência de hoje será uma reforma amanhã com ventos que sopram mais para as bandas de cá.


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